Memória

Conheça a história de Pablito, homenageado torcedor-símbolo do Cruzeiro

Para Pablo Roberto Quirino Soares Peruhype, o Pablito, a sua trajetória se confundia com a do Cruzeiro

Por Gabriel Moraes
Publicado em 06 de novembro de 2022 | 14:01
 
 
 
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Em poucas "caixinhas", podemos resumir a nossa vida: família, amigos, profissão, lazeres e até mesmo um clube de futebol – essa última, pode ocupar um espaço maior ou menor na história de alguém. Para Pablo Roberto Quirino Soares Peruhype, a sua trajetória se confundia com a do Cruzeiro, time que lhe proporcionou alegrias, viagens e, por última, tristeza. Mas Pablito, como era conhecido, nunca desistiu de voltar a ver os momentos de glória, que aconteceram em 2022, quando o torcedor-símbolo já não estava mais entre nós.

Em março de 2021, em um dos auges da pandemia de coronavírus, o técnico de máquinas industriais, então com 39 anos, contraiu a doença. Nas redes sociais, ele falava sobre a sua situação, a cada momento mais grave, internado no hospital. A China Azul, ao lado de outras pessoas, uniu forças, mas, infelizmente, no dia 23 daquele mês, ele veio a falecer, gerando uma extensa comoção nas redes sociais, o que ainda rende homenagens até hoje.

O início do elo entre Pablo e Cruzeiro

Em entrevista ao O Tempo Sports, a sua mãe, Maria José Quirino Soares, contou como surgiu essa relação de amor. "Quando ele era adolescente, gostava muito de jogar futebol, mas via que o vizinho ia sempre ao Mineirão. O Pablo me pedia para ir, mas eu falava ser um passeio difícil para mim, até que o vizinho o convidou para levá-lo, e eu deixei. Ali abriu as portas para ele ser um torcedor", disse.

Segundo ela, moradora do bairro Goiânia, na região Nordeste de Belo Horizonte, um presente do tal vizinho fez o amor pela Raposa aumentar. "Todos os jogos que aconteciam, ele ia com o vizinho. Esse vizinho deu a ele uma camisa oficial do Cruzeiro, do momento. Para ele, aquilo era uma alegria tão grande, que ele nunca mais deixou de acompanhar o time", completou.

Com o tempo, Pablito, além de ir aos jogos da equipe em Belo Horizonte, também acompanhava a delegação fora da cidade, do Estado e até do país. "Lembro quando ele começou a ir atrás do Cruzeiro nas viagens, em especial num jogo na Argentina. Para ele, aquilo foi um sonho realizado. Se ia para o Rio de Janeiro, ele ia também. São Paulo, ele ia também. Ele foi muito presente e não parou mais", explicou a senhora de 70 anos.

Companhia do filho e seu sofrimento

Gabriel prestigia homenagem feita ao pai pela torcida cruzeirense

Quem via o torcedor no Mineirão e o acompanhava na internet, também passou a enxergar o Pablo como pai. Influenciado pelo vizinho na juventude, ele passou o sentimento de amor ao Cruzeiro para o filho, Gabriel, hoje com 12 anos. Assim como o seu genitor, a agremiação azul celeste virou uma paixão, mas, por motivos óbvios, a perda do pai ofuscou esse brilho.

Sem praticamente lembrar da mãe, que morreu meses após o seu nascimento, o garoto mora com a avó e sua tia-avó, madrinha de Pablo, a dona Maria do Rosário Quirino, de 66 anos. A avó falou à reportagem como está sendo criar o neto, que, após a morte do pai, parou de acompanhar o time, mas gradualmente volta a demonstrar aquela atenção de antes.

"Foi e está sendo com muita luta. Tentamos passar para o Gabriel essa falta do pai de uma maneira mais passiva e compreensiva, porque ele ficou muito triste, queria chorar, bater. Ele já estava tendo acompanhamento psicológico, e o profissional falou que o sentimento da criança é de ter raiva. E é assim que estamos ajudando ele a superar esse momento de perda, já que não tinha a mãe", relatou.

Sobre o Cruzeiro, a atenção está mudando. "De um tempo para cá que ele aceitou assistir aos jogos. Antes, não. Chamávamos ele para assistir ao jogo do Cruzeiro, mas ele não queria. Agora, ele já aceita ver, mas com menos interesse. Quando tem gol, ele festeja, grita e vai à janela. Esse interesse está aumentando gradativamente. Para ele, falar Cruzeiro e Pablito era a mesma coisa", afirmou a avó.

