Carlo Ancelotti é um cidadão do mundo que gosta de mergulhar na cultura local. Fluente em espanhol, inglês e francês, o italiano que comanda a seleção brasileira tem feito aulas de português desde junho para poder se comunicar diretamente com atletas e a torcida brasileira. A primeira prova das lições será nesta segunda-feira, com a convocação dos últimos dois jogos pelas Eliminatórias da Copa do Mundo.

A menos de um ano para o Mundial, o treinador tem focado nas aulas com conteúdo relacionado ao futebol, mas sem deixar de lado valores importantes sobre o seu comportamento diário.

Quem tem ajudado o italiano é Roberto Piantino, que mora em São Paulo e tem 45 anos. Fluente em sete idiomas, o professor fala português, inglês, catalão, italiano, alemão, francês e espanhol, além de ter grade conhecimento em russo, única das oito línguas que não ensina. Autodidata, ele aprendeu a falar com livros e também programas em canais internacionais de televisão.

Nas conversas com Ancelotti, ele faz uso predominante do português, mas também se comunica com o treinador em italiano.
"O Ancelotti é uma pessoa muito simpática, tranquila. Tem um senso de humor muito bom, mas também é muito focado. Eu dei uma aula sobre imperativos, com os verbos pegar, correr, mas ele logo já disse: 'eu não me comunico dessa forma, não uso imperativos e não é assim que transmito ordens e instruções'. Eu fiquei um pouco surpreso com a reação dele, mas isso faz todo sentido: ele não é um cara sanguíneo, não é aquela pessoa exaltada", disse Roberto Piantino, professor de Carlo Ancelotti, ao UOL.

As aulas, normalmente após o café da manhã, são agendadas com um ou dois dias de antecedência por mensagem e contam com a ajuda dos outros alunos para o encaixe dos horários.

"Ele tem aprendido muito rápido. É muito bom aluno. Nossa aula é por chamada de vídeo no WhatsApp. Ele nunca liga antes ou depois. É sempre pontual. Nem um minuto antes, nem um minuto depois. Quando ele quer marcar uma aula, ele me manda uma mensagem um ou dois dias antes. Minha agenda é cheia, mas eu conto com uma grande colