Saúde

Zerar os genes com dieta? Cuidado, você está sendo enganado

Especialistas alertam para os perigos do discurso propagado pela influenciadora Maíra Cardi, que diz fazer modulação genética por meio da alimentação saudável


Publicado em 25 de setembro de 2023 | 07:00
 
 
 
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Recentemente, a ex-BBB e influenciadora digital Maíra Cardi voltou às manchetes. A coach nutricional e autointitulada “empresária do emagrecimento” anunciou que daria um tempo das redes sociais para se dedicar à concepção dos três filhos que pretende ter com o marido, o empresário e influenciador Thiago Nigro, autor dos best-sellers “Do Mil Ao Milhão – Sem Cortar o Cafezinho” e “O Primo Rico”.  

O que gerou repercussão e atenção dos leitores é como Maíra pretende se preparar para a gravidez: seis meses antes de começarem a tentar ter um filho, ela e Nigro vão mudar a alimentação e os hábitos para, em suas palavras, “zerar os genes”, diminuindo as chances de a criança desenvolver doenças existentes na família, como diabetes e câncer. Não é a primeira vez que a coach fitness fala publicamente sobre o assunto.  

Em um programa de TV, inclusive, ela contou já ter experimentado o processo: “Eu fiz modulação epigenética antes de engravidar da Sophia. Como nem todo mundo sabe o que é, deixa eu fazer uma explicação breve. É quando você e seu marido mudam a alimentação antes da gravidez para zerar a genética de doenças. Câncer, diabetes, qualquer doença genética vem zerada. Aí o seu filho nasce sem nenhum gene ruim de doenças. São seis meses com essa alimentação. É muito maravilhoso”. 

Nos dias seguintes ao depoimento de Maíra Cardi, a Sociedade Brasileira de Genética (SBG), por meio de nota, reagiu de forma veemente às declarações da ex-BBB – classificadas pela entidade como um “desserviço à população” – de que uma dieta seria capaz de realizar a modulação genética. Em um trecho do texto, a SBG ressalta que “a epigenética é uma área da genética que envolve o entendimento dos mecanismos e estímulos envolvidos na modulação da expressão dos genes, e representa uma área na qual ainda há muitas questões a se esclarecer”.  

O comunicado da Sociedade Brasileira de Genética ainda enfatiza que “dietas saudáveis são recomendadas para obter uma melhor qualidade de vida, como atestam várias pesquisas científicas, mas infelizmente não são capazes de eliminar genes deletérios (danosos) à saúde dos descendentes”. Em outras palavras, o método proposto por Maíra Cardi, que garante “zerar os genes” por meio de uma dieta saudável, não tem nenhuma credibilidade ou base científica. Ter hábitos alimentares é ótimo e indicado para qualquer pessoa, mas só isso não vai eliminar riscos de doenças como câncer e diabetes.  

“O perfil epigenético pode ser influenciado por questões ambientais, como a poluição, e alimentares, como a ingestão de produtos ultraprocessados, mas a questão da modulação é muito direta e específica, é um mecanismo muito preciso. Agentes externos são incapazes de ter um direcionamento tão específico por meio da alimentação”, explica Henrique Galvão, médico geneticista e gerente médico da Dasa Genômica, representada em Belo Horizonte pelos laboratórios Lustosa e São Marcos.  

“Não são agentes como remédio ou tipo de dieta que vão conseguir agir precisamente onde necessitamos. Do ponto de vista molecular, isso não existe. Na verdade, o mecanismo de epigenética ocorre independentemente da nossa vontade”, acrescenta o especialista.  

Desinformação

Galvão afirma que zerar os genes por meio de uma dieta, como propõe Maíra Cardi, é impossível e não encontra nenhum embasamento ou comprovação científica: “Não existe isso de fazer uso de, por exemplo, algum suplemento para que genes específicos sejam zerados”. O médico geneticista vê com preocupação que discursos como esse sejam disseminados por pessoas que não têm capacitação profissional para opinar sobre temas da ciência, mas que são extremamente populares nas redes sociais e acabam propagando desinformação.  

Os malefícios são diversos, desde pessoas fazendo dietas desequilibradas por conta própria até a automedicação, perigosa e que não traz efeitos positivos. “A pessoa pode ouvir a informação e fazer uma dieta descontrolada, com deficiência de alguns nutrientes. O ácido fólico é importante para a mulher que quer engravidar, previne más formações do bebê. E se não der a devida atenção a isso?”, questiona.  

Henrique Galvão ressalta a importância de se buscar um especialista diante de qualquer dúvida sobre assuntos relacionados à saúde. É fundamental, ele diz, termos noção de que atividades físicas regulares e uma dieta rica em fibras e vegetais, sem produtos ultraprocessados, são indicadas para as pessoas em geral, independentemente da idade. “Costumo atender muitos pacientes que querem investigar o risco aumentado de câncer ou outra doença crônica. É importante consultar especialistas, que podem indicar pesquisas genéticas”, conclui o médico.   

Influenciadores devem ter responsabilidade, diz nutricionista 

“Nunca vi estudo científico comprovando nada disso”, reforça a nutricionista esportiva e especialista em comportamento alimentar Ruth Egg, sobre o “método Maíra Cardi” para eliminar doenças que poderiam ser herdadas geneticamente. “O que a boa alimentação pode fazer é melhorar o funcionamento do organismo e ajudar a não aumentar o risco de desenvolver uma predisposição a câncer ou diabetes, mas zerar os genes é uma coisa que nunca ouvi”, ela completa.  

Receosa, Ruth observa que influenciadores que atingem milhões de pessoas com suas opiniões nas redes sociais devem ter responsabilidade ao compartilhar qualquer tipo de conteúdo, sobretudo os que falseiam a realidade: “É extremamente perigoso. Para o público leigo, o número de seguidores acaba sendo mais importante do que um diploma, e a pessoa pode virar referência mesmo não sendo uma especialista”.

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