Artífice da pior estratégia de política externa da história do Brasil, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sabe que seus dias no governo estão contados. E, exatamente por isso, utilizou uma das últimas oportunidades no cargo para contragolpear o Senado, criando a versão de que a guerra deflagrada contra ele se dá em razão de interesse dos senadores no leilão da tecnologia 5G. Como se sabe, a história não é bem essa e a única coisa certa em toda essa história é que Araújo não tem mais como continuar na função.

O desgaste do chanceler não é de hoje. É fruto de uma desastrada política externa, comandada pelos filhos do presidente da República e apenas executada fielmente por ele, que conseguiu deixar o Brasil hoje afastado de seus quatro principais parceiros comerciais: China, Estados Unidos, União Europeia e Argentina. Os quatro principais destinos de produtos brasileiros hoje têm relação áspera com o governo, por uma série de motivos que, no frigir dos ovos, têm apenas uma razão: a luta ideológica encampada a todo custo pelo governo Bolsonaro para fazer prevalecer a narrativa que levou o presidente ao poder.

A situação já era ruim há tempos, mas piorou com o agravamento da pandemia da Covid-19. Quando o país mais precisa de apoio internacional para destravar a chegada de insumos, como vacinas e medicamentos, estamos em guerra com o mundo. O Brasil descobriu que depende da China, apesar de o filho do presidente ofender o país asiático e ser referendado por Ernesto Araújo. E descobriu que os Estados Unidos possuem vacinas em excesso, mas que não virão para cá, entre outras coisas, pelo fato de o governo brasileiro ter tomado partido na disputa presidencial da maior democracia do mundo. Ao escolher o lado perdedor, mesmo quando a derrota já estava consumada, o Brasil optou por tornar-se inimigo do governo Joe Biden.

No caso da União Europeia, o problema vai além. Tem seu núcleo central na desastrada política ambiental de Ricardo Salles, outro integrante da ala ideológica do governo e, seguramente, o próximo da lista após Ernesto Araújo ser defenestrado do cargo.

A despeito de Araújo tentar circunscrever a guerra contra ele a uma batalha contra senadores movidos por interesse, a pressão sobre ele é colossal e vem de amplas forças. Não vem do Senado, mas também da Câmara e de fora do Congresso também. Um grupo de diplomatas já demonstrou seu descontentamento em uma carta pedindo sua saída do cargo. O agronegócio brasileiro, que tanto depende das exportações para os países alvejados pelo chanceler, também quer sua cabeça. No mercado, é unânime a avaliação de que ele não tem mais condições de ficar no cargo.

A relação tosca que o Brasil estabeleceu com outras nações no momento em que o país torna-se um perigo para o mundo por não enfrentar de forma eficaz a pandemia fez até com que uma deputada democrata norte-americana pedisse, irresponsavelmente, uma intervenção dos Estados Unidos no Brasil. Obviamente, um despropósito, mas um alerta de como a imagem brasileira anda lá fora, comparada a países como Venezuela ou Irã, onde chega-se frequentemente a cogitar intervenções. Isso não é coisa pequena. Ernesto Araújo encarna essa perda de prestígio pelo mundo. Sempre foi referendado pelo presidente. Agora, porém, se isso acontecesse, o governo estaria escolhendo uma crise permanente com o Parlamento, que poderia levar à queda de Bolsonaro. O preço dificilmente será pago. Por isso, Araújo será sacrificado para salvar quem o conduz como marionete.