A CPI da Covid-19 realizada no Senado chegará ao fim na próxima semana com a votação de seu relatório final. Porém, antes dele, que merece uma análise própria e profunda, já é possível dizer com toda certeza de que o colegiado, entre erros e acertos, cumpriu importante papel na sociedade. E isso ficou nítido nas declarações de familiares das vítimas da pandemia que ontem estiveram no Senado para falar de suas dores e percepções sobre um dos momentos mais trágicos da história do país.
Só pela sessão de ontem já valeria ter aberto a CPI. Para dar voz aos familiares de pessoas que muitas vezes são tratadas como número e que estão no centro desse morticínio. Ao ouvi-las dizer o quanto os trabalhos realizados no Senado foram importantes, tornou-se impossível não reconhecer, desde já, que foi a comissão mais relevante que o Parlamento já conduziu.
É verdade que erros foram cometidos ao longo do processo. Eu diria que são até naturais da atividade parlamentar, muitas vezes impregnada por interesses políticos. A própria escolha do relator foi um equívoco. Uma figura controversa, cheia de acusações no currículo e possuída por um evidente desejo de vingança após perder poder no Parlamento pelas mãos do Executivo, não era a melhor pessoa para conduzir o relatório. Ajuda na estratégia daqueles que buscam descredibilizar as investigações. Isso tem sido explorado pelos aliados do governo e, em especial, pelo pelo presidente da República e por seus filhos. Esse desejo de vingança e a oportunidade de retomar os holofotes por parte de Renan Calheiros geraram, inclusive, a confusão que vemos nessa semana com os embates em torno do relatório vazado antecipadamente e sem discussão com os pares.
A CPI por vezes passou do ponto, ouviu quem não deveria, permitiu brigas desnecessárias e perdeu tempo. Houve quem, em certo momento, e eu me incluo entre eles, tenha considerado que se transformava em circo em algumas ocasiões. Aos poucos, porém, e ontem em especial, nas palavras dos próprios familiares das vítimas, ficou evidente que a contribuição dada pelos debates foi séria e relevante na maior parte das vezes. E que ajudou a contar a história de como passamos a ser um dos países com a maior média de mortes pela doença no mundo.
Na CPI, nos aprofundamos no debate sobre a insistência em um tratamento sem comprovação científica, ainda que aqueles debates fossem usados por defensores do governo por espalhar informações distorcidas sobre o tema. O que, de certa forma, confirmou a disposição dos governistas de insistir no caminho errado que o Executivo tomou na pandemia. Depois, soubemos mais sobre a controversa negociação de vacinas no Ministério da Saúde. Enquanto fabricantes de uma vacina pronta e mais barata demoraram meses para serem atendidos, representantes obscuros ligados a figuras do governo conseguiam audiências no mesmo dia para vender um imunizante que nunca chegou de fato a ser entregue e cujo contrato só foi cancelado após pressão da própria CPI. Chegou-se, depois, ao escandaloso caso das vítimas da Prevent Senior, de clara proximidade com o discurso adotado pelo governo. Familiares e médicos acusam o plano de saúde de insistir num tratamento ineficaz, administrar remédios sem autorização dos familiares e alterar atestados de óbito para esconder as reais causas das mortes.
Daqui em diante, com a aprovação do relatório na próxima semana, os olhos estarão voltados ao Ministério Público Federal (MPF), que cobra com razão que sua autonomia seja preservada, com a derrubada de trechos polêmicos de uma PEC profundamente maléfica em tramitação no Parlamento, mas que deverá mostrar se está à altura da autonomia que hoje possui. Os trabalhos da CPI já valeram para jogar luz sobre a tragédia e sobre muitos de seus responsáveis. Caberá ao MPF analisar o caso, denunciando aqueles contra os quais houver provas e arquivando os casos daqueles que tiverem sido incluídos em meio aos excessos políticos do Parlamento. Porém, a Procuradoria Geral da República não poderá se omitir após tudo o que ficou evidenciado. Seria um crime tão grande quanto os cometidos até então por figuras do governo e de sua base de apoio.