Reparação

Tempo de execução de obra da Vale é 400% maior que o usual

Em Igarapé, enquanto prefeitura constrói UBS em um ano, mineradora quer prazo de cinco anos

Por José Augusto Alves
Publicado em 15 de julho de 2022 | 06:15
 
 
 
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Além dos valores exorbitantes que a mineradora Vale tem apresentado aos municípios para execução de obras de reparação pela tragédia de Brumadinho, em 2019 – em alguns casos, até 1.000% mais altos que a tabela de referência do governo do Estado –, os prefeitos das cidades que vão ser contempladas também estão assustados com o tempo estimado para a execução das obras. Em Igarapé, na região metropolitana, por exemplo, na proposta enviada pela Vale ao município, a mineradora calcula o prazo de 60 meses – cinco anos – para construir uma Unidade Básica de Saúde (UBS).

“Além dos preços nas alturas, o tempo que eles estão propondo para fazer as obras é fora do normal. A Vale colocou o prazo de cinco anos para fazer uma UBS. A prefeitura está construindo uma agora, e o prazo é de 12 meses. Ou seja, a empresa quer quatro anos a mais para executar a obra. O cronograma é fora da realidade”, reclamou o prefeito Arnaldo Chaves (PP).

Dos R$ 2,5 bilhões do acordo feito com a Vale, Igarapé receberá ao menos R$ 93 milhões. No entanto, o prefeito está receoso de que as demandas não sejam atendidas conforme o município aguarda por causa dos valores das propostas da mineradora para executar as obras.

“A Vale propôs a construção de uma UBS tipo 2 com valor total gasto de R$ 14 milhões, sendo que quase R$ 9 milhões são apenas para a construção em si (o restante para a compra de equipamentos). Esse valor é 700% superior à tabela do governo de Minas, que estima uma UBS tipo 2 custando R$ 1,3 milhão”, pontuou o gestor.

Outra UBS, tipo 1, foi orçada em R$ 11,8 milhões, sendo R$ 7,3 milhões para a construção. “A prefeitura está construindo atualmente uma unidade de saúde do mesmo porte, e o valor está em R$ 1,5 milhão. São valores que nos assustam, porque o recurso poderá ser pulverizado sem fazer 20% do que se poderia executar em obras. A aplicação dos recursos deve ser justa, e não é isso que estamos percebendo”, completou o prefeito do município de Igarapé, mais um exemplo de cidade que recebeu proposta com valores acima do normal que O TEMPO vem mostrando desde quarta-feira.

Maior que o orçamento

A cidade de Biquinhas, na região Central do Estado, tem direito a R$ 60 milhões, valor três vezes maior do que o Orçamento anual do município, que é de R$ 20 milhões.

A mineradora ainda não enviou o plano com propostas de intervenções para o município, mas o prefeito Arisleu Pires (PSDB) já está receoso com os valores e o prazo das intervenções.

“Estou vendo com outros prefeitos que os valores estão muito acima do normal. Isso sem contar o tempo de execução da obra. Até hoje, nada nos foi apresentado. Tem local aí onde estão pedindo cinco anos para construir uma UBS, cronograma fora do comum. E para a gente, nada foi enviado ainda. O montante a que temos direito revolucionaria todo o município”, afirmou.  

Obra custa mais do que o total a receber

O prefeito de São Gonçalo do Abaeté, no Centro-Oeste, Fabiano Lucas (PSDB), se preocupa com o plano enviado ao município para a construção de um centro cultural e esportivo no distrito de Beira-Rio, às margens do rio São Francisco. Na proposta da Vale, o espaço está orçado em R$ 93,1 milhões. “É um valor totalmente fora do padrão e do bom senso”, criticou. O valor é 50% superior ao que a cidade tem direito a receber pelo acordo: R$ 60 milhões.

“A Vale apresentou um valor maior que o total que o município tem a receber. Com base nas tabelas de referência do Estado, o custo do espaço ficaria em torno de R$ 24 milhões”, afirmou.

Fabiano Lucas contou que os prefeitos vão recorrer ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao governo do Estado. “Imagina um município com 9.000 habitantes. O Orçamento anual é R$ 32 milhões. Temos direito a R$ 60 milhões. É para mudar a realidade da cidade. Mas, se continuar desse jeito, isso não vai acontecer”, argumentou.

Planeja e executa

As obras nas cidades da bacia do Paraopeba estão definidas como “obrigação de fazer da Vale”, ou seja, as intervenções serão executadas pela própria mineradora. Antes disso, no entanto, a empresa precisa elaborar um documento chamado Formulário de Detalhamento da Iniciativa (FDI), em que é necessário determinar o custo estimado dos projetos e o cronograma.

Os órgãos que assinaram o acordo com a Vale, como os Ministérios Públicos Federal (MPF) e de Minas (MPMG) e a Defensoria Pública, têm que aprovar os FDIs antes do início das obras. Antes, eles passam por auditoria da FGV. 

Instituições só se manifestarão após auditoria

O governo de Minas e a Defensoria Pública do Estado afirmaram que já receberam os documentos com orçamentos e cronogramas da Vale. Os dois órgãos pontuam, porém, que, antes de se posicionarem, precisam do resultado da auditoria que será feita pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Dizem ainda que, se comprovado qualquer problema, as obras não serão autorizadas.

“Antes de dar a ordem de início, os quatro compromitentes (Estado, Defensoria e Ministérios Públicos Federal e de Minas) vão considerar o parecer da FGV, contratada como auditoria para evitar que a Vale gaste acima do valor necessário. Se for constatado sobrepreço, os valores não serão autorizados”, afirmou o Estado.

Os Ministérios Público federal e de Minas não retornaram os questionamentos. A FGV foi questionada sobre o número de propostas da Vale que recebeu e o prazo para analisá-las, mas também não tinha dado retorno até o fechamento desta edição. 

Saiba mais

Entenda. O acordo de reparação da tragédia de Brumadinho destina R$ 2,5 bilhões dos R$ 37,6 bilhões totais para obras e ações em 26 municípios da Bacia do Rio Paraopeba atingidos pelo rompimento ocorrido em 2019 que deixou 272 mortos.

Consulta. Após uma consulta pública junto à população, as prefeituras indicaram suas prioridades. Agora, a Vale está apresentando o orçamento dessas intervenções. Os valores e prazos surpreenderam os prefeitos, que afirmam haver sobrepreço e prazos muito mais estendidos que o normal.

Posição da Vale

Por meio de nota, a Vale informou "que o detalhamento dos projetos socioeconômicos indicados pelos compromitentes do Acordo de Reparação Integral apresenta uma estimativa de custos".

Ainda segundo a empresa, "Conforme previsto no acordo, nesta fase, escopos e especificações apresentados ainda serão discutidos e orçamentos serão analisados e validados pelos compromitentes, apoiados pela auditoria socioeconômica independente ".

Por fim, "a empresa ressalta que nenhum valor é liberado, transferido, empenhado ou desembolsado, sem sujeitar-se ao fluxo acima mencionado. Toda a gestão de recursos do Acordo de Reparação Integral é objeto de permanente fiscalização das Instituições de Justiça, Estado de Minas Gerais, com apoio das auditorias independentes".

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