Política em Análise

Governo nas cordas

Apesar das tentativas de emplacar pautas positivos, governo está afogado em uma onda de notícias ruins nas últimas semanas

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 06 de julho de 2021 | 10:20
 
 
 
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A expressão é batida mas traduz com bastante exatidão o momento vivido pela gestão do presidente Jair Bolsonaro: o governo está nas cordas. Mesmo com as tentativas de emplacar pautas positivas ou pulverizar o debate com outras polêmicas, o presidente tem sido engolido pelo noticiário negativo e por um debate desfavorável na sociedade ao longo das últimas semanas. Das suspeitas de desvios na Saúde ao antigo esquema de rachadinhas, Bolsonaro apanha o tempo inteiro, vê sua popularidade continuar em baixa e vai perdendo tempo para se recuperar e chegar nas eleições como um candidato competitivo.

Dois assuntos poderiam ajudar Bolsonaro a sair dessa onda de más notícias. Um é a mudança no Imposto de Renda, que inicialmente apostava-se que teria o condão de angariar apoio na classe média mas que, de outra forma, tem sofrido com críticas de especialistas e irritação por parte dos empresários. As visões iniciais são de que, com o discurso de tornar o pagamento de impostos mais justo, na prática o governo estaria promovendo aumento na tributação. É um assunto para economistas e tributaristas, mas do ponto de vista político, que é o que posso analisar, o assunto acabou não tendo o impacto positivo que o governo queria. A segunda tentativa de impor uma pauta positiva foi o anúncio, ontem, da prorrogação do auxílio emergencial, que é importante para grande parcela da sociedade que ainda defende o governo.

Ocorre que, mesmo diante das duas pautas, o debate continua focado em denúncias de corrupção que arranham a imagem construída na campanha de que o presidente comandaria o governo sem escândalos. A mais nova bomba envolvendo o presidente trata de um assunto antigo, a suposta prática de peculato (roubo de dinheiro público), que ficou conhecida popularmente como rachadinha. Embora seja tema velho, pois estourou mesmo antes da eleição, áudios inéditos divulgados pelo portal Uol no início da semana implicaram diretamente o presidente. Neles, a ex-cunhada de Bolsonaro indica que o chefe do Palácio do Planalto participava do esquema e teria mandado demitir um familiar que não estava passando todo o dinheiro combinado.

Já combalido pelos escândalos na Saúde, Bolsonaro nem sequer se manifestou. Deixou o caso para os advogados, que ficaram apenas nos aspectos técnicos, sem negar seu conteúdo ou coisa do tipo. Bolsonaro apenas demonstrou estar cansado, não aguentando mais o cargo de presidente. Sentiu o golpe, após semanas de nervosismo com as pancadas por causa dos episódios envolvendo a compra da Covaxin e a negociação bizarra com a Davati.

A propósito, esses dois escândalos na Saúde é que possuem potencial para implicar severamente o governo no curto prazo. A história da rachadinha, embora gere desgaste, nem pode gerar inquérito contra o presidente enquanto ele estiver no cargo, já que trata de temas de quando ele ainda não era presidente. O chefe do Executivo não pode ser investigado por episódios anteriores à posse quando ainda está no cargo. No futuro, aí é diferente. Agora, porém, serve mais para disputa eleitoral e ampliar a pressão sobre o governo.

No caso dos escândalos na Saúde, o drama para o governo está só começando. Com a possibilidade da divulgação do áudio da conversa de Bolsonaro com o deputado Luís Miranda, e com as possíveis quebras de sigilo do próprio Miranda e do colega Ricardo Barros, com a análise do celular do cabo Dominguetti, que diz ter ouvido proposta de propina de US$ 1, e com os questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o aumento do preço da vacina ao longo das negociações, o sangramento no governo tende a aumentar. Estancá-lo é hoje uma prioridade no Planalto, mas hoje não há uma linha clara de como fazer isso.

Uma coisa em especial preocupa os auxiliares do presidente: o desgaste tem atrasado a aposta na recuperação da popularidade de Bolsonaro, para que ele chegue competitivo em 2022. E o governo apanha em praça pública enquanto os partidos de centro e de direita decidem seus caminhos. Em meio ao inferno astral do governo, o PSDB decidiu participar de manifestações pelo impeachment, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, faz seu partido desembarcar, e até o Novo já defende o afastamento do chefe do Executivo. Isso tende a ampliar a pressão para partidos mais próximos do presidente, como o PL e o PP. Se eles jogarem a toalha, a chance de uma derrota de Bolsonaro em primeiro turno aumenta muito.

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