O cenário torna-se cada vez mais comum na democracia brasileira: um Poder não ouve as ruas e o que as pessoas pedem que faça e o outro mete o bedelho para fazer valer o desejo da sociedade. Aconteceu de novo, agora no episódio da destinação de dinheiro dos fundos partidário e eleitoral para uso no combate à pandemia do novo coronavírus. A decisão que bloqueou o dinheiro e determinou seu uso na área da saúde foi do juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal Cível de Brasília, mas deveria ser do Congresso Nacional.

Ocorre que o senso de urgência que Câmara e Senado demonstraram para outras medidas não valeu neste caso em que os cofres dos partidos e, por consequência, o dos candidatos, seriam afetados. Aprovou-se um orçamento de guerra, com o necessário aval para que o governo gaste o dinheiro do contribuinte para combater a pandemia, mas não se deu autorização para mexer na grana das legendas. Incoerente até mesmo para quem, em condições normais, defende o fundo eleitoral.

O Judiciário então, interferiu em uma seara do Legislativo, como por diversas vezes interfere na seara do Executivo. O próprio juiz Itagiba Catta Preta já fez isso outras vezes, como no episódio em que barrou a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no cargo de ministro, sob a acusação de que este tentava desviar-se da Justiça.

Nos últimos dias, Ricardo Lewandowski determinou, em canetada, uma mudança na MP do governo sobre redução de jornadas e salários. Definiu que os sindicatos precisam dar o aval. Ouço rumores de que Gilmar Mendes também vai entrar na dança em breve, ao analisar pedido do PT para liberar o FGTS do trabalhador em meio à pandemia. Funções típicas dos outros Poderes, mas que vão sendo exercidas pelo Judiciário.

De toda forma, na questão do fundo eleitoral e do fundo partidário, não há dúvidas de que o destino deve ser mesmo o combate à pandemia, ainda que isso signifique adiar as eleições. É muito dinheiro e o país está em uma situação de calamidade. E talvez a decisão judicial, por mais que não seja o caminho correto, ajude o próprio Congresso a se mexer e aprovar o óbvio.