O ex-procurador geral da República Rodrigo Janot tem motivos mercadológicos para causar polêmica às vésperas do lançamento de seu interessante livro de memórias sobre os tempos de PGR. Porém, foi irresponsável em várias das declarações feitas à imprensa e na própria obra. Assumiu condutas inadequadas e causou danos sua imagem, à de outras autoridades, à do Ministério Público e à da operação Lava Jato. Deu mais combustível ainda para um ambiente de ódio existente hoje no Brasil.
Evidentemente, nada pode ser mais grave do que a declaração de que preparou a morte do ministro Gilmar Mendes. Tal afirmação pode, em último caso, incentivar pessoas a fazerem coisas semelhantes. Se o chefe do MPF cogitou fazê-lo, por qual razão alguém em situação muito pior e revoltado com uma decisão judicial não poderia acabar achando que também teria o direito – e um pouco mais de coragem – de fazê-lo? Para a imagem do país, é um desastre que o chefe do órgão de acusação diga com tranquilidade que cogitou matar um ministro do Supremo.
Para piorar, ao se mostrar alguém capaz de matar ou morrer, Janot revelou, de certa forma, uma fraqueza que poderia ser repassada ao MPF e à Lava Jato pelos adversários dos órgãos de acusação. Seria possível que alguém que cogitava até um assassinato também pudesse usar a lei para se vingar de alguém? E quando ele fala, no livro, que a Lava Jato de Curitiba tentava atropelar a lei e que chegou a exigir que ele mudasse a ordem de denúncias de Brasília para que um crime de organização criminosa fosse imputado ao ex-presidente Lula só para garantir que outra acusação, esta de Curitiba, por lavagem de dinheiro, não ficasse capenga? As falas de Janot eram tudo o que os advogados de Lula poderiam querer neste momento, em que tentam comprovar uma parcialidade no julgamento.
Mas a irresponsabilidade não parou por aí. Janot também revelou episódios que, se verdadeiros, deveriam merecer denúncia na época, e não agora, anos depois. Ele disse, por exemplo, que foi chamado por Michel Temer (MDB), na época vice-presidente da República, e pelo ex-presidente da Câmara Henrique Alves (MDB-RN) para que parasse de investigar o também ex-chefe do Legislativo Eduardo Cunha (MDB-RJ). Nas entrevistas e em seu livro, diz, agora, que algumas das figuras mais importantes da República fizeram movimentos para que ele deixasse as ilegalidades do emedebista fluminense correrem soltas e que respondeu a eles que isso seria prevaricação. É certo que Janot não parou de investigar Cunha, mas o pedido indecoroso por si só já não era grave o suficiente para ser denunciado? Não havia uma tentativa clara de embaraçar investigações? Parece óbvio.
O mesmo vale para o deputado federal Aécio Neves (PSDB), que, como os demais, nega que tenha tratado do que Janot diz que ele tratou. Na versão do ex-chefe da PGR, o então senador o teria convidado para ser ministro da Justiça ou até mesmo candidato a vice-presidente em sua chapa de modo a evitar o aprofundamento de investigações. Se for verdade, não deveria também ter sido denunciado e divulgado naquele momento? Ou Janot foi irresponsável à época, ou foi agora.