O América de Cali (COL) encara o Bahia às 21h30 desta terça-feira (horário de Brasília), pelo jogo de ida dos playoffs da Sul-Americana, na Casa de Apostas Arena Fonte Nova. Depois de um período longe dos holofotes na América do Sul, os Diabos Vermelhos tentam recuperar o protagonismo continental e guardam uma história cheia de reviravoltas, com direito a tri-vice da Libertadores, polêmicas com escudo e relação muito próxima com o narcotráfico colombiano.
O momento atual do América de Cali reflete muito o que já foi a história desse clube quase centenário, fundado em 1927. A equipe vive fase turbulenta fora de campo, com recente troca de treinador e desempenho que não anima muito os torcedores dentro das quatro linhas, como explica o jornalista William Méndez Santacruz, da rádio La Estación Deportiva.
— O América trocou de treinador, e esse é um dos grandes problemas que o clube tem enfrentado. Contrataram um técnico com pouca experiência à beira do campo. Ele comandou apenas dois times. E sobre o início no campeonato [Clausura], não passou de um empate. Antes disso, teve um amistoso contra o Deportivo Pereira, que terminou empatado em 1 a 1. O técnico Diego Gabriel Raymondi está no cargo há aproximadamente 15 dias. Literalmente chegará para o jogo completando esses 15 dias. O América o oficializou antes do dia primeiro, mas os trabalhos em campo começaram apenas no dia primeiro deste mês — iniciou.
— Sinceramente, dentro de campo, não se pode esperar muita coisa. Como te disse, é um time que está há apenas 15 dias com um novo técnico, que chegou para substituir Jorge "Polilla" da Silva, um ídolo histórico do clube escarlate, que saiu por divergências com a diretoria.
Essa é mais uma entre tantas tentativas dos Diabos Vermelhos para encontrarem um caminho que já foi glorioso, mas aos poucos se perdeu no início deste século.
O início de tudo
A história do América de Cali começa de forma bem curiosa. Um grupo de amigos apaixonados por futebol realizaram uma reunião em uma barbearia no centro de Cali, no dia 13 de fevereiro de 1927. Foi desse encontro que surgiu o time, que disputou, inicialmente, campeonatos amadores na região conhecida como Vale do Cauca.
De início, o uniforme do América de Cali era todo branco com uma faixa diagonal vermelha. Só depois que o clube adotou o vermelho que predomina até os dias de hoje. O time colombiano nasceu com forte apelo popular em Cali, era tido como o time das massas, ao contrário do rival Deportivo Cali, considerado o clube das elites.
Os Diabos Vermelhos, inclusive, ajudaram a alavancar o futebol profissional colombiano e, em 1948, participaram da primeira edição do torneio organizado pela Dimayor, então a liga profissional colombiana. Nos primeiros anos, porém, o time teve desempenho irregular por falta de investimentos.
Para completar, Benjamín Urrea, um dos sócios-fundadores do América, mais conhecido como Garabato, não gostou da filiação com a Dimayor e resolveu lançar uma maldição:
— Que o tornem profissional, que façam o que quiserem com o time… que, por Deus, o América nunca será campeão.
— Quando me chutaram para fora, depois de ter servido tanto ao time, fui a um bar chamado ‘El Hoyo’, localizado na 3ª avenida com a rua 17. Em meio a mulheres da vida, comecei a beber e peguei uma garrafa de aguardente. Apertei-a, levei-a até as costas e, um a um, amaldiçoei os jogadores e dirigentes do América. A maldição caiu sobre o time, porque nunca mais conseguiu ser campeão — teria dito Garabato.
E, por coincidência ou obra do destino, o América de Cali ficou nas sombras do futebol colombiano até 1979.
A era de ouro do América de Cali
Enquanto o América seguia em um longo jejum que durou mais de 20 anos, equipes como Deportivo Cali, Millonarios, Atlético Nacional e Santa Fe empilhavam títulos. Mas, em 1979, essa história mudou. Sob a direção do presidente Giuseppe “Pepino” Sangiovanni e de um dos maiores técnicos que já passaram pelo América, o Gabriel Ochoa Uribe, a equipe saiu da fila.
