João Miguel Gomes Santos tem somente 9 anos. A tenra idade, contudo, não é capaz de impedir o disparo retórico: “Qual criança não gosta do Hulk?”. O menino, residente no bairro Jardim Bandeirantes, em Contagem, na Grande BH, é um desses que nutrem pelo atacante do Atlético idolatria impressionante. Ano passado, na véspera da final da Copa do Brasil contra o Flamengo, João Miguel conheceu o jogador na porta da Cidade do Galo. Ficou em choque, atônito. Caiu no choro, recebeu o abraço do astro e voltou para casa com fotos e autógrafo.
O vídeo, com cerca de 45 mil visualizações, provocou a reação de torcedores rivais na rede social, que enalteceram o comportamento do jogador com o fã, deixando à parte qualquer paixão clubística. Atitude capaz de demonstrar que a admiração e o respeito por um jogador podem transcender a cor da camisa.
“Sou cruzeirense, mas fiquei emocionada com o tratamento. Meu filho ficou sem voz, não conseguiu falar, travou mesmo. E o Hulk falava com ele, de forma carinhosa: ‘Não chora, João’. O Hulk é muito diferenciado e é por isso que é ídolo. Por isso, ele tem o respeito, independentemente do time”, relata a terapeuta energética Fabiana Silva Gomes, de 42 anos, mãe de João Miguel.
O servidor público Orozimbo Machado de Souza Júnior, de 46 anos, é mineiro, mas mora em Brasília. É atleticano desde a infância. Por consequência, nenhuma admiração pelo Cruzeiro. No entanto, o sentimento preto e branco não foi obstáculo para reverenciar um ídolo estrelado. “Alex foi protagonista em uma das melhores fases do Cruzeiro, mas sempre respeitou o adversário. Salvo engano, foi aplaudido pela torcida rival em um jogo de 2004. Aí você vê que é um cara inteligente, com postura discreta, mas sem deixar de ser firme em suas opiniões. Não tem como não admirar um cara desse e torcer para ele jogar no seu time. Pela postura, aliada ao inegável talento dele”, reconhece Júnior.
Assinatura de Zico
O corretor de imóveis Euclides Filho tem 59 anos e se mudou do Recife para o Rio de Janeiro, aos 9. Na Cidade Maravilhosa, apaixonou-se pelo Vasco. “Mesmo sendo vascaíno, sempre admirei o Zico. Um cara diferenciado, um craque. Era um jogador que não menosprezava os outros times. Prova disso é que tinha grande amizade com outro ídolo meu, o Roberto Dinamite (1954-2023). Mesmo sendo do Flamengo, foi meu ídolo também pelo próprio exemplo de pessoa. Um craque e uma referência no mundo do esporte”, exalta o vascaíno.
A idolatria de Euclides pelo craque do time rival extrapolava a arquibancada. “Na época que eu jogava bola, pelada, o pessoal me chamava de Zico, pelo meu estilo de jogo. A própria assinatura dele eu consigo fazer. Muitas vezes, brincava com o pessoal do aeroporto, onde trabalhava. Escolhia um dia que o Flamengo estava desembarcando e dizia: ‘Zico deixou isso para você, com uma dedicatória e o autógrafo. Depois, contava a verdade para o colega. Mas, realmente, ficava bem parecido. Esse foi o Zico na minha adolescência e juventude. Um cara que admirei bastante”, revela.
Há fórmula para se tornar ídolo?
Em um meio tão polarizado e de rivalidade extrema como o futebol, como se daria a construção de um ídolo e a manutenção desse status, especialmente se tratando da admiração por um rival?
“É uma questão complexa, pois, por mais que possamos pensar em regras e moldes, há sempre um quesito que tange o imponderável e que tem a ver com carisma. Um ídolo não se constrói apenas usando uma fórmula controlável. Precisa haver um encontro perfeito entre carisma pessoal, algo que não é ensinado, timing, uma assessoria de imprensa eficiente e, claro, um enquadramento midiático bem consolidado para fazer com que essa figura circule bastante e, por fim, seja ‘abraçada’ pela população”, analisa Maura Oliveira Martins, jornalista e doutora em ciências da comunicação.
Há quase duas décadas, ela realiza pesquisas relacionadas às formas como as mídias, especialmente a televisão, potencializam as figuras dos ídolos. Por isso, reforça: “Não existe uma fórmula controlada para se criar um ídolo. Penso em exemplos como o supercampeão impecável, imagem atribuída ao ex-piloto Ayrton Senna (1960-1994), ou o bad boy talentoso, categoria na qual incluo ex-jogadores ‘old school’, tipo Romário e Edmundo, que são bem diferentes”, aponta a doutora.
