RICARDO CORREA

Gol contra no Maracanã

Bolsonaro decidiu ir ao jogo entre Brasil e Peru, provavelmente levando a tiracolo o ministro Sergio Moro


Publicado em 06 de julho de 2019 | 03:00
 
 
 
normal

Já dizia Nelson Rodrigues que o Maracanã vaia até minuto de silêncio. Pois o presidente Jair Bolsonaro resolveu pagar para ver. Ele decidiu ir ao jogo entre Brasil e Peru, no domingo, na final da Copa América, provavelmente levando a tiracolo o ministro Sergio Moro, que está acossado por críticas após vazarem mensagens trocadas com o procurador Deltan Dallagnol. Além de ir ao camarote do estádio, o presidente quer estar no gramado. Totalmente inapropriado, mas nada inovador para políticos brasileiros. Adversários de Bolsonaro, como Dilma Rousseff e Aécio Neves, já fizeram o mesmo. Ambos tiveram, no passado, episódios de hostilidade de torcedores em jogos de futebol. Bolsonaro, porém, conta que, com um público formado por classes mais altas da sociedade – já que os preços absurdos dos ingressos da Copa América tornam a ida ao estádio proibitiva para a maior parte dos brasileiros –, pode ter resultado diferente. Nessa faixa ele vai melhor e ainda sustenta razoáveis índices de popularidade, a despeito das quedas registradas desde que chegou ao poder.

Bolsonaro elegeu-se prometendo fazer o novo, acabando com velhas práticas que levaram o país ao lastimável estado em que se encontra. Mas nesse caso faz exatamente o mesmo que políticos oportunistas sempre fizeram. Aliás, regimes populistas sempre usaram o futebol com objetivos políticos. Autoritários também. A ditadura militar brasileira surfou na onda da conquista da Copa de 1970 e do prestígio de Pelé. Na Argentina também, com a Copa de 1978.

Em tempos recentes, a conquista do direito de promover Copa e Olimpíadas foi usada por Lula e Sérgio Cabral para alavancar suas imagens e a de seus sucessores. Como mostram as delações e investigações até aqui, também serviram para alavancar a conta bancária de muita gente. Na Copa, há até quem diga que o 7 a 1 precipitou o impeachment de Dilma, ao piorar o sentimento de insatisfação do brasileiro, que se viu inferiorizado pela enorme onda de corrupção e economia devastada. Teria sido mais um empurrãozinho para lembrar que este país não está dando certo. Para o bem ou para o mal, o futebol tem sua interferência na sociedade, pois mexe com as emoções de muita gente que não tem mais muito o que comemorar.

Mas importante mesmo é dizer que o presidente da República se perdeu em simbolismos de campanha e, muitas vezes, abdica das funções para as quais foi eleito. Enquanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), reúne-se com deputados hoje para tratar de um acordo para votar a reforma da Previdência – que deveria ser uma prioridade do chefe do Executivo –, Bolsonaro vai ao estádio amanhã para aproveitar-se de um evento esportivo que nada tem a ver com ele. A área econômica do governo, porém, deve até achar bom, já que o presidente tem mais atrapalhado do que ajudo ao tentar esvaziar o texto dando regras menos duras para os profissionais da segurança no nível federal. Na “Copa da Previdência”, Bolsonaro faz gol contra na reta final do jogo. Por enquanto, a vitória ainda parece provável, mas não é bom subestimar os riscos de uma articulação malfeita e do fogo amigo que teima em ser lançado. O Maracanã dirá se isso é suficiente para uma reprimenda pública pela postura.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!