Antes do jogo decisivo contra o Unión Magdalena, um dos torcedores-símbolos do América de Cali, Antonio Ortega, mais conhecido como "Orteguita", recitou a seguinte frase, que até hoje fica na memória dos torcedores:
"Que o Senhor não nos tire esse título hoje. Hoje, 19 de dezembro de 1979, seremos campeões. E peço ao Senhor que não nos tire esse campeonato, e em nome dele beijarei a terra", disse antes de se ajoelhar e beijar o gramado do Estádio Olímpico Pascual Guerrero.
Foi assim que o América abriu caminhos para a sua era de ouro. Na década de 1980 o América de Cali conquistou um pentacampeonato consecutivo na Colômbia, entre 1982 e 1986, com direito a título conquistado em cima do rival Deportivo Cali em 1985 e 1986. À época, o time contou com um dos melhores elencos da história do futebol do país, com estrelas como Julio César Falcioni, Juan Manuel Battaglia, Gerardo González Aquino, Anthony “El Pitufo” De Ávila, Roque Raúl Alfaro, César Cueto, Guillermo La Rosa, Alex Escobar, Ricardo Gareca, entre muitos outros.
Mas tudo isso não foi à toa. Por trás de tanto investimento no América de Cali estavam os irmãos Rodríguez Orejuela, lideranças do poderoso cartel de Cali. Inicialmente, a ideia de Gilberto e Miguel Rodríguez Orejuela era investir no Deportivo Cali, mas a proposta foi recusada e, assim, eles partiram para o rival. Essa era uma das formas de lavar o dinheiro do tráfico de drogas em um dos cartéis mais poderosos da Colômbia. A mesma tática, inclusive, foi usada por Pablo Escobar com o Atlético Nacional, em Medellín.
Um trecho do livro "Sra. Escobar, Minha Vida com Pablo", biografia de Victoria Eugenia Henao, esposa de Pablo Escobar, ela dá uma dimensão da influência do cartel no América de Cali ao citar uma rodada de negociação dos bens do seu marido, que havia morrido semanas antes.
— [...] Fui chamada a Cali porque haviam surgido algumas dúvidas sobre a documentação de um avião e um helicóptero de Pablo. Como sempre, fui logo e cheguei à sede do Club América de Cali, em Cascajal, onde se encontravam umas quarentas pessoas. Por sorte, as ofensas e ameaças de morte já estavam no passado e o assunto do avião e do helicóptero foi resolvido com facilidade — relatou.
Mas todo esse investimento para chegar ao auge custaria muito caro ao clube no futuro.
A decepção na Libertadores
Protagonista nacionalmente, faltava ao América de Cali mostrar suas credenciais para o continente. E assim o fez. Os Diabos Vermelhos chegaram à final da Libertadores três vezes consecutivas (1985, 1986 e 1987).
Em 1985, o time perdeu por 5 a 4 nos pênaltis para o Argentinos Juniors (ARG) depois de empatar o terceiro jogo da final por 1 a 1. Na primeira partida, o time argentino venceu por 1 a 0, mas no segundo jogo o América devolveu o placar, o que exigiu um terceiro confronto para decidir o título.
Já em 1986, a equipe colombiana perdeu os jogo de ida e volta para o River Plate (ARG) por 2 a 1 e 1 a 0, respectivamente, e amargou o segundo vice-campeonato seguido. Mas o pior ainda estava por vir.
Em 1987, o América confirmou sua força continental e chegou a mais uma final. Mas, ao mesmo tempo, pairava no ar o medo de mais uma decepção, o que parecia impossível aos colombianos. Desta vez era a hora do título sair. Mas não foi bem assim.
