Assassinado no Vale do Javari, no Amazonas, juntamente com o indigenista Bruno Pereira, o jornalista britânico Dom Phillips ficou conhecico por mostrar o Brasil ao mundo sob o olhar de um estrangeiro.
Phillips chegou ao Brasil em 2007 e desde então relata os principais acontecimentos no país. E na carreira do inglês, há um relato minucioso de um dos momentos mais marcantes da história do Atlético.
Em 2013, Phillips foi os olhos estrangeiros sobre a conquista inédita do Galo da Libertadores. Em um blog para o público do exterior sediado na Folha de São Paulo, um dos maiores do país, ele escreveu sobre a noite do dia 24 de julho.
Para ver a versão original do texto de Dom Phillips, clique aqui. Confira na íntegra o texto traduzido publicado pelo jornalista:
"Era preciso ter pena dos torcedores do Atlético Mineiro, campeões do Campeonato Brasileiro há muito tempo. Pouco depois da meia-noite desta quinta-feira, no final da prorrogação, a primeira vitória do clube na Libertadores estava tão perto que eles podiam sentir o gosto, mas, de alguma forma, ainda tortuosamente fora de alcance.
Houve tensão e drama desde o início – encapsulados pela visão de um torcedor de boné do Atlético, mas sem camisa, fechando os olhos, balançando a cabeça para o canto da torcida, esticando os braços e caindo de joelhos como se em oração. Todo mundo no estádio Mineirão parecia estar invocando a ajuda de Deus para a vitória.
Haviam 58 mil torcedores do Galo, como o Atlético é apelidado no Mineirão, em Belo Horizonte, e o barulho aos 90 minutos foi para a prorrogação e depois os pênaltis foi intenso e implacável: um bombardeio estridente de aplausos, xingamentos e assobios, o som de sonhos prestes a serem realizados ou esmagados.
O Galo iniciou a partida desta quarta-feira, segundo jogo desta final do maior campeonato sul-americano de futebol (a Liga dos Campeões do continente) contra o Olimpia do Paraguai com uma desvantagem de 2 a 0 em relação ao primeiro jogo da semana passada. Mas a ideia de que eles não poderiam realmente mudar isso e vencer claramente não era uma opção que seus torcedores fanáticos estavam preparados para considerar. O Olimpia não ia facilitar e sobreviveu a onda após onda de ataques do Galo. Os torcedores do Atlético gritaram seu hino, o cativante e inspirador: “Eu acredito!”. Mas mesmo com gols de Jô e Leonardo Silva colocando os dois em vantagem nesta eliminatória, no geral eles ainda estavam empatados ao final do tempo normal.
Se a pura força de vontade fosse suficiente, já teria acabado há muito tempo. Mas não é a paixão dos jogadores ou dos torcedores que conta, são os gols que o time marca. Galo simplesmente não conseguia guardar aquele terceiro, não importa o quão perto eles chegassem. O Olimpia, que conquistou três Libertadores, não foi nada fácil. Eles pareciam organizados na defesa e perigosos no contra-ataque.
Victor no gol salvou Galo mais de uma vez, assim como ele os salvou uma e outra vez no caminho para a final. Olimpia também sofreu. O jogo estava chegando ao fim quando, com o Atlético vencendo por 1 a 0, o paraguaio Juan Carlos Ferreyra passou por cima do goleiro do Galo, Victor, e depois, de alguma forma, caiu na frente do gol aberto. Foi um fracasso que ele lembrará para o resto de sua vida, um que talvez tenha perdido o título.
Em seguida, o zagueiro Manzur foi expulso – e Leonardo Silva salvou o Galo com um gol de cabeça. Com o placar empatado nos dois jogos, o jogo foi para a prorrogação, mas apesar dos gritos da torcida, o Galo não conseguiu fazer valer nenhum de seus gols. Enquanto os torcedores atrás do gol recitavam o 'Pai Nosso', eram os pênaltis. A tensão, o barulho, a ansiedade a essa altura mal eram toleráveis, mesmo para os espectadores. Para os torcedores e jogadores do Atlético, deve ter sido insuportável.
Deus entrou em campo quando Victor, segundo o G1, recebeu dos torcedores um pequeno crucifixo que colocou dentro de seu gol. Então Victor bloqueou o primeiro pênalti de Miranda. O goleiro do Olimpia, Martin Silva, tirou o crucifixo. Victor colocou de volta. Todos os outros marcaram até que Gimenez acertou a trave para o Olimpia com o quinto de seus pênaltis e o estádio explodiu em alvoroço.
Homens adultos choraram lágrimas de alegria e alívio. As mulheres gritavam em comemoração. Fogos de artifício e confetes dispararam no ar. Alguns torcedores até invadiram o campo. O sonho do Atlético se tornou realidade. Eles foram finalmente campeões da Libertadores.
As comemorações no centro da cidade continuaram até as 5h da manhã de quinta-feira. Foi um momento particularmente delicioso para o atacante Ronaldinho. O jogador de 33 anos foi duas vezes eleito o melhor jogador do mundo e venceu praticamente tudo no futebol, incluindo a Copa do Mundo de 2002 com o Brasil e uma Liga dos Campeões e um campeonato espanhol com o Barcelona.
Mas desde que voltou ao Brasil com o Flamengo em 2011, ele só conquistou troféus do campeonato estadual. Ele surpreendeu a todos quando assinou com o Atlético em 2012 e parecia recuperar um pouco de seu antigo brilho. E ele mostrou lampejos de gênio enquanto o Atlético lutava pela vitória, mas nada particularmente neste jogo. Mas seus companheiros de equipe ainda cantaram seus elogios depois.
O técnico do Galo, Cuca, há muito considerado um “quase vencedor” do futebol brasileiro, tentou três vezes sediar a coletiva de imprensa após o jogo, mas seus jogadores continuaram se esgueirando atrás dele para encharcá-lo de champanhe. Mesmo após o término da coletiva de imprensa, o atacante do Galo, Bernard, corria descalço com um chapéu de palhaço na cabeça. A certa altura, a segurança tentou impedi-lo de entrar na sala de imprensa onde a coletiva de imprensa havia sido realizada, pensando que ele era um torcedor superexcitado que de alguma forma se esgueirou. “Mas eu sou um jogador!” ele protestou.
Encurralado novamente por jornalistas famintos por citações, ele elogiou o espírito de sua equipe. “É maravilhoso chegar no treino e ver todo mundo sorrindo, todo mundo brincando e ninguém de cara feia. Porque no futebol, infelizmente, há onze jogadores e você não pode manter todos felizes”, disse.
“É a felicidade que Deus nos dá poder jogar futebol.” Em Belo Horizonte hoje, apenas os torcedores do Cruzeiro, rival do Atlético, bicampeão da Libertadores, discordariam dele."