Política em Análise

O ódio a Tabata Amaral

Parlamentar é alvo de comportamentos criminosos e críticas em razão de machismo e de uma disputa de poder, e não necessariamente por seus posicionamentos

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 27 de setembro de 2021 | 10:51
 
 
 
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Os ataques frequentes à deputada Tabata Amaral (PSB-SP) voltaram ao debate nos últimos dias após o ator Zé de Abreu compartilhar um comentário de um cidadão que dizia, em referência à parlamentar: ‘Se encontro na rua soco até ser preso’. A apologia ao crime é o ápice de uma campanha selvagem, sem muita razão de ser, coordenada por figuras da esquerda que, ao mesmo tempo, condenam os comportamentos deletérios do grupo radical que orbita em torno do presidente da República, Jair Bolsonaro. Fruto machismo, misoginia e irracionalidade sim, mas alimentada por uma disputa de poder. É o medo do futuro de Tabata que move tais ataques coordenados.

É curioso que o primeiro argumento dos que não se levantam contra os ataques à parlamentar seja o de que Dilma Rousseff (PT), Manuela D’Ávila (PCdoB) ou Maria do Rosário (PT), entre tantas, também sofreram com violência política semelhante. É verdade, mas é principalmente de quem cobrava o necessário respeito a essas figuras políticas que se esperava uma atitude de defesa de Tabata quando é alvo de importantes divulgadores da esquerda brasileira. A própria Manuela, inclusive, fez essa defesa que alguns de seus apoiadores se recusam a fazer.

Entre esses divulgadores está o teólogo e filósofo Leonardo Boff, que tentou justificar o linchamento sofrido pela cientista política e astrofísica com argumentos pequenos como o de que ela estudou nos Estados Unidos “apoiada por um bilhardário brasileiro”. Sobre estudar ou lecionar em uma universidade norte-americana, se isso fosse justificativa para ataques deveríamos estar bombardeando hoje figuras de todo tipo. De Gil do Vigor a Mangabeira Unger, esse último ministro no governo petista. O retorno de alguém que estuda no exterior a um país devastado pela corrupção, profundamente desigual, com crescimento pífio e assolado pela praga da violência urbana e em um cenário conflagrado deveria ser digno de aplausos. Se o problema for o financiamento privado da Fundação Estudar, é preciso lembrar que o Ciência sem Fronteiras, programa lançado pelos governos petistas que buscava levar estudantes do país para o exterior, justamente com o objetivo de que voltassem para trazer conhecimento ao país, tinha uma série de parcerias com a iniciativa privada, inclusive com financiamento de grandes corporações.

Ainda que enxerguemos as inaceitáveis ameaças a Tabata como ponto fora da curva, a própria crítica que se faz a ela, embora legítima no debate político, parece carecer de coerência. Diz-se na esquerda que Tabata vota contra direitos dos mais pobres e por arrocho em razão, basicamente, de dois posicionamentos: a favor da reforma da Previdência e da PEC Emergencial. Nos dois casos, porém, outros sete parlamentares (seis homens) do PDT, partido pelo qual Tabata se elegeu, também votaram favoravelmente. Alguém se lembra do nome deles? Eles são alvos de ataques desde então? Isso, sem falar do fato de que os propositores dessas duas PECs são figuras que estiveram em ministérios petistas e que são recebidos em conversas eleitorais pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Tabata não pode se aliar a eles. Mas só ela?

À esquerda, os críticos da parlamentar dizem que ela tornou-se pró-governo. Sua taxa de governismo, porém, segundo ferramenta do Congresso em Foco, é de 48%, semelhante à da bancada do ex-partido (42%) e à de seu novo partido (43%). Há vários parlamentares mais governistas do que ela nesse campo. Tabata, porém, só escapa da curva no volume de ataques que recebe.

Mas então por qual motivo ela é alvo tão comum de expoentes da esquerda (dos da direita já se espera, por mais que seja tão reprovável quanto) partam para o ataque a Tabata Amaral? A resposta é uma só: disputa de poder. Há um temor do crescimento de uma parlamentar que apareceu tão rapidamente e que, ainda com 27 anos, poderia se colocar como liderança capaz de mobilizar e dividir o espaço com figuras tradicionais de legendas de esquerda - em especial do PT - em futuros debates. Os outros parlamentares do PDT ou do PSB que votaram como ela não interessam e não são alvos, pois não são ameaças a lideranças que querem o controle do jogo neste campo. O erro de Tábata não foi exatamente ter votado contra projetos que a esquerda condena. Esse foi o mote, o argumento, mas o ódio a ela destinado ganha corpo no machismo ainda profundamente presente em nossa sociedade e no debate político, e no temor de que ela possa ousar se apresentar um dia para voos maiores sem bater continência para quem controla os rumos da esquerda no país. Não há como ninguém fechar os olhos para isso apenas por razões ideológicas.

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