Política em Análise

Governo pouco transparente

Com sigilos centenários, governo impede que se conheça a verdade, como costuma pregar o presidente em seus discursos

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 18 de abril de 2022 | 11:40
 
 
 
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No dia 20 de abril de 1922, o então presidente da República, Epitácio Pessoa, recebeu, em seu gabinete, o general Abílio Noronha. O encontro era banal, com audiência previamente marcada, embora Abílio Noronha depois tenha se tornado figura marcante na história pela participação na resistência à segunda revolta tenentista ocorrida dois anos depois e que tinha como objetivo derrubar o governo de Arthur Bernardes. Aquela reunião foi noticiada nos jornais do dia seguinte, assim como todos os encontros do presidente e até os telegramas que trocava com chefes de Estado do mundo inteiro.  Hoje, 18 de abril de 2022, poderíamos ainda, por mais dois dias, não saber da existência dessa reunião se, para ela, fosse decretado o sigilo de 100 anos que tem se tornado comum no atual governo do presidente Jair Bolsonaro.

Em cem anos, a legislação brasileira, no que diz respeito ao trato com a coisa pública, evoluiu muito. Sobretudo nas primeiras décadas do século atual, vivemos um profícuo período em que foram criados mecanismos para fazer com que o cidadão tivesse mais acesso aos gastos com dinheiro público e ao trabalho daqueles eleitos para representá-lo. 

Instrumentos como a Lei da Transparência (2009) e a Lei de Acesso à Informação (2011) criaram mecanismos para possibilitar que fosse exercido importante princípio constitucional presente na Constituição de 1988.

No atual governo, com o presidente Jair Bolsonaro com olhos voltados para a sua reeleição, e temeroso dos desgastes causados por escândalos que finge não existirem, a regra da transparência tem sido frequentemente quebrada por uma interpretação distorcida da própria LAI e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Assim, foi decretado, por exemplo, o sigilo de 100 anos dos encontros do presidente com pastores envolvidos em suspeitas no Ministério da Educação, ainda que já tenham sido divulgados que eles estiveram por dezenas de vezes no Palácio do Planalto. Da mesma forma, o atual governo já impôs sigilo de cem anos ao processo administrativo que terminou sem punição ao general da ativa Eduardo Pazuello, que participou de evento político ferindo regras internas do Exército; ao cartão de vacinação do presidente, que participa de eventos em que a imunização é obrigatória mesmo tendo jurado que não se vacinou; ou às visitas de seus filhos, homens públicos com mandato, ao gabinete presidencial. Tudo isso só será revelado entre 2121 e 2122, quando nem eu, nem você, nem nenhum dos envolvidos estarão aqui para ver.

Tal atropelo ao princípio da transparência só é possível com a conivência com órgãos de fiscalização e da Justiça brasileira. No entanto, acima de tudo, por conta da leniência da sociedade, entorpecida pela disputa política e pouco interessada em defender o uso do dinheiro público e o direito de saber o que fazem os seus representantes. E no Brasil, sabemos, a Justiça age de acordo com a pressão que recebe. Assim, sem entrar no mérito, a mesma Lava Jato que prestava quando milhares de pessoas estavam na rua, hoje não vale nada sem que ninguém se manifeste por ela. 

Os próprios órgãos que deveriam controlar o cumprimento do princípio da transparência também usam subterfúgios ou interpretações restritivas para não fazê-lo. Hoje, é bem mais difícil acessar informações públicas em sites oficiais do que há dez anos. Os botões de transparência estão mais escondidos. Os sites pioraram.

Um exemplo disso é a Justiça Eleitoral, que hoje não veicula mais a lista de filiados de partidos políticos com base em uma interpretação da LGPD. Assim, sem meu título de eleitor, nome de minha mãe e pai e data de nascimento, o leitor deste texto nem sequer pode saber que não sou nem nunca fui filiado a nenhum partido político. Parece o básico que o cidadão possa saber disso, mas hoje não sabe mais.

A falta de transparência é generalizada, embora hoje muito mais fortemente demonstrada no Poder Executivo que, em parceria com o Legislativo, criou a ferramenta do Orçamento secreto, para liberar recursos sem que o cidadão saiba para onde, de acordo com interesses políticos e eleitorais daqueles que apoiam o atual chefe do Executivo.  O exemplo caro da falta de transparência na gestão do presidente da República, que repete religiosamente João 8:32 para lembrar que “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, mas, na prática, não é adepto deste princípio fundamental.

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