Corria (adoro começar assim uma história) o ano de 1980, 45 anos atrás, e nossa cidade praiana se preparava para sediar a primeira maratona internacional no país, a Maratona Atlântica Boavista - Jornal do Brasil. Criada por um grupo de abnegados corredores, capitaneado por José Inácio Werneck, um dos grandes colunistas esportivos que na época ocupavam, com grande competência, colunas do famoso JB. Tendo como inspiração, as maratonas mundo afora que cresciam e se multiplicavam ano a ano, este grupo em poucos meses “botaram na rua” uma prova com boa estrutura, para cerca de 1.000 felizardos participantes. Sucesso retumbante! Apesar de algumas falhas técnicas, suplantadas pelos acertos e definições. Fiz parte deste milhar de cansados e doloridos felizardos.
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Mas, na verdade, prefiro me ater à edição de número 3 da Maratona do Rio, em 1982, com surpreendentes 4 mil inscritos e um conjunto de inovações, que a transformou, com louvor, numa verdadeira maratona internacional, com centenas de estrangeiros, trazendo suas famílias ao Rio.
Pela primeira vez a prova teria medição oficial da AIMS (associação internacional das Maratonas). Também, seguindo as normas internacionais, haveria postos de hidratação à cada 5km. E um sábio, para mim doloroso, acerto no percurso, tirando minha Lagoa e enxertando os kms tirados, numa bucólica incursão no centro da cidade.
Ah, outra mudança fundamental foi a data, saindo de novembro para julho, pelo bem das almas peregrinas de milhares de corredores.
Como era o Brasil em 1982?
Você, leitor/corredor já nascido nesta época, lembra de algo especial neste saudoso ano de 1982?
Eu lembro de alguma coisa, apesar de ainda ser uma criança de colo, diga-se de passagem:
Vivíamos mergulhados entre o mar e o fim da ditadura, nos adaptando ao ar fresco da democracia, trazida pela disputa, ao longo de 82, do governo do estado numa difícil e conturbada eleição. Venceu Leonel Brizola, que trazia, na cabeça e enrolada no pescoço uma fresca brisa democrática das urnas!
Em nossa data mais democrática na época, no carnaval, a vitória foi para o Império Serrano, que não era apadrinhado pelos milhões do jogo do Bicho, com um enredo e samba enredo inesquecíveis (Bum Bum, Paticumbum, Prugurundum...).
No futebol, tivemos o Vasco da Gama como campeão carioca/estadual. O campeão brasileiro, foi o Flamengo, que teve um ano estupendo, pois no fim do ano ganhou o título mundial de clubes, em Tóquio.
Neste ano também, dando uma sequência iniciada em fins dos anos 70, aconteceu um show, entre muitos outros, do grupo The Police, para um Maracanãzinho lotado, onde também fiz parte destes milhares de extasiados felizardos.
O ano de 1982 também foi o nascedouro do BRock (ou Rock Brazil), trazendo grupos que seguem ainda fortes, 40, 45 anos depois. E também nos cinemas (a grande maioria, os cultuados cinemas “de rua”) foi um ano especial: "Blade Runner", "E.T.", "Gandhi", "O Veredito", "A Marca da Pantera"...
Um certo 'Delfim Moreira'
Ufa, haja pipoca! Mas, como foi esta Maratona? Quem venceu? E o tempo? me perguntarão neste momento, vocês 8 ou 9 renitentes leitores. Vamos lá:
A maior e mais bem organizada prova de corrida de rua até o momento, fez a alegria de 4 mil participantes e milhares, pra lá de 100 mil (comparando com a mais impactante passeata que aconteceu no auge da repressão, que ganhou as ruas do meu Rio, contra a ditadura vigente) representantes de uma gente bronzeada, que se acotovelavam desde a enseada de Botafogo ao fim do Leblon, aplaudindo, gritando, fazendo piadas e demonstrando empatia. E, como a largada da prova acontecia às 16 horas, e em pleno inverno, quase todos os concluintes cruzaram a sonhada linha de chegada meio que na penumbra, entrecortada de spots de luzes fortes, dando um clima paradoxal, entre a introspecção e a euforia. Por falar em chegada, tivemos dois estrangeiros vencendo, mais uma vez a prova. O português Delfim Moreira (não o que deu nome a avenida praiana do Leblon, por onde ele passou já liderando a prova), um maratonista internacional do porte de seu famoso amigo Carlos Lopes, ex recordista mundial e ouro olímpico, mas pouco badalado, vence. E vence deixando pra trás o grande nome desta prova, o americano Bill Rodgers, na época um dos 3 melhores maratonistas do mundo, que abandonou a perseguição à Delfim, na altura da Avenida do mesmo nome! Após 2horas e 15 minutos, festeja e é festejado no Leme, finzinho de Copacabana, onde uma turba barulhenta o recebe devidamente! Mas não deu nem pra Delfim terminar sua terceira cerveja, pois foi chamado às pressas, para recepcionar a chegada da vencedora, a alemã Charlotte Teske, top 10 do mundo na época, fechando com 2 horas e 38 longos minutos!
A Maratona do Rio nos dias de hoje
Voltemos, então, aos dias de hoje. Quarenta e quatro anos depois, e o que poderemos encontrar na Maratona do Rio do corrente e tenso ano de 2025?
Uns, poderão dizer que um Rio melhor do que o dos anos 80. Outros, deverão discordar, mas o que deve ser consenso é que o mundo das corridas, e sua representante máxima, a maratona, cresceu exponencialmente. Primeiro com o surgimento e crescimento dos grupos de corrida, que se transformaram em assessorias esportivas. A inclusão de gadgets vestíveis (relógios inteligentes, celulares, aplicativos, roupas anti-uv, tênis de plataformas (criados para pernas velozes de atletas profissionais, mas banalizados perigosamente pelos neo-corredores), sistemas de cronometragem e controle de presença por “chips”, largadas em “ondas”, suplementos nutricionais que suplementam tudo, menos o bom paladar, também fazem parte deste pacote futurista, que alimenta a fome consumista desta espécie involutiva que, se perguntarmos à queima roupa se gostam de correr, demorarão a responder (e a maioria, dirá que não). E estes novos seres que correm se multiplicam ao som das sirenes de largada, de provas cada vez maiores. Haja visto os números da atual Maratona do Rio! São perto de 60 mil inscritos, nas mais variadas distâncias, com os também mais variados motivos. Cada dia, desde sexta-feira, uma prova crescente: 5km, 10km, Meia Maratona e, enfim no domingo, a Maratona. Este conjunto sequencial de provas, torna o evento “Maratona do Rio”, o evento esportivo oficial com o maior número de participantes!
O objetivo iniciado lá no longínquo 1980, foi se afastando. A ideia inicial de criar uma Maratona robusta e de alto nível técnico, foi sendo substituído pelo conceito de megaevento de Corrida, em múltiplos dias e distâncias. Bom para os cofres. Bom para a cidade, e ótimo para as redes sociais. Uma postagem numa das distâncias menores, geolocalizadas como Maratona do Rio. Uau! Vale um “Like”.
Mas vamos falar da prova principal, a que dá nome ao megaevento! Também cresceu, segundo os números ainda não oficiais. A arena de evento, no Aterro do Flamengo, onde acontecerão todas as provas, a feira esportiva e os shows, também cresceu, proporcionalmente. Não à toa, a Maratona do Rio tem a chancela da mesma empresa criadora do Rock’n Rio. Estima-se que durante o fim de semana prolongado, passem lá pela cidade da corrida, mais de 200 mil pessoas, entre atletas, familiares, torcedores e afins. Seria legal se houvesse a mesma mobilização de 4 décadas atrás, com também milhares de pessoas nas ruas gritando e aplaudindo, como nas grandes maratonas mundo afora! Os maratonistas, penhorados e emocionados, agradeceriam!
Já que falamos em aplausos, um seleto grupo de atletas profissionais, a maioria oriunda do nordeste da África, deve tomar de assalto o pódio e os prêmios em dinheiro da Maratona.
Josphat Kiprotich, o atual bicampeão (2023/2024) chega como favorito ao tri. Em sua cola vem um sólido grupinho africano: Joshua Kogo, também do Quênia, vem com a credencial de 2h e 8 minutos feito em Roma, em abril último. E o longevo etíope Yamane Tsegay, que tem 2h e 4 minutos da vitória em Roterdã, em 2012. Sua melhor marca atual é 2h e 7 minutos em Barcelona, 2021. Quem corre por fora é o Bareinita (cidadão do Bahrein) Dawity Admasu, bicampeão da São Silvestre, que migrou dos 15km para a maratona!
No feminino, Zinash Debebe Getachew, da Etiópia, é a atleta mais rápida. Ela tem 2h27 minutos, alcançados em Madri, em 2023. Vem acompanhada de sua conterrânea Rael Cherop Boiyo, que tem 2h 29 minutos, alcançado em Linz, na Áustria, este ano. Briga boa, tanto no masculino quanto no feminino.
Eu sei, vocês 6 ou 7 (depois de mil palavras, cai o número de seguidores, eu sei) estarão se perguntando, e os brasileiros? Eles brigarão por serem os primeiros brasileiros na prova.
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Por enquanto é só. A maratona de domingo vale a ida a algum ponto agitado do belo percurso, vale aplaudir até as mãos arderem, essa gente merece. Sejam os vencedores da prova, ou os vencedores de si mesmos, os que venceram a distância de 42.195 metros. Também os que se superaram, e fizeram o seu melhor. Em nome de Feidipides, o soldado grego que atravessou os quase 200 quilômetros de toda a planície de Maratona, para chegar em Atenas e dar a notícia que venceram os persas, numa batalha gigante e suas mulheres e filhos estariam seguros! Ao terminar de contar, reza a história, Feidipides caiu morto. Não é necessário tanto! Aplaudam e gritem, também em nome dos que iniciaram esta deliciosa insanidade, 45 anos atrás. Os que concluíram e os que já partiram também merecem! E, que tal, você que foi à rua aplaudir, começar a pensar seriamente, no ano que vem, se inscrever na prova de entrada, os 5 km? Quem sabe você não será um dos mais de 60 mil, que celebrarão, correndo, a edição da Maratona do Rio de 2026?
Nos vemos lá!