No jogo de ida, em Cali, o time escarlate venceu o Peñarol por 2 a 0, naquele que parecia um prenúncio da glória eterna. Na segunda partida, em Montevideu, o time uruguaio ganhou por 2 a 1 e forçou um terceiro jogo, disputado em 31 de outubro, no Estádio Nacional de Santiago do Chile. O tempo normal da partida derradeira terminou em 0 a 0 e, se o placar persistisse na prorrogação, o título era do América de Cali. Mas, nos últimos segundos, com um jogador a menos, o que parecia impossível para os colombianos aconteceu, e o pesadelo voltou a assombrar.
Os sinais de TV na Colômbia caíram na reta final do confronto e muitos torcedores já comemoravam o tão sonhado título. Mas quando as imagens voltaram às telas, tudo ficou preto e branco para os escarlates. Era gol de Aguirre, gol do Peñarol. Aquele mesmo Diego Aguirre que virou treinador.
“Não vou narrar! Não vou narrar! É inacreditável… não vou narrar! Meu Deus, por quê? Por que sempre conosco, Senhor!? Gol do Peñarol…”
Para aumentar a decepção, o América amargou um novo vice em 1996, novamente para o River Plate, quando perdeu no agregado de dois jogos por 2 a 1 e viu o sonho continental ser adiado mais uma vez.
Do fundo do poço ao renascimento
Passada a época de ouro, você deve se lembrar que todo aquele investimento dos irmãos Orejuela no clube iriam custar caro no futuro. Esse futuro chegou a partir de 1995, quando o cartel de Cali passou a ser investigado, e um processo judicial foi instaurado contra Miguel Rodríguez Orejuela e todas as empresas que favoreciam a proliferação do tráfico. O América de Cali estava incluído neste pacote, conhecido como Lista Clinton, em referência ao presidente americano Bill Clinton.
Esse caso deu início a uma tragédia institucional no clube, que teve contas bloqueadas e sede tomada, além de outros ativos importantes. A equipe tabém não poderia receber pagamentos diretamente, operações que passaram a necessitar de terceiros, movimento propício para corrupção. Tudo isso contribuiu para afastar patrocinadores e gerar uma crise institucional sem precedentes.
O resultado não poderia ser outro: rebaixamento para a segunda divisão em 2011. O clube só saiu da Lista Clinton em 2013 e voltou à elite em 2016, quando venceu o Deportes Quindío por 2 a 1 no Pascual Guerrero, no dia 27 de novembro.
O escudo do América de Cali
Outro ponto interessante na história do América de Cali é a polêmica acerca do escudo. Com um diabo centralizado, o emblema do clube chegou a gerar controvérsias entre os próprios jogadores e comissão técnicas, sja por questões religiosas ou simbólicas.
Vários jogadores, por convicções religiosas, solicitaram não usar o escudo com o diabo. Um dos casos mais lembrados é o do goleiro Julio César Falcioni, que substituiu o tradicional emblema por um escudo desenhado por ele mesmo, com as iniciais ADC (América de Cali).
Durante a gestão técnica de Gabriel Ochoa Uribe, o escudo também foi modificado. O “Médico” tinha uma visão mística muito forte e, por decisão dele, o diabo foi removido do escudo naquele período. Em seu lugar, apareciam apenas as estrelas dos campeonatos conquistados.
Mais tarde, em 1997, por ocasião dos 70 anos do clube, decidiu-se recuperar o diabo no escudo, devolvendo-lhe sua identidade original. Apesar de algumas críticas, essa figura faz parte essencial do DNA do América de Cali, símbolo de seu caráter rebelde, popular e apaixonado.
Em 2019, o escudo foi mais uma vez modificado. Desta vez, incluiu uma tipografia mais moderna e a incorporação da letra "A" no centro do design. No entanto, essa versão durou apenas um ano, pois não conseguiu conquistar a torcida, e o clube voltou ao desenho tradicional.
É com seu escudo clássico e a sede de voltar a ser protagonista no continente que o América de Cali inicia, nesta terça, a batalha pela vaga nas oitavas de final da Sul-Americana.
Colaborou o jornalista William Méndez Santacruz.