O ‘efeito Neymar’ no retorno ao futebol brasileiro
A volta de Neymar ao Santos agitou o futebol brasileiro, e não apenas a torcida do Peixe. Após 12 anos no exterior, o astro foi apresentado em 31 de janeiro, e os efeitos já são sentidos fora de campo. No Instagram, o clube ganhou mais de novos 3 milhões de seguidores, chegando a mais de 7 milhões, e outros mais 2 milhões no Tik Tok, totalizando mais 5 milhões de seguidores. Em número de sócios, foram feitas cerca de 20 mil adesões em apenas cinco dias. Com mais de 70 mil cadastros, a meta é chegar a 100 mil.
Aos 33 anos, Neymar cultiva muitos admiradores, mas também outros tantos detratores. “Será que realmente Neymar é rejeitado por boa parte da população, ou esse é um recorte que acabamos fazendo por causa da nossa ‘bolha jornalística’, de pessoas com ensino superior, ainda em sua maioria de classe média? A volta de Neymar ao Brasil, repercutida pela mídia, ao que me parece, encontra, sim, respaldo em grande quantidade de brasileiros, que o veem de alguma forma como um modelo: um sujeito de muito talento que conseguiu criar um patrimônio material incrível”, argumenta Maura Oliveira Martins, jornalista e doutora em ciências da comunicação.
A especialista destaca que a última Copa do Mundo que o Brasil venceu foi em 2002, e muitos atuais adolescentes e jovens adultos não viram a seleção ser campeã. “Nesse sentido, Neymar ainda aparece como a última grande novidade e a esperança do país em um campo que sempre foi essencial para nós. Mesmo com a sua carreira tão errática e sem grandes resultados há muito tempo, parece fazer sentido que o jornalismo esportivo busque ‘incensar’ e reacender esse último ídolo, na falta de algum outro mais recente”, considera.
Em 2012, o Santos venceu o Cruzeiro por 4 a 0 no Independência. Neymar marcou três vezes e foi ovacionado por torcedores da Raposa. Se estivesse no estádio naquele dia, o estudante de medicina Natan Castillo Vilani, de 25 anos, certamente seria mais um a aplaudir o astro.
“É um cara que marcou minha geração, desde que explodiu no Santos. Ele tem um talento tão especial que foi abraçado pelos torcedores em geral. Um ídolo que transcende questão clubística”, define o cruzeirense.
Personagem que extrapola mundo da bola
Neymar está entre os três jogadores do futebol em atividade mais seguidos no Instagram. Com 229 milhões, fica atrás de Messi (504 milhões) e Cristiano Ronaldo (649 milhões). Números que indicam o interesse de pessoas de vários países pela vida do jogador do Santos.
“Neymar já se tornou há muito tempo uma celebridade que escapa do universo do futebol, já figura dentro do rol das celebridades ‘generalistas’, digamos. Mesmo que ele nunca mais jogue futebol, vai continuar sendo notícia”, observa Maura Oliveira Martins, jornalista e doutora em ciência da comunicação.
O ídolo que era fã
O ex-jogador Alex teve carreira de sucesso em clubes como Coritiba, Palmeiras, Cruzeiro, seleção brasileira e se tornou até estátua na Turquia, onde defendeu o Fenerbahçe. Mesmo assim, não ficou imune à condição de fã, ao ser dirigido por Zico.
“Eu demorei seis meses para entender que era o nosso treinador. Vi o Zico 10 do Flamengo, 10 da seleção. Era coisa de idolatria mesmo, o que piorava o negócio. Havia certas sugestões que pensava em dar para o time melhorar, mas essa coisa de paixão atrapalhava e eu acabava não conseguindo falar nada, pois na minha frente estava o Zico. Esse encanto só se quebrou no réveillon (2007). Ele passou na minha casa e, quando o vi bebendo conosco e com a Maria Eduarda sentada no colo, quebrou-se a magia. Percebi que era humano, de carne e osso que nem a gente”, relata Alex em sua biografia, publicada em 2015.
Cinco dias de viagem escondida para ver Ronaldinho Gaúcho
Em abril de 2013, o boliviano Elion Quintasi, então com 18 anos, viajou por cinco dias de ônibus, escondido da família, para conhecer Ronaldinho Gaúcho. O técnico Cuca ficou sabendo que o rapaz havia dormido na rua próximo à Cidade do Galo e o ajudou. Ele foi recebido no CT, e o Atlético entrou em contato com a família dizendo que ele estava bem. Além disso, os jogadores compraram passagem de avião para ele retornar ao país natal com o sonho realizado.