Eleições, no Brasil, geralmente apresentam elevado nível de abstenções. No último pleito, só no primeiro turno, chegou a 20,95%, o maior desde 1998. Em outras palavras, a cada dez eleitores, dois optam por não votar. No segundo turno, embora o então presidente do TSE, Alexandre de Moraes, tenha comemorado a queda da abstenção, os dados nos dizem que ela caiu de 20,95% para 20,56%, ou seja, apenas 0,39 ponto percentual, uma queda bem marginal.

Há quem pense que gastar dinheiro dos impostos em campanhas educativas seja uma solução. Porém, não acredito que alguém que já não esteja disposto a votar mude de opinião por assistir a uma propaganda indesejada no intervalo da novela favorita. Mais efetivo talvez seja permitir a experimentação institucional.

Um bom experimento seria adotar o sistema do voto ordenado (ou ranqueado), também conhecido como “voto preferencial”. Seu nome técnico é “Instant Runoff Voting” (IRV). Em 2018, a revista “The Economist” publicou o artigo “In praise of ranked-choice voting”, em que defende esse sistema de votação. O artigo aponta evidências de que, em 79 eleições realizadas em 26 cidades dos EUA, o sistema diminuiu a abstenção em 10%. Alguns anos depois, em 2021, o tema ganhou alguma visibilidade em discussões na Câmara dos Deputados, em Brasília. Como funciona esse sistema?

Considere um exemplo de quatro candidatos (A, B, C e D) concorrendo à prefeitura de uma cidade. No sistema do voto preferencial, o eleitor vota apresentando a ordenação de suas preferências. Por exemplo, se acho que D é melhor que C, que é melhor que B, que é melhor que A, meu voto será configurado como: 1º D, 2º C, 3º B e 4º A. Cada eleitor, portanto, tem suas preferências computadas. Caso algum dos candidatos consiga maioria simples (51%) no primeiro turno, é considerado o vencedor. 

Na situação em que não haja um candidato que consiga 51% dos votos, o que se faz é uma segunda rodada de apuração dos votos, que elimina o candidato menos votado. Os votos dos eleitores desse candidato eliminado são redirecionados para aqueles que o escolheram como segunda opção. Procede-se à recontagem e, caso algum candidato obtenha 51% dos votos, será considerado vencedor. Caso contrário, o processo é repetido, eliminando-se o menos votado, até que se encontre o vencedor.

Sim, o processo pode ser mais trabalhoso do que o sistema atual. Contudo, não existe aperfeiçoamento da democracia grátis. O custo de considerar as preferências dos eleitores exige um pouco mais de trabalho. Como os defensores das urnas eletrônicas sempre insistem em sua praticidade, não é difícil imaginar que experimentar o sistema de voto preferencial possa ser feito a custo muito baixo. Caso o (e)leitor tenha alguma dúvida, pense no tempo gasto com o voto preferencial, sem urnas eletrônicas.

Quais as vantagens desse sistema? Alega-se que o voto preferencial diminui a polarização nas eleições, além de captar melhor o desejo dos eleitores. A cidade de Nova York experimentou o voto preferencial em sua última eleição para a prefeitura. No Brasil, alguns governos municipais discutiram o sistema, mas não se tem notícias de sua implementação.

Na prática, o sistema funciona? Em 2021, a equipe do Evidence Express da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) elaborou simulação adotando o voto preferencial para as eleições municipais de 2000 (considerando apenas as que tiveram segundo turno, ou seja, 31 municípios).

Um dos resultados é o de que, em sete dos 31 municípios, o resultado das eleições seria alterado. O relatório foi publicado em versão digital com o nome de “Simulação de uma votação por ranqueamento nas eleições de 2000 para municípios brasileiros selecionados” (uma rápida pesquisa na internet é suficiente para encontrá-lo). O estudo tem o mérito do pioneirismo na investigação sobre o potencial do voto preferencial no Brasil. Seria interessante ter novos estudos sobre o tema.

Claudio Shikida Professor do curso de ciências econômicas do Ibmec