Política em Análise

O presente do PT para os rivais

Invasão de igreja paranaense dá munição aos adversários de Lula justamente quando se intensifica a batalha pelo eleitorado cristão

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 08 de fevereiro de 2022 | 10:32
 
 
 
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É claro que o tema é relevante. A morte dos dois tem grandes componentes do racismo estrutural que existe no Brasil, que está impregnado na sociedade e que deve ser debatido em qualquer meio de forma plena. Daí a invadir uma igreja durante uma celebração para chamar fiéis de fascistas e racistas vai, lógico, uma grande distância. Com camisas e bandeiras do PT e do PCB, a iniciativa transformou-se em um grande tiro no pé do ponto de vista político e eleitoral. Não fosse promovido por uma figura pública, o vereador petista Renato Freitas, poderia até ter alguém a achar que foi ato plantado por adversários, tamanho foi o erro. No momento em que os candidatos travam uma relevante batalha nos bastidores pela conquista do voto cristão - sobretudo evangélico - partidários do PT e do PCB deram um presente para os adversários do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O episódio da invasão de uma igreja no Paraná para protestos contra as mortes de Moïse Kabamgabe Mugenyi e Durval Teófilo Filho tem efeito negativo para o grupo, além de reforçar a imaturidade de parte da militância em um momento-chave da campanha.

Os efeitos foram imediatos, com adversários explorando ao máximo o tema nas redes sociais. O presidente Jair Bolsonaro, que nem sequer tratou das mortes que geraram o ato, citou a ocorrência de crime de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo, previsto no artigo 208 do Código Penal. Neste caso, ainda que com interesses puramente eleitorais, o fez com razão. Afinal, o tipo penal é bastante claro e prevê detenção de um mês a um ano a quem “encarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa, impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. Também o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro condenou o episódio ocorrido no Paraná, seu Estado de origem.

A ação desastrosa de petistas curitibanos vem no momento em que Lula faz um esforço, sob coordenação da deputada federal e ex-governadora do Rio de Janeiro Benedita da Silva, para se aproximar do público cristão. Lula quer criar canais de comunicação com a comunidade evangélica para tentar reproduzir, nesse eleitorado, o que já conseguiu fora dele: uma importante vantagem nas pesquisas de intenção de voto. Hoje, mesmo diante da enorme rejeição ao atual presidente, há um empate neste setor da sociedade.

Piora o quadro o fato de que outros candidatos também vêm se movimentando em busca desse eleitorado, que em 2018 votou fortemente em Jair Bolsonaro. Sergio Moro, por exemplo, acabou de publicar uma carta dialogando com princípios caros aos evangélicos, como legislação restritivas ao aborto e a manutenção da imunidade tributária das igrejas. Encontrou-se com dezenas de pastores no Nordeste e fez acenos aos católicos ao homenagear Padre Cícero, dias depois de Bolsonaro escorregar sobre a origem da figura idolatrada pelos cearenses. Paralelamente, Ciro Gomes também faz seus movimentos para a fatia cristã do eleitorado, com uma aliança com Cabo Daciolo e gestos de aproximação com Marina Silva (Rede), a quem quer como vice.

O episódio demonstra também a profunda imaturidade política que contamina parte da nova militância da esquerda. Enquanto critica o que considera analfabetismo dos eleitores de Jair Bolsonaro, consegue utilizar uma pauta legítima e fundamental para a sociedade em palco de um dos maiores escorregões eleitorais nesse início de ano. Depois de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, disparar contra mulheres e piorar a já difícil relação do presidente com eleitorado feminino, grupos de esquerda atacam igrejas para compensar o desastre produzido do outro lado da disputa. Prova de amadorismo.

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