Política em Análise

Servidores pressionam e Bolsonaro faz cera

Sem saber como cumprir promessa de reajustar salários do funcionalismo e reestruturar carreira da segurança, governo equilibra pratos e vai adiando decisões

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 19 de abril de 2022 | 11:01
 
 
 
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Tal qual um time que sabe que não tem alternativas para ganhar, mas para quem o empate já agrada, o governo federal faz cera, atrasa o jogo e empurra o quanto pode uma definição sobre o reajuste dos servidores públicos, enquanto as categorias pressionam para definir logo a parada. Assim, por quatro meses, apesar de paralisações aqui e ali e promessas de radicalização dos atos, o governo ainda conseguiu segurar a situação. Agora, porém, é chegada a hora de uma decisão, sob a pena de a pressão tornar-se insuportável e o jogo virar.

Desde dezembro o governo cozinha a relação com os servidores, prometendo e recuando de duas coisas que sabe que não pode cumprir: a recomposição de perdas salariais para todos os servidores e a reestruturação da carreira das categorias policiais. Até agora, porém, de oficial não há nada. O que temos são ministros espalhando daqui e dali, inclusive para a imprensa, que o martelo teria sido batido para um reajuste linear de 5% para todas as categorias, o que não apenas não deixou satisfeitos os servidores em geral como ainda revoltou os representantes da segurança pública.

Nesta segunda-feira, a estratégia do governo de equilibrar pratos o máximo que puder ficou ainda mais evidente. Enquanto em reunião com servidores do Banco Central o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, dizia que o reajuste de 5% era consenso entre ministros e havia sido referendado pelo presidente, o ministro da Justiça, Anderson Torres, dizia aos representantes da segurança pública que não havia decisão nenhuma nesse sentido e que a reestruturação de carreira ainda poderia ocorrer.

Até agora, o governo teve êxito na estratégia. Embora tenham soltado notas de repúdio e tenham dito ao ministro que está difícil de segurar as bases, delegados e agentes da Polícia Federal, agentes da Polícia Rodoviária Federal e do serviço prisional continuam trabalhando normalmente e confiantes de que a ampliação da pressão possa dar resultado. Já nas outras categorias, apesar da greve no Banco Central e de algumas ações no âmbito da Receita, não há ações que efetivamente causem transtornos visíveis na sociedade e que imponham uma definição do governo.

A partir dessa semana, porém, os servidores têm prometido ampliar a pressão. Sabendo que o prazo para a concessão de recomposições termina no final de junho, as categorias vão precisar decidir se desistem dos pleitos ou radicalizam. Hoje, causa preocupação especial no governo apenas a insatisfação na área da segurança pública, por machucar o discurso do presidente de que valoriza essas carreiras e que tem o setor como prioridade. Por isso, não se descarta alguma maluquice fiscal para resolver esse problema pontual, ainda que crie um novo desafio para se solucionar depois das eleições.

No caso das outras categorias, o governo ainda faz hoje um cálculo que, no seu ponto de vista, dá um empate favorável. Se por um lado cria insatisfações por parte de servidores e seus familiares, por outro tem respaldo de parcela da população que, na penúria de um período com inflação alta e perda de poder de compra, não acha que seus impostos devam ser gastos para reajustar o funcionalismo.

Essa conta só deixa de ser favorável para o governo se houver impactos diretos na vida da população. Enquanto o efeito de greves ou paralisações for apenas a falta do boletim Focus ou do IBC-Br, ainda vale o desgaste para Bolsonaro. A maior parte das pessoas nem sabe do que se trata. Se a insatisfação das categorias em geral prejudicar o funcionamento do Pix, se uma greve na PF atrasar a emissão de passaportes, se houver problemas nos aeroportos em razão de manifestações da Receita, a situação começa a mudar de figura.  Aí, sim, o time do governo será de fato testado.

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