Política em Análise

Pauta impossível saindo do controle

Presidente não tem o que entregar aos manifestantes, não podendo mais cobrar deles fidelidade

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 09 de setembro de 2021 | 13:43
 
 
 
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O 7 de Setembro ficou para trás, mas os atos promovidos por grupos aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) continuam nesta quinta-feira (9), em Brasília e em rodovias pelo país, onde caminhoneiros bloqueiam trechos sobretudo de estradas federais. E isso acontece mesmo após o presidente Jair Bolsonaro gravar um áudio pedindo que seus apoiadores encerrem as manifestações que, além de sacrificar ainda mais o povo brasileiro, podem ter efeitos catastróficos para o governo. É um recado de que manter o controle de um ato motivado por uma pauta impossível é extremamente difícil.

Com a categoria dos caminhoneiros dividida, a falta de apoio da situação, e a entrada em cena de políticos ligados ao governo, é bem provável que ao longo do dia os atos sejam desmobilizados e pouca coisa reste até o fim da semana. Ainda assim, sabe-se que, se não for dessa vez, provavelmente mais adiante chegaremos a uma situação em que o presidente não controla mais a mobilização que insuflou. E isso justamente pelo fato de que ele não pode cumprir o que prometeu como recompensa a esses apoiadores. Não haverá fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) ou destituição de ministros da Corte. O presidente não poderá descumprir decisões do Judiciário. E sem ter o que entregar após apelar para o radicalismo, não poderá exigir que aliados desistam dessa insanidade.

Pautas impossíveis ou mesmo difusas costumam trazer consequências imprevisíveis. Em 2013, as mobilizações de rua começaram com grupos de esquerda exigindo redução da passagem de ônibus e terminaram derrubando brutalmente a popularidade até então em alta da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Em semanas, sua aprovação foi de 70% para 30%. Geralmente, quem mais sofre com manifestações que alteram radicalmente a rotina do país é quem está no poder. Grande parte da população aprova ou desaprova um governo apenas em razão da sensação de bem-estar que vivenciam. Quando há desabastecimento, inflação mais alta, dificuldades para se locomover, isso tende a revoltar a parcela majoritária da população. É óbvio, mas grupos pró-Bolsonaro não enxergaram isso antes de incentivar atos como os que estamos vendo. 

O presidente da República criou para si uma grande armadilha. Incentivou e discursou tanto por movimentos mais radicais que agora não consegue fugir deles. Ainda que consiga desmobilizar os grupos de caminhoneiros e devolver o país a uma relativa normalidade nesse aspecto, como é que vai conseguir, mais adiante, mobilizá-los novamente? Ao incentivar que atuassem e depois deixá-los na chuva se molhando, Bolsonaro pode ter enfraquecido sua própria capacidade de mobilização, que foi fortemente demonstrada no dia 7 de Setembro. Em alguns dias, com as ruas liberadas, sem que nenhuma pauta tenha sido atendida, e com alguns líderes presos sem que o presidente possa mover uma palha para mudar isso, os demais terão que pensar: valeu a pena?

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