A decadência

É possível afirmar que Pablito foi um dos torcedores que mais apoiavam o clube no pior momento da história, que começou em 2019, seja nas arquibancadas, na internet ou até mesmo em protestos que marcaram aquele período. Segundo a tia e madrinha, ele se apoiava no Cruzeiro até mesmo nos dramas pessoais.

"É indescritível a paixão que ele tinha pelo Cruzeiro. Alucinado. Coração azul. Ele era um torcedor que levava muito a sério o Cruzeiro. O clube foi de uma importância gigante na vida dele. Nos momentos difíceis, ele agarrava o time com tudo", confirmou Maria do Rosário. Mas, entre 2019 e 2021, parece que a Raposa precisou se apoiar em pessoas como Pablo.

"Eu lembro que a equipe não reagia conforme o potencial que ele achava. A gente sentia a tristeza do Pablo. Cada jogo era uma tristeza tamanha, que ele chegava derrotado em casa. Mas nunca desistia. Ele chorou muito quando caiu, mas não era de comentar, sofreu calado. Eu nunca tinha visto ele chorar como daquele jeito, de não querer conversar e ficar de olhos vermelhos", relembrou a ente.

Para ela, a volta por cima do Cruzeiro neste ano, com a conquista do Campeonato Brasileiro Série B e o retorno à elite do futebol, provocaria emoções inéditas no sobrinho. "Se ele estivesse aqui, assistindo a essa subida, seria uma euforia que ele não conteria. Pablo era alegria. No mínimo, ele aprontaria alguma no jogo do acesso. Algo especial que não falaria para ninguém", brincou.

Barro Preto agora tem nos muros dois torcedores símbolos do Cruzeiro

Homenagens e o legado

Apesar da comoção gerada pelo seu falecimento, a primeira grande homenagem a Pablito aconteceu ainda naquele triste março do ano passado, quando, após mobilização de torcedores, sua imagem com seu filho Gabriel nos ombros foi pintada no muro do Parque Esportivo do Barro Preto, na região Centro-Sul da capital mineira. Salomé, outra figura ilustre da China Azul, também foi eternizada no local.

A família demonstra emoção desde então. "É maravilhoso. Vejo o Pablo gigante. Eu não consigo ver ele pequeno, só como um rapaz. Vejo ele abrangendo esse Mineirão. Vejo ele no coração das pessoas que eu nunca tinha conversando. Chegam para mim e dizem: 'Nossa, você que é mãe do Pablito? Ele é maravilhoso'. É uma alegria muito grande", disse a mãe.

Há 17 anos, dona Maria José perdeu seu outro filho, então com 21 anos, em um acidente de motocicleta. "Agradeço a Deus todos os dias. Os dois filhos que Ele me deu deixaram uma marca de pessoas excelentes. É um conforto saber que muita gente gostava dele, e é muito bom para uma mãe saber que teve um filho bom na Terra", confessou, emocionada.

Para ela, Pablo Peruhype veio a este mundo para fazer o bem, o que ficou evidenciado após a sua partida. "Depois que ele faleceu, conhecemos o outro lado, de um menino caridoso. Apareceram muitos torcedores me agradecendo por ele fazer muita coisa boa, como ajudar um para continuar no emprego, a comprar uma camisa... e ele tinha preocupação em levar comida para as pessoas necessitadas. Ele deixou o legado de ter aprendido a ser uma pessoa caridosa, alegre e participar das coisas que gosta. Que eu seja uma pessoa que continue com isso", concluiu a genitora.

Segundo a tia, o carinho das pessoas surpreendeu os familiares. "Claro, é um momento muito triste, mas foi de muita surpresa para mim, porque não sabíamos o tanto que o Pablo era querido. Sinceramente, não tínhamos noção. Ela era muito expansivo, tinha muitos amigos, mas surpreendeu a família. O Pablito, como todo mundo o reconhece, continuou nos surpreendendo, mesmo depois da partida dele", expressou Maria do Rosário.

Para ela, até em seus últimos momentos, o cruzeirense demonstrou força e cuidado com os próximos. "Essa força do papo também foi algo que nos surpreendeu. Ele adoeceu, mas ficou firme, não quis se abater, e também houve a preocupação conosco. A cada dia, ele foi piorando, e assistíamos aquilo tudo sem poder fazer nada, mas ele mesmo procurava o atendimento, numa boa, sem desespero. Isso foi algo que nos deixou, digamos, nos perguntando como o Pablo tinha essa força para enfrentar o desconhecido", externou.

"O legado que acho que ele deixou é isso: não desesperar, ter tranquilidade e seguir em frente. Nós não desesperamos em momento nenhum, porque ele passou isso para a gente. Cercamos o Gabriel de cuidados, porque era uma preocupação dele. O Pablo foi uma pessoa que veio para somar e nos dar força", concluiu a madrinha.

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