Entre 1994 e 1996, o então lateral Dinho fez 96 jogos pelo Atlético. Marcou apenas um gol, mas parece ser eterno. “Até hoje, quando me encontro com alguns atleticanos e cruzeirenses, eles relembram. Ficou na história. É gratificante saber que a memória não foi apagada”, exalta o ex-jogador, de 58 anos.

façanha mencionada por Dinho ocorreu no clássico vencido pelo Galo, por 2 a 0, em 12 de outubro de 1995. Passaram-se quase 30 anos, mas o feito permanece vivo, a exemplo de quase tudo que ocorre no dérbi mineiro. 

Com a expectativa de também cravar o nome na história, candidatos a heróis de Cruzeiro e Galo vão a campo no próximo domingo (9), às 16h, no Mineirão, para escrever mais um capítulo da epopeia iniciada em 17 de abril de 1921. Desta vez, pela sétima rodada do Campeonato Mineiro.

Aos 58 anos, Dinho é lembrado até hoje pelo golaço contra o Cruzeiro, em 1995

 

Independentemente do que estiver em jogo, o duelo nunca é encarado como uma mera disputa e costuma ter o poder de transcender as quatro linhas. Na decisão do primeiro turno do Campeonato Mineiro de 1996, por exemplo, uma polêmica se imortalizou por meio de um verso musical que a torcida atleticana criou para provocar os rivais. 

Após a partida, vencida pelo Galo por 2 a 1, no Ipatingão, o então lateral-direito Paulo Roberto Costa disse que os cruzeirenses tremiam quando viam o escudo do Galo. 

O disparo já teria efeito devastador em função da rivalidade e foi superdimensionado porque o autor da frase havia construído uma história vitoriosa vestindo justamente a camisa azul e branca.

“Não foi legal, porque eu fui mal interpretado. Não falei de maneira clara, e ficou ruim para mim perante a torcida do Cruzeiro. Jamais quis falar algo contra o Cruzeiro, clube mais importante que joguei pelos títulos que conquistei, onde fui capitão e pelo qual tenho carinho enorme. Naquela época, a imprensa entrava em campo logo depois do jogo e pegava a gente ainda no clima da partida”, inicia Paulo Roberto Costa, de 62 anos.

Paulo Roberto Costa diz que foi mal interpretado e não quis ofender o Cruzeiro

 

O ex-atleta prossegue: “Durante aquela semana, os jogadores do Cruzeiro falaram que me conheciam e poderiam ganhar o jogo pelo meu lado. Não falei nada, mas guardei aquilo. Nós ganhamos, e, quando vieram me entrevistar, falei que eles tremiam contra o Atlético. Eu quis falar dos jogadores, porque fui muito provocado. Contudo, não me expressei de maneira clara, e todo mundo achou que falei que o Cruzeiro tremia contra o Atlético”, explica.

“Não quis falar isso de maneira nenhuma, mesmo porque eu joguei no Cruzeiro. Mas aconteceu e é uma coisa que marcou muito. Até hoje o pessoal comenta, mas tu está me dando a oportunidade de falar sobre o assunto e esclarecer o episódio. Tenho o maior carinho pela torcida do Cruzeiro e pelo clube. Jamais falaria uma coisa dessas. Já pedi desculpas algumas vezes pela maneira como fui interpretado. Agora, é mais uma oportunidade que estou tendo para esclarecer isso”, complementa Paulo Roberto, com exclusividade a O TEMPO Sports

Carrascos dos dois lados

Paulo Roberto fez 167 jogos pelo Cruzeiro e marcou 26 gols. Conquistou dois Campeonatos Mineiros (1992 e 1994), Supercopa da Libertadores (1992) e Copa do Brasil (1993). Diferentemente do ex-lateral, que teve a relação com a torcida estremecida, o ex-atacante Marcelo Ramos se tornou ídolo da China Azul, por ter construído a imagem de carrasco do Galo. 

“Jogar o clássico representa tudo, porque ‘para’ a cidade. Quando o atleta vai bem, ele fica marcado. A idolatria que a torcida do Cruzeiro tem comigo vem pelos títulos, pelos gols decisivos, mas também por ser efetivo jogando contra o Atlético. Quando não fazia gols, jogava bem, corria bastante e dava vida”, pontua Marcelo Ramos, de 51 anos. 

O ex-jogador vestiu a camisa estrelada em três oportunidades (1995-1996, 1997-2000 e 2001-2003). Marcou dez gols no clássico e está entre os principais artilheiros da Raposa no confronto, transformando-se em algoz do Galo. O primeiro goleador da lista da história do duelo é Niginho, com 25 bolas nas redes.

Marcelo Ramos foi artilheiro no Cruzeiro e se tornou ídolo da torcida

 

Trajando preto e branco, o ex-atacante Renaldo também se notabilizou por ser decisivo no dérbi mineiro. Foram sete gols, em dez jogos. “Essa marca representa uma história, um legado em um confronto bastante conhecido no Brasil. O que guardamos é isso, ficar na história e ser sempre lembrado”, valoriza o “algoz” da Raposa, de 54 anos.

Renaldo teve duas passagens pelo Atlético (1993 a 1996 e 2002). No total, fez 183 partidas e deixou sua marca 73 vezes, duas delas consideradas especiais. “A mais importante lembrança que tenho é da final do Mineiro de 1995. Ganhamos de 3 a 1, fiz dois gols, fomos campeões e terminei como artilheiro”, recorda-se.

