Política em Análise

Defesa inconsistente

Primeiros argumentos do presidente sobre vídeo da reunião ministerial se chocam com o histórico dele em relação à PF e com o ocorreu na sequência

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 13 de maio de 2020 | 09:56
 
 
 
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Nas últimas hora aumentou muito a temperatura da crise causada pelo inquérito que investiga uma possível interferência do presidente da República, Jair Bolsonaro, na Polícia Federal. Com a revelação de informações sobre o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, às vésperas da demissão de Maurício Valeixo do cargo de diretor geral da PF e da consequente saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, tornou-se essencial que a população brasileira tenha acesso ao vídeo completo daquele encontro. Só assim, o cidadão poderá fazer seu juízo político da situação. Até porque, sabemos que na esfera da investigação criminal propriamente dita, não parece haver, pelo que se diz nos bastidores, muito entusiasmo do procurador geral da República, Augusto Aras, em levar o assunto ao término com uma denúncia contra o presidente.

Do que se relata até aqui, tanto pelas fontes que viram o vídeo quanto pelos depoimentos de ministros e falas do próprio presidente da República repercutindo o fato, tem-se uma defesa inconsistente do chefe do Executivo. Oras, dizer que o presidente, por não ter falado a palavra superintendência, estava insatisfeito era com a segurança da família no Rio não se encaixa nos fatos e versões apresentadas nos últimos meses. Afinal, o próprio presidente disse claramente em entrevistas que tinha insatisfações com a superintendência do Rio, que se não pudesse trocar o comando naquele Estado trocaria o diretor da Polícia Federal e que fazia questão da decisão por ser aquele o seu Estado. 
Além do mais, se a insatisfação de Bolsonaro fosse com a segurança da família no Rio, o problema recairia sobre o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e sobre o comando da Abin, nas mãos de Alexandre Ramagem. De modo que seriam esses os eventuais demitidos pelo presidente, e não Maurício Valeixo, que não tinha nada a ver com a história. Ramagem não apenas não foi demitido como foi cogitado, pela confiança que o presidente tinha nele, e sob sugestão de Augusto Heleno, como substituto de Valeixo na PF. Como o Supremo Tribunal Federal (STF) barrou essa indicação, foi escolhido outro nome da Abin, o delegado Rolando Alexandre. E a segurança no Rio foi modificada? Pelo que se sabe, não.
Fosse também consistente a tese da defesa, não haveria motivo para a reunião de Moro com os ministros militares no dia seguinte àquele encontro, o que foi confirmado pelos próprios ministros de Bolsonaro. Também não haveria razão para que Moro deixasse o governo atirando.
Dito isso, a menos que o vídeo mostre um claro contexto diferente de tudo o que se sabe, o presidente vai ter dificuldade de emplacar sua versão na opinião pública. Sua estratégia é parecida com a de Michel Temer no episódio do áudio da conversa com Joesley Batista. O “tem que manter isso” foi minimizado sob o argumento de que não foram ditas expressões literais do presidente acerca da compra do silêncio de Eduardo Cunha. Tal qual faz agora Bolsonaro ao dizer que, embora estivesse falando com o ministro da Justiça e sobre a Polícia Federal, o assunto era outro, já que a palavra utilizada foi outra. Mas se não serve para a opinião pública, pode servir como mote para que o centrão defenda o presidente na Câmara. É preciso um argumento para tal, por pior que ele seja.

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