Política em Análise

O semipresidencialismo de Arthur Lira

Presidente da Câmara quer discutir mudança de sistema de governo em ano eleitoral e em meio a assuntos muito mais urgentes

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 11 de fevereiro de 2022 | 11:24
 
 
 
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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou nesta semana que pretende colocar em discussão em 2022 a proposta da adoção de um sistema semipresidencialista no Brasil. A ideia, segundo ele, é iniciar uma discussão, sem compromisso de votá-la, para que o próximo Parlamento eleito possa apreciá-la, e com a ideia de que seja válida no país apenas de 2030 em diante. Ainda que com essas ressalvas, é difícil imaginar que este tema livre-se do intenso debate político que vai contaminar o país neste ano. Ademais, o Brasil tem outras prioridades e o semipresidencialismo parece não dar conta de problemas de ordem política que temos aqui em contraponto aos países que adotam esse sistema.

Sobre o momento em que se coloca essa discussão, chega a assustar a falta de sensibilidade de fazer uma discussão dessas quando o país enfrenta uma dura realidade de pandemia ainda fora de controle, crise econômica brutal, com inflação nas alturas, desemprego ainda em alta e crescimento econômico irrisório.  O Parlamento que quer discutir agora o semipresidencialismo não aprovou reformas para enfrentar esse problema, não rediscutiu efetivamente um pacto federativo, criou mecanismos para aumentar seu controle sobre o orçamento e pretende apenas discutir remendos eleitorais para maquiar por curto período o problema da alta dos combustíveis ou da energia elétrica, por exemplo.

Mesmo diante desses problemas, Arthur Lira opta por colocar em debate agora o semipresidencialismo, por uma razão muito simples: ele precisa de um presidente e um governo fraco politicamente para fazer avançar essa ideia, que só aparece no país em momentos de crise. Esse é o cenário perfeito para um defensor da ideia, que conta que o Congresso conseguirá formalizar o que, na prática, já implementou no atual governo. Ou alguém tem dúvida hoje de que Lira tem mais poder na prática do que Bolsonaro?

O motivo legítimo que pode levar à adoção do semipresidencialismo, como em outros países, é a exagerada concentração de poder nas mãos do Executivo. Hoje não é o que vemos. Cada vez mais o presidente pode menos. Ele não controla mais plenamente a execução do orçamento e, no sistema de freios e contrapesos, é em vários aspectos freado pelo Judiciário e pelo Legislativo. Com Bolsonaro, esse processo se ampliou.

Além disso, também é necessário levar em consideração o cenário político conturbado e fragmentado que temos no Brasil. Com mais de 30 partidos e uma batalha eleitoral praticamente ininterrupta, formar um governo e mantê-lo de pé no sistema semipresidencialista seria tarefa quase impossível. É bem diferente do que temos em países como França e Portugal, onde o sistema parece funcionar. Por aqui, serviria apenas para confundir mais a população, transformar o voto para presidente em um expediente menor e entregar ainda mais poder ao Legislativo que aumentou fundo eleitoral, que criou um orçamento secreto e paralelo, que não pune seus integrantes em conselhos de ética e está sempre buscando maneiras de enfraquecer instituições de controle. Vale a pena?

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