O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais aprovou com ressalvas por 5 votos a 1 as contas de 2019 do governo Romeu Zema (Novo) em sessão realizada nesta quarta-feira (26). O parecer prévio aprovado pelos conselheiros segue agora para análise definitiva da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Como mostrou O TEMPO, em seu primeiro ano à frente da administração estadual, Zema descumpriu os mínimos constitucionais ao deixar de gastar 12% na saúde e 25% na educação do que foi arrecadado pelo Estado naquele ano. De acordo com o tribunal, foram destinados para essas duas áreas R$ 1,6 bilhão e R$ 2,7 bilhões a menos, respectivamente, do que o determinado pela Constituição.
O governador ligou na terça-feira (25) para o relator das contas de 2019 no TCE, o conselheiro Durval Ângelo. Segundo relato do próprio conselheiro, Zema pediu que fosse levada em conta a situação precária do Estado no momento de apreciar as contas. “Atitude ao meu ver normal e cidadã das noções do velho e antiguissimo princípio republicano de ouvirmos todas as partes em um processo”, disse o relator.
Além da crise econômica enfrentada por Minas Gerais nos últimos anos, Durval Ângelo também destacou o rompimento da barragem em Brumadinho no início de 2019, que prejudicou o crescimento da economia mineira.
Em seu voto, o relator opinou pela aprovação das contas com ressalvas, posição que foi seguida pelos conselheiros Wanderley Ávila, Sebastião Helvecio, Mauri Torres e Gilberto Diniz. Apenas o revisor, conselheiro Cláudio Terrão, votou pela rejeição das contas. Como não houve empate, o presidente do TCE, José Alves Viana, não precisou se posicionar.
A principal ressalva de Durval Ângelo foi justamente em relação aos gastos com saúde e educação. “Voto pela emissão de parecer prévio pela aprovação das contas, com ressalva [...] especialmente aquela atinente ao não cumprimento dos índices constitucionais de Ações e Serviços Públicos de Saúde e de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino, a cujas diferenças de percentual permanece o Estado com a obrigação de aplicar em exercício seguinte”, escreveu o relator em seu voto.
Ele fez 42 recomendações ao Executivo mineiro e cinco determinações, que devem ser cumpridas. Inicialmente, ele determinou que o governo apresentasse, no prazo de 120 dias, um plano de ação para aplicar na saúde e na educação os restos a pagar relativos ao período de 2011 a 2019 que foram cancelados.
Despesas são inscritas em restos a pagar quando elas foram previstas para ocorrer em um determinado ano, como 2019, mas o pagamento ficou para o ano seguinte. Uma prática comum na administração pública é inscrever despesas com saúde e em educação em restos a pagar mesmo sem ter o dinheiro em caixa para honrar esses compromissos.
Assim, pelo menos no papel, o governo cumpre os índices constitucionais na saúde e educação a cada ano. Na prática, porém, os recursos não são pagos ou investidos de fato e, com o passar dos anos, os restos a pagar acabam cancelados.
“O fundamental nesse plano de ação é o monitoramento. Senão em 2030 nós vamos estar aqui votando do mesmo jeito porque vão falar que lá em 2002 teve alguém que não aplicou. Então acho que é fundamental a gente criar coragem e determinar uma linha do tempo”, disse o conselheiro Sebastião Helvecio.
A partir da discussão, o conselheiro Cláudio Terrão propôs que a determinação focasse em pedir um plano de ação ao governo de Minas para que os índices constitucionais sejam cumpridos nos próximos anos.
“Considero que o tribunal deve nesse momento priorizar a busca por uma solução prospectiva. Estou de acordo com o conselheiro Sebastião Helvecio. É daqui para frente. Sem prejuízo das questões relacionadas ao cancelamento [dos restos a pagar]”, opinou. O relator Durval Ângelo acolheu a sugestão.
Estado deixou de investir R$ 17 bilhões em saúde e educação desde 2015
Único voto pela rejeição das contas de Zema, o conselheiro Cláudio Terrão rebateu em seu voto o argumento de que o Estado, por passar por uma crise fiscal, estaria com dificuldade de conseguir recursos suficientes para as despesas mínimas com saúde e educação exigidas pela Constituição.
Segundo ele, é esse raciocínio que permitiu aos últimos governos deixarem de investir R$ 9 bilhões na educação e R$ 8,2 bilhões na saúde desde 2015, caso os índices tivessem sido cumpridos.
“Compreendo que o descumprimento reiterado dos comandos constitucionais atinentes à aplicação de recursos em saúde e educação, sem que este tribunal tenha emitido pareceres prévios pela rejeição das contas, tem acarretado inúmeros prejuízos à população mineira, que em um período de cinco anos poderia ter desfrutado da prestação de serviços seguramente mais qualificados caso tivessem sido investidos os mais de R$ 17 bilhões em saúde e educação”, afirmou Terrão.
Na avaliação do conselheiro, não faz sentido falar em falta de recursos para as despesas com saúde e educação porque os mínimos constitucionais de 12% e 25% dizem respeito ao dinheiro que de fato foi arrecadado pelo Estado. “Se se arrecada menos, se gasta menos. A velha linguagem popular: tem dois quilos de farinha para fazer um bolo, se partirá um pedaço de 25% do bolo de dois quilos de farinha. Se tem um quilo de farinha para fazer o bolo, se partirá 25% do bolo de um quilo de farinha”, explicou.
Ele também criticou a opção do governo Zema de incluir R$ 2 bilhões em despesas com aposentadorias e pensões no cálculo do gasto com educação, uma manobra contábil que é proibida há sete anos, segundo Terrão.
“Houve expressa opção política do governo de não investir em educação ao pretender considerar que os gastos com aposentadorias e pensões devessem ser considerados como investimento para melhoria da educação pública. É uma falácia, com todo respeito”, disse o conselheiro.
AGE defende que é preciso levar em consideração crise fiscal de Minas
O advogado geral do Estado de Minas Gerais, Sérgio Pessoa, falou aos conselheiros momentos antes do julgamento das contas. Ele pediu que fosse levada em conta a situação de Minas Gerais, tanto em relação à crise fiscal, como ao rompimento da barragem em Brumadinho e ao que chamou de crise do federalismo, com cada vez mais concentração dos recursos públicos no âmbito da União.
"Não basta que o magistrado conheça com perfeição as leis tais como escritas, será necessário que conheçam igualmente a sociedade em que essas leis devem viver”, disse, citando o jurista Piero Calamandrei.
Ele também justificou a inclusão dos gastos com aposentados e pensionistas no cálculo das despesas com a educação. De acordo com Pessoa, havia uma polêmica se esses gastos poderiam ser contabilizados ou não, o que só foi resolvido no início de 2021.
“Houve essa oscilação da jurisprudência”, declarou o advogado geral. Ele afirmou que nas contas de 2020 já foi tomada a medida de não incluir os gastos com inativos nas despesas com educação.
Sérgio Pessoa também disse aos conselheiros que o governo Zema vem atuando para superar diversas dificuldades que foram herdadas do governo Pimentel. Ele mencionou o acordo fechado com a Associação Mineira dos Municípios (AMM) em relação aos repasses constitucionais e a normalização dos repasses mensais ao IPSEMG e ao IPSM.
“Outro desafio foi o pagamento do 13º dos servidores, que estava sendo parcelado relativo a 2018, e foi integralmente quitado no exercício de 2019. Um esforço importante foi a regularização do pagamento dos créditos consignados dos servidores”, afirmou.