Renaldo comemora um dos gols na vitória sobre o Cruzeiro, que garantiu o título de 1995

 

O ex-goleiro do Atlético João Leite fez 54 clássicos, de acordo com o Almanaque do Superclássico Mineiro. Antes, porém, já sofria da geral. “Jogar o clássico foi um orgulho muito grande, porque sempre fui apaixonado pelo Galo, desde criança. Naquela época, eu sofri demais com o timaço do Cruzeiro de Tostão, Dirceu Lopes, Piazza, Evaldo…  Eu morava na Vila Oeste e ia para a geral do Mineirão assistir aos clássicos”, relembra.

Polêmica até em relação ao número de jogos

Tratando-se de clássico, até mesmo o número de partidas pode se tornar motivo para polêmica. O Cruzeiro contabiliza 505 jogos, sendo 172 vitórias, 135 empates e 198 derrotas. O Atlético, por sua vez, apresenta o seguinte levantamento: 527 duelos, 212 triunfos, 141 igualdades e 173 reveses. 

“Fico constrangido quando assisto, por exemplo, a um Grenal e ouço o locutor anunciar, com plena convicção, as estatísticas completas do clássico. Quando se trata do Superclássico de Minas, temos de suportar esse absurdo. Não há número exato quanto ao confronto entre Atlético e Cruzeiro, pois cada clube tem o seu próprio levantamento, que não são coincidentes”, critica Wagner Augusto Álvares de Freitas, jornalista, historiador e um dos autores do Almanaque do Superclássico Mineiro – 1921/2023, ao lado de Claudio Frederico Discacciati.

No trabalho publicado pela dupla, o retrospecto é o seguinte: 506 confrontos, com 200 vitórias do Galo, 171 da Raposa e 135 empates. “Após pesquisa profunda e exaustiva, completamente despida de clubismo, chegamos à estatística mais verossímil possível até hoje divulgada”, assegura Wagner Augusto. 

Confira mais depoimentos dos personagens do clássico mineiro

Renaldo: ‘Nasci para fazer gol no Cruzeiro’

"A rivalidade entre Cruzeiro e Atlético vem de muitos anos de história. Na minha época, não era diferente com estádio lotado. Acho que nasci para fazer gol contra o Cruzeiro. Antes dos jogos, eu nem dormia porque eu queria fazer gol neles. A torcida gostava, me pedia durante a semana de clássico para marcar. Eu me concentrava bastante e incorporava o espírito do jogo para ser decisivo.  Sou muito fã da torcida e eles sabem o tanto que eu valorizo a Massa do Galo. Estou sempre interagindo com eles nas minhas redes sociais. Aqui é Galo sempre, Massa!"

Marcelo Ramos: ‘Uma goleada, um título e uma virada’

"Tenho ótimas recordações dos clássicos e vou escolher três. Em 1999, goleamos por 5 a 1 e fiz um gol. Valdo fez dois, Alex Alves e Paulo Isidoro também marcaram, pela final da Copa dos Campeões de Minas. Em 2003, houve aquela virada que marcou bastante. O Atlético fez 2 a 0, mas conseguimos reagir. No último gol, o Alex me dá aquele passe de letra ou calcanhar e bato para fechar a goleada. Em 1998, apesar de não ter feito gol, fiz uma grande partida. Na primeira partida, vencemos por 3 a 2, com três gols do Fábio Júnior. Na volta, empatamos em 0 a 0 e fomos campeões. Na verdade, tricampeões, porque tínhamos vencido em 1996 e 1997. Então, foram esses três clássicos que mais me marcaram: uma goleada, um virada e um título."

Dinho: ‘Me intrometi entre os artilheiros e fiz um golaço’ 

“O clássico é o que todo atleta almeja jogar. Você trabalha durante o ano esperando, na expectativa. Independentemente da situação dos times, quando se entra em campo todos os jogadores dão o máximo. É uma partida que mexe  muito com o ego de todos os atletas porque é gratificante ser ovacionado por milhares de torcedores. Naquele jogo de 1995, tinha vários jogadores renomados, que sabiam  fazer gols,artilheiros, mas me intrometi no meio deles (risos). Driblei alguns jogadores do Cruzeiro e, com a canhotinha, bati certeiro no canto, sem chance para o Dida. Foi um golaço. Aí foi só sair para o abraço com a galera. O jogo estava muito difícil naquele momento (até os 36 minutos do segundo tempo, o Atlético vencia por 1 a 0, gol de Cairo), e o gol deu um gás a mais contra a nossa equipe e conseguimos vencer. Foi muito emocionante”

Paulo Roberto Costa:  'Nosso time era bom, com o Ronaldo surgindo, mas só falavam do Atlético'

"Eu já participei de bastante clássicos, né? No Rio Grande do Sul, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em Belo Horizonte, a rivalidade é muito grande e bem parecida com a do Rio Grande do Sul, porque são dois times. Todos os clássicos marcam, mas, pelo Cruzeiro foi aquele de 1994 em que todo mundo falava só da 'Selegalo' que tinha Neto, Winck, Renato, Gaúcho e Éder. Fizeram um auê, toda a imprensa falando muito do Atlético. Nosso time era bom, com o Ronaldo surgindo, mas só falavam do Atlético. Vencemos aquele clássico por 3 a 1, e o Ronaldo fez um baita de um jogo (marcou três vezes). Naquele ano, fomos campeões, quando todo mundo apontava o Atlético como o melhor time."