Política em Análise

Câmara piora Código Eleitoral

Deputados afrouxam fiscalização das legendas, censuram pesquisas, usam manobra para aprovar quarentena e deixam pouco tempo pro Senado aprovar o tema

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 16 de setembro de 2021 | 10:29
 
 
 
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Em diversos aspectos, a Câmara dos Deputados piorou o Código Eleitoral. Há problemas de toda ordem: na tramitação, no tempo para o debate no Senado e no mérito. Até o dia 2 de outubro os senadores terão que discutir um calhamaço de quase 900 artigos e com várias pegadinhas para o eleitor, como o enfraquecimento da fiscalização dos partidos e o aumento do poder de quem já está no cargo e quer disputar mais um.

O tema que mais gera polêmica no código aprovado pela Câmara, a quarentena para juízes, promotores, policiais militares, rodoviários e civis, além de guardas municipais, foi aprovado por uma manobra regimental. Já rejeitado por terem faltado três votos na primeira votação, o tema foi enfiado de novo na marra por meio de uma emenda aglutinativa. Arthur Lira usou isso alegando precedente criado por Eduardo Cunha em 2015 para votar de novo e aprovar a volta do financiamento privado de campanhas um dia depois de a proposta ser derrotada. Se a moda pega, as discussões no Congresso só acabarão quando os assuntos de interesse do presidente da Casa forem aprovados.

O argumento para votar de novo e aprovar um assunto já votado e rejeitado na última semana foi o de que a quarentena agora proposta é de quatro anos, contra cinco da primeira votação. Sendo de quatro ou cinco anos, a quarentena gera um debate rico. De um lado, é fato que juízes, promotores ou delegados podem interferir no processo eleitoral de forma brutal e não parece salutar para a democracia que possam disputar eleições depois de prender, enfraquecer ou tirar a disputa candidatos com os quais concorreriam. Por outro lado, determinar uma quarentena de quatro anos para policiais militares, rodoviários ou guardas municipais, com salários modestos e sem outra fonte de renda, é tirá-los para sempre da disputa. Quem pode largar um emprego de concursado e ficar quatro anos esperando para se candidatar, ainda sob o risco de ver a regra e o cenário mudar até o momento da disputa?

Ao menos a mudança proposta só valeria para a disputa de 2026. Seria absurdo dizer para integrantes dessas categorias agora que, para disputarem as próximas eleições teriam que ter abandonado seus cargos há três anos, quando nem discussão sobre isso havia.

Mas se o caso da quarentena gera ao menos um debate interessante, com duas visões distintas relevantes, há outros temas para os quais é difícil encontrar um defensor que não seja político ou dirigente partidário. O enfraquecimento dos mecanismos de fiscalização dos gastos dos partidos é um deles. O Código Eleitoral aprovado pela Câmara permite que as próprias legendas contratem empresas privadas para fiscalizar suas contas, em vez de manter essa função na Justiça Eleitoral. Passa a prestação para um sistema da Receita Federal, muito menos detalhado que o do TSE, e permite que os dirigentes partidários criem a categoria “outros gastos”, para usar o fundo partidário para praticamente tudo o que quiserem.

Há mais problemas, como por exemplo a descriminalização de condutas como o transporte irregular de eleitores e a boca de urna. Passam a ser infrações cíveis. Não vão mais gerar prisão, mas apenas multas. Isso tende a aumentar a prática dessas ilicitudes. Até mesmo no que parece ser uma melhora, como a criminalização do caixa 2, há inadequações, como a possibilidade de que o candidato faça acordo de não persecução penal e fique livre, ou que tenha pena menor do que as previstas no regramento atual.

Os atuais detentores de mandato ainda ganharam mais vantagens. O Congresso, ou seja, o conjunto dos candidatos à reeleição, poderá cassar normativas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, a propaganda partidária voltaria e, com mais travas para a criação de novas siglas, parlamentares e legendas atuais também se protegem de mais concorrência.

As mudanças nas regras para pesquisas eleitorais também tendem a gerar desequilíbrio. Ao proibir a divulgação de pesquisas eleitorais na véspera da eleição, candidatos com dinheiro e que podem fazer seus próprios levantamentos terão a vantagem de ter uma informação que ninguém mais terá. Já a mudança que obriga os institutos a divulgarem o percentual de acerto nas cinco últimas corridas eleitorais parte de um princípio equivocado, o de que pesquisa eleitoral prevê o resultado do dia da eleição, mesmo sendo feita antes da disputa. Não há como falar em erro quando o resultado de um levantamento feito 15 dias antes do pleito é diferente do resultado das urnas. As pessoas mudam de opinião e não há mecanismos para dizer que, duas semanas antes, a posição do eleitor era a mesma. Pesquisa é retrato do momento e o cenário muda todo dia. Políticos sabem disso, mas querem usar o mecanismo para garantir uma reserva de informação só para eles.

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