Política em Análise

Um presidente descontrolado

Com familiares na mira da Justiça, derrota de aliado global e fracasso na eleição municipal, presidente dispara ataques, faz ameaças e comemora suposto fracasso de vacina

Por Ricardo Corrêa
Publicado em 11 de novembro de 2020 | 10:35
 
 
 
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'O dia de ontem foi triste para a história do Brasil. O episódio da briga política em torno da vacina, com a suspensão dos testes em circunstâncias estranhas e com a suspeita de interferência direta na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é absolutamente preocupante e, sozinho, já seria capaz de gerar desconfiança nos brasileiros. A comemoração por parte do presidente, que afirmou nas redes que a suspensão era “mais uma vitória de Jair Bolsonaro” em sua luta política contra João Doria é ainda mais chocante. Não que seja surpresa que ele pense assim, afinal já deu diversas demonstrações disso, mas que reverbere publicamente.

Se tivesse ficado nisso já seria um enorme desrespeito às vítimas da Covid e àqueles que estão em casa, isolados, à espera de uma solução para que sua vida volte ao normal. Mas o presidente foi além. À tarde, disse que não podemos ser um país de “maricas”, ridicularizando quem se protege, quem impede a disseminação do vírus. Quem, com comorbidades, fica em casa para proteger a própria vida. Uma fala inacreditável vinda de um presidente da República.

Bolsonaro fez mais. Tentou criar embaraços diplomáticos sérios ao dizer que, “se faltar saliva, tem que ter pólvora”, em referência a falas de Joe Biden, presidente eleito dos Estados Unidos, sobre a Amazônia. A declaração de ameaça militar aos Estados Unidos é tão chocante que foi tida como brincadeira. Ainda bem. Embora, para o Exército brasileiro, tenha sido uma enorme humilhação. As redes sociais estão aí lotadas de piadas e memes que diminuem a instituição que resolveu, por força de alguns dos seus oficiais principalmente da reserva, prestar apoio e vincular-se umbilicalmente ao governo.

Mas na mesma entrevista em que envergonhou o país, Bolsonaro deu indícios dos motivos pelos quais parece hoje descontrolado. Disse que sua vida é uma desgraça na Presidência. E de fato parece ser, embora tenha sido ele quem escolheu concorrer e fez de tudo para vencer, inclusive com expedientes até hoje investigados na Justiça Eleitoral, como disparos em massa e uso de fake news. 

A desgraça de Bolsonaro está nos riscos jurídicos a sua família e no fracasso de seus aliados. O presidente perdeu o tom justamente na semana em que Flávio Bolsonaro, seu filho mais velho, foi denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro no esquema de rachadinhas com uso de funcionários fantasmas, ou seja, desvio de dinheiro público do cidadão daquele Estado. Um caso que Bolsonaro tentou travar até mesmo apoiando a derrubada o governador do Rio, para tentar garantir que o escolhido para o comando do MP fosse também um aliado. 

Naquele mesmo Estado, outro filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, também é alvo de investigações sobre o uso de funcionários fantasmas e a denúncia pode sair a qualquer momento. A possibilidade de ver um dos dois filhos atrás das grades causa arrepios no presidente.

Para piorar para Bolsonaro, seu principal aliado no mundo, Donald Trump, perdeu as eleições nos Estados Unidos, o que tende a ampliar a pressão internacional sobre o governo brasileiro. E aqui, nas eleições municipais, os candidatos apoiados pelo presidente parecem estar fadados ao fracasso. Marcelo Crivella no Rio sofre para ir ao segundo turno e, com rejeição enorme, mesmo que vá, dificilmente conseguirá vencer o pleito. Celso Russomanno em São Paulo está em queda livre e deve ficar fora do segundo turno. Em Recife, Delegada Patrícia também está descendo a ladeira, enquanto Bruno Engler não consegue passar dos 5% em Belo Horizonte. Será uma derrota completa para o presidente. Como diria um antigo chefe que tive, isso explica (o desespero do presidente), mas não justifica.

 

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