Sob nova direção

SAF Cruzeiro revendida: o que pode ou não ser feito? Tire as suas dúvidas

Reportagem de O TEMPO Sports conversou com especialista em direito esportivo para tirar as dúvidas a respeito da venda de uma SAF; confira

Por Frederico Teixeira
Publicado em 30 de abril de 2024 | 16:50
 
 
 
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A venda de 90% das ações da SAF Cruzeiro de Ronaldo ao empresário Pedro Lourenço, confirmada na noite dessa segunda-feira (29), após reunião na Toca da Raposa, levantou questionamentos entre torcedores sobre o que pode ou não ser feito em um caso como estes, justamente por se tratar do primeiro no Brasil em que uma Sociedade Anônima do Futebol é revendida.

Para solucionar estas dúvidas, a reportagem de O TEMPO Sports entrou em contato com o advogado Thiago Costa, especialista em direito desportivo, do escritório MPC Advogados, que atua, entre outros clubes, com assessoria jurídica ao Democrata de Sete Lagoas, clube que este ano está disputando a Série D do Campeonato Brasileiro.

Uma SAF pode ser revendida? Quais são os principais requisitos para isso acontecer?

A SAF, como uma empresa, pode ser revendida, sim. Na verdade, o acionista que detém as cotas vende sua participação. Foi o que Ronaldo fez. Os principais requisitos envolvem seguir os procedimentos, que são listados no contrato da sociedade anônima, e obter aprovação dos órgãos reguladores (que pode ser, por exemplo, a CVM - Comissão de Valores Mobiliários).

Como funciona o mecanismo de 'lock-up', que impedia que Ronaldo vendesse a SAF antes do prazo de dois anos, encerrado justamente agora, em abril de 2024?

É um acordo contratual que impede o acionista de vender suas ações ou cotas da SAF por determinado período de tempo. No caso específico do Cruzeiro, o acordo já previa este período. A gente não tem acesso aos documentos, por questão de segredo.

É como se fosse um prazo de permanência mínima, até mesmo para prevenir algum tipo de jogada econômica, como a de um investidor que possa vir com intuito de aproveitar tudo, aproveitar o 'hype' de oscilação e depois, rapidamente, vende, pega o lucro e deixa o restante das obrigações para trás.

A permanência de Ronaldo como integrante do Conselho administrativo da SAF era obrigatória para que a venda da SAF fosse efetuada? 

No caso específico do Ronaldo, a permanência como integrante do Conselho administrativo da SAF pode não ser obrigatória para vender a parte dele. Ao menos que no acordo específico de venda conste isso como uma "imposição negocial" ou se existir uma previsão expressa no próprio contrato. 

No caso do Ronaldo, pode ter muito a ver como uma condição do Pedro, até mesmo pela importância da questão da figura do Ronaldo.

Como funciona a regra que prevê, no caso de repasse de uma SAF, que a venda tenha que ocorrer por um 'múltiplo da entrada inicial'? 

É como se fosse um acordo que é previsto no sentido de que a venda das cotas ou da participação tenha que ocorrer por um número que é múltiplo do valor da primeira veda. É como se fosse uma forma de 'resguardar' o próprio valor econômico da SAF, assim evitando, por exemplo, que ela seja revendida por um valor menor do que o que foi comprada. 
 

Dentro do Regime de Tributação Específica (RTE), quais são as regras específicas que as SAFs estão sujeitas em seus primeiros 5 anos de existência? 

O artigo 31 da lei da SAF estabelece que SAF vai ter recolhimento mensal de impostos (RPJ, PIS-PASEP, Cofins etc). E, se aplicável, IOF, Imposto de Renda relativo a rendimento, FGTS e outros. Já o artigo 32 estabelece que nesses primeiros cinco anos a SAF fica sujeita apenas a pagamento unificado de 5% do valor sobre suas receitas mensais.

A partir do 6º ano de fundação de uma SAF, o que muda?

A partir do sexto ano passam a ocorrer alterações que não são só do ponto de vista tributário. Muitas mudanças significativas podem ocorrer também ao nível de governança ou tributação.

Em termos de tributação, a SAF pode ser sujeita ao regime diferenciado, com alíquotas distintas de uma Sociedade Anônima normal. Desta forma, terá que ajustar a sua estratégia conforme for necessário.

Já em termos operacionais, a expectativa é de que tenha desenvolvido uma estrutura interna bem estabelecida de prática de governança, crescimento sustentável, fortalecimento da marca. Desta forma, com o amadurecimento financeiro, ainda existe a tendência de permitir que a SAF explore novas oportunidades de investimento.

No caso da SAF Cruzeiro, quando ela foi instituída, era um caos financeiro. Já se espera que, ao final desses cinco anos, a situação tenha sido resolvida. A questão dependerá da estratégia de longo prazo, através das quais a SAF vai buscar se consolidar, crescer de forma sustentável.

O novo controlador da SAF é obrigado a cumprir todos os acordos da gestão anterior ou pode tentar mudar cláusulas e/ou prazos de contratos? 

Em regra, a SAF, independentemente de quem seja controlador, tem que cumprir os acordos previamente estabelecidos, independente da gestão. Ele pode optar por tentar negociar cláusulas destes acordos, mas depende da situação.

Os prazos para quitação das dívidas nas áreas cível e trabalhista sofrem alguma alteração no momento em que uma SAF é revendida?   

Continuam com a mesma programação originária, não sofrem alteração; ao menos que aconteça alguma relação entre as partes. Mesmo assim, ainda tem que ser homologado pela Justiça competente (seria uma exceção).

O novo controlador de uma SAF pode alterar o percentual de repasse de receita à Associação? Caso o faça, está sujeito a multa ou punição?

Alterações de repasse só podem acontecer se o repasse for acima do limite legal. No caso do Cruzeiro, ficou definido que o repasse era de 20% em caso de credores.

Se, por algum motivo, no estatuto social da SAF ficou estipulado que seria de 40%, pode haver esse reajuste. Obviamente dentro do que estiver previsto no estatuto e das condições para se alterá-lo. Agora, se descumprir o que estava previsto, podem haver multas e punições.

A SAF pode se abster de informar se aportou certa quantia, como o Cruzeiro fez na reunião que confirmou a venda das ações para Pedro Lourenço? Ou isso deve apenas constar no balanço financeiro anual?

Em regra, uma SAF geralmente não pode se abster de informar se aportou determinada quantia. Isso tem que constar no balanço financeiro. Mas, por se tratar de documento com sigilo de negócio, a informação pode ser 'omitida' para o público por opção de sigilo entre as partes negociantes.

Ao revender uma SAF, mas seguir como integrante do conselho administrativo, o antigo acionista pode investir em uma outra SAF?

Em regra, sim, desde que observadas duas situações: primeiro, que não tenha nenhuma cláusula contratual que o impeça de ingressar em outra SAF; segundo, estar de acordo com o que diz o Artigo 5º, parágrafo 1 da lei da SAF (veja abaixo):

§ 1º  Não poderá ser integrante do conselho de administração, conselho fiscal ou diretoria da Sociedade Anônima do Futebol:
I - membro de qualquer órgão de administração, deliberação ou fiscalização, bem como de órgão executivo, de outra Sociedade Anônima do Futebol;
II - membro de qualquer órgão de administração, deliberação ou fiscalização, bem como de órgão executivo, de clube ou pessoa jurídica original, salvo daquele que deu origem ou constituiu a Sociedade Anônima do Futebol;
III - membro de órgão de administração, deliberação ou fiscalização, bem como de órgão executivo, de entidade de administração;
IV - atleta profissional de futebol com contrato de trabalho desportivo vigente;
V - treinador de futebol em atividade com contrato celebrado com clube, pessoa jurídica original ou Sociedade Anônima do Futebol; e
VI - árbitro de futebol em atividade.

O marco regulatório estabelece que cada SAF deve instituir programa de desenvolvimento educacional e social (PDE) através do futebol e do futebol através da educação. Quais punições estão sujeitos aqueles que não cumprirem essa norma?

Na legislação há essa necessidade do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) para cumprir com regularidade o papel social da SAF, do contrário está sujeita a multa (de valores variáveis) e até mesmo a perda de benefícios fiscais.

Entretanto, na prática, isso vem sendo pouco cumprido e pouco fiscalizado. Em situação de benefício fiscal, a fiscalização seria por parte da Receita. Para fim de formação de atletas, pode ser investigado, por exemplo, pelo Ministério Público.


O Cruzeiro foi a primeira revenda de uma SAF no Brasil. Isso pode abrir um 'precedente', em especial para clubes menores, que podem ver no repasse uma forma mais rápida de lucrar?

O caso do Cruzeiro acredito que pode estabelecer sim um precedente significativo para esse novo business envolvendo as SAFs, especialmente para os clubes menores.

A revenda da SAF Cruzeiro em espaço de tempo tão curto, de certo modo, demonstra que você tendo uma boa gestão, você tem um case que representa que esse modelo de negócio pode ser uma alternativa de negócio para clubes que buscam reorganizar suas filanças.

O repasse de uma SAF pode ser atrativa, desde que desenvolva suas ações, fortaleça suas marcas.

No caso de um clube pequeno, em que a SAF seja bem-sucedida, isso pode aumentar a confiança de eventuais investidores nesse modelo, estimulando outros clubes a adotarem essa opção.

Mas a viabilidade e sucesso deste modelo vão depender de uma série de fatores. Não é só formar SAF e vender. É preciso um atrativo para que possa haver investimento a longo prazo.

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