Política em Análise

Quem decide se uma eleição é limpa?

Em momento de tensão institucional, presidente diz que só aceitará resultado em disputa que ocorrer do jeito que ele quer e isso é grave

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 09 de julho de 2021 | 10:27
 
 
 
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Nos últimos tempos o Brasil tem vivido tantos solavancos e falta de harmonia nas relações entre Poderes e instituições que muita gente tem se acostumado a isso e achado que não há riscos de consequências graves. Nas últimas semanas, o Brasil viu duelos por notas e ataques entre presidente, Supremo Tribunal Federal (STF), Forças Armadas e CPI da Pandemia. Nada, porém, é mais grave do que o aviso do presidente de que, “se as eleições não forem limpas, não haverá eleições no Brasil”. Afinal, é preciso que se pergunte: quem define se uma eleição é limpa ou não?

Desde a redemocratização do país, não há qualquer dúvida de que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) responde a essa questão. O presidente da República, porém, não confia na Corte. Faz ataques pessoais ao presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, diz que houve fraudes nas duas últimas disputas (inclusive na que ele venceu) e que a urna eletrônica defendida e utilizada pela Justiça Eleitoral não é confiável. Sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), que barrou duas vezes as tentativas de implementar o voto com impressão no Brasil, pesam as mesmas críticas do presidente.

Poderia então ser o Congresso a responder sobre as eleições limpas. O presidente, porém, não parece também aceitar essa opinião. Afinal, hoje não há mais maioria para aprovar o voto com impressão para 2022. A proposta fracassou após um acordo entre os partidos e, com isso, Câmara e Senado estão dando um voto de confiança às urnas eletrônicas e atestando os resultados das disputas anteriores. Portanto, a posição do Congresso também não interessa a Bolsonaro.

Será que o presidente e pré-candidato à reeleição quer que ele e seus apoiadores definam se uma eleição é limpa ou não? Pois se assim for, é evidente que ele só a considerará limpa se ele vencer no primeiro turno. Bolsonaro já disse, inclusive, que um lado pode não aceitar o resultado. E reiterou que seria o lado dele. E qual a consequência? Daria um golpe? Rejeitaria deixar o governo com o apoio de alguém? Teríamos no Brasil aquela situação de dois presidentes como vimos na Venezuela do chavismo, com guerra civil nas ruas em meio à fome, à miséria e o descrédito internacional? O país está disposto a pagar para ver?

Nos Estados Unidos, houve tentativa de Donald Trump de tornar o resultado inválido. Por lá, porém, as instituições reagiram rapidamente. Militares não deixaram dúvidas de seu papel de Estado, desvinculando-se completamente das iniciativas de um governo que se recusava a curvar-se ao resultado das urnas. Por aqui, porém, como mostram as notas contra a CPI, a falta de punição a um militar que foi para o palanque e a presença de generais no governo, a situação é diferente. Por isso, não é possível esperar que aconteça algo para tentar contornar. Crise institucional é coisa séria e seus efeitos são sentidos por décadas, por gerações inteiras. Não pode haver qualquer margem para que se atinja um ponto de não retorno. Se estamos assim faltando um ano e três meses para as eleições, imagine como estaremos no clima de campanha. É preciso que instituições e sociedade civil acordem antes que seja tarde.

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