Hoje com 12 anos, Emanuelle Reis tem uma rotina de dar inveja em muita gente. Ela acorda às 7h, prepara o próprio café da manhã, com variedade de frutas, pão, suco e leite, depois vai para a academia – onde fica por cerca de uma hora. Em seguida, come algo leve novamente e segue para a escola. Durante o dia, ela ainda mantém uma alimentação balanceada, com refeições naturais e menos açúcar. Mas nem sempre foi assim.

A mudança de comportamento de Emanuelle, que mora com o pai, a mãe e a irmã no bairro Primeiro de Maio, em Belo Horizonte, começou há cerca de um ano, quando, com 1,53 m de altura e 63 kg, acima do peso, a menina sentiu medo de se tornar uma adulta obesa. “Um dia, assistindo ao programa de TV ‘Quilos Mortais’ e vendo a dificuldade que as pessoas passavam, eu coloquei na minha cabeça que não queria ficar daquele jeito”, conta a menina, que mudou de vida. “Ir à academia e me alimentar de forma saudável me faz bem. Melhora a minha autoestima”, revela.

"Eu não gostava de educação física, porque me colocavam no gol. Depois que passei a me cuidar, eu jogo vôlei, queimada e futebol também, sempre me chamam para brincar. Hoje eu me sinto muito melhor”, completa Emanuelle Reis

A história de Emanuelle poderá ser a realidade de muitas crianças e adolescentes brasileiros. Segundo o Atlas Mundial da Obesidade de 2024, divulgado em março, 50% (cerca de 20,3 milhões) de pessoas com idades entre 5 a 19 anos devem apresentar excesso de peso até 2035. Em 2020, essa proporção era de 34% (15,5 milhões), o que, segundo especialistas, acende um alerta para a saúde dessa população.

“É muito expressivo esse aumento em crianças e adolescentes. E a chance de se tornarem adultos obesos é enorme. A obesidade é uma doença, e ela pode ser fator de risco para outras doenças, como aumento da pressão arterial, diabetes, as cardiovasculares, cânceres e, consequentemente, a morte”, alerta a presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia – Regional Minas Gerais, Flávia Coimbra.

Mãe de Emanuelle, Joelma Reis, de 41 anos, conta que a filha ganhou peso principalmente na época da pandemia. “Com a mudança da escola para aulas híbridas, ela passou muito tempo em frente ao computador e engordou durante dois anos. Ela acordava tarde, não fazia atividade física e não se alimentava bem. Até o que sobrava da minha refeição, da do pai e da irmã ela comia”, lembra a gerente de loja.

O antigo comportamento da menina, como explica a cardiologista do Hospital Felício Rocho Elaine Pires, é o mesmo de muitos dessa geração de crianças e adolescentes, que costumam praticar pouca atividade física e consumir exageradamente alimentos ultraprocessados e calóricos, o que contribui para o ganho de peso.

“Nas últimas décadas, o desenvolvimento tecnológico fez com que a gente tivesse uma redução da vida ao ar livre, principalmente para crianças, que estão sempre com um celular na mão, jogando videogames, ao invés de brincar em ambientes abertos. Essa mudança já apresenta condições para o desenvolvimento da obesidade desde cedo”, afirma Elaine.

Mudança de hábito é a chave

Cardiologista do Hospital Felício Rocho, Elaine Pires explica que o aumento de casos de excesso de peso, principalmente em crianças e adolescentes, está diretamente ligado a hábitos de vida sedentários, além de uma alimentação pouco saudável. Ela avalia que, para mudar esse cenário, é fundamental a mudança do estilo de vida dessa geração. “Se eu sei as causas para esse problema, eu sei como prevenir. Mudar os hábitos de vida, praticar atividade física e melhorar a alimentação já representa uma possibilidade significativa de sucesso para evitar o excesso de peso”, afirma Elaine.

Um exemplo do alto consumo de alimentos ultraprocessados, com excesso de gorduras e açúcares, é a pesquisa “Mudanças nos marcadores da alimentação durante a pandemia de Covid-19 no Brasil”, feita em parceria entre a Universidade Federal de São Paulo e a Universidade Federal de Minas Gerais. O levantamento constatou um aumento no número de pessoas que bebem refrigerante. Se entre os entrevistados em 2019 33,2% relataram o consumo, em 2021, o índice passou para 42,4%.

“Essas mudanças que estamos vivendo no Brasil, o mundo todo está vivendo. Os alimentos são cada vez mais calóricos, e a nossa vida é cada vez mais sedentária. Diminuiu o gasto de energia, mas aumentou o consumo de alimentos ricos em calorias. Nossa alimentação ainda é muito melhor que alguns países, como, por exemplo, os Estados Unidos, mas é preciso voltar a equilibrar as refeições, com a presença de legumes, frutas e verduras”, alerta Aline Lopes, professora do Departamento de Nutrição da UFMG.

Custo alto

De acordo com o Ministério da Saúde, o aumento dos custos com cuidados de saúde, associado ao crescimento das taxas de obesidade, é uma tendência em diversos países. No Brasil, estima-se uma duplicação dos gastos relacionados à obesidade de US$ 5,8 bilhões (cerca de R$ 31,73 milhões) em 2010 para US$ 10,1 bilhões em 2050 (aproximadamente R$ 55,25 milhões).

Atividade

Segundo o Ministério da Saúde, o ideal é que crianças e jovens de 6 a 17 pratiquem 60 minutos ou mais de atividade física por dia, incluindo em pelo menos três dias na semana atividades de fortalecimento dos músculos e ossos, que envolvam movimentos, sempre acompanhado de um profissional.