Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) comprovaram que a alimentação dos brasileiros contém níveis adequados de proteínas. O estudo, publicado na Revista de Saúde Pública no último mês, indica que apenas 2,6% da população brasileira apresenta consumo proteico abaixo das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). 

A análise demonstrou que mesmo entre os 20% mais pobres da população, raramente há necessidade fisiológica real de suplementação proteica. Além de contradizer a ideia de que existe déficit deste nutriente na dieta nacional, a descoberta aponta carência real de frutas e vegetais.

"O que os dados atuais mostram é que, muito mais do que oferecer proteínas ou outros nutrientes, muitas vezes a partir da suplementação industrial de alimentos ou pela elaboração de fórmulas 'funcionais' altamente publicizadas, o maior desafio da alimentação contemporânea está em ampliar sua diversificação, reduzindo a participação de produtos de origem animal e de ultraprocessados, e ampliando a presença de frutas, verduras e legumes in natura", defendem os pesquisadores.

Muita proteína, poucas frutas e legumes

A OMS recomenda ingestão diária de aproximadamente 0,8 gramas de proteína por quilo de peso corporal, representando entre 10% e 15% do total energético consumido diariamente. Essa quantidade equivale ao consumo de cerca de 180 gramas de peito de frango cozido ou 2,5 medidas de whey protein.

O Brasil liderou o aumento no consumo per capita de carnes bovina e de aves entre 1990 e 2015. Esse crescimento contribuiu para que a maioria da população atingisse níveis adequados de proteína em sua alimentação, padrão mantido em estudos mais recentes.

Enquanto o consumo proteico se mostra satisfatório, a pesquisa identifica deficiência no consumo de vegetais e frutas. Entre as famílias do quintil mais pobre, frutas, legumes e verduras representam apenas 3,4% do total calórico ingerido. No quintil mais rico, esse valor sobe para 6,4%, ainda abaixo do ideal de 10% recomendado.

"Nossa atenção deveria estar em frutas", dizem os especialistas, destacando que o problema nutricional brasileiro está na ausência de alimentos frescos de origem vegetal. Dados do Vigitel 2023 mostram que 78,6% dos adultos residentes nas capitais brasileiras não consomem os 400 gramas diários de alimentos frescos vegetais recomendados pela OMS.

Mito do déficit proteico

O estudo da USP também aborda o que os pesquisadores chamam de "mito do déficit proteico", fenômeno que ganhou força a partir da década de 1950, quando organizações internacionais como a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) passaram a enfatizar a necessidade de combater a desnutrição proteica, especialmente em países em desenvolvimento. Essa narrativa, segundo os autores, contribuiu para a criação de políticas públicas e estratégias de mercado focadas no aumento do consumo de proteínas, particularmente de origem animal.

"A preocupação com a proteína se tornou tão central que acabou ofuscando outros aspectos importantes da nutrição, como a diversidade alimentar e o consumo de micronutrientes essenciais", explicam os pesquisadores no artigo.

Os pesquisadores apontam para a popularidade dos suplementos proteicos, especialmente whey protein, utilizados por pessoas que buscam emagrecimento ou ganho muscular. Argumentam que este foco é desproporcional diante das necessidades nutricionais da população. "Faltam alimentos de alta densidade nutricional, não proteínas", concluem os autores do estudo.

A discussão sobre a ênfase excessiva em proteínas não é nova. Em 1974, o cientista Donald McLaren já criticava a obsessão internacional com este nutriente, demonstrando que, quando há ingestão calórica suficiente, geralmente o corpo recebe proteína adequada para suas necessidades.

"Acreditar que mais proteína é sempre melhor pode mascarar deficiências reais, como a baixa ingestão de alimentos naturais e variados", afirmam os cientistas brasileiros, sugerindo que o foco nutricional deveria ser redirecionado para uma alimentação mais diversificada e rica em alimentos frescos.

O estudo também destaca que a indústria alimentícia e de suplementos se beneficia economicamente da percepção de que existe um déficit proteico generalizado, criando produtos cada vez mais especializados e caros que prometem suprir essa suposta carência. Essa tendência mercadológica reforça a ideia equivocada de que a população brasileira necessita de fontes adicionais de proteína, quando os dados mostram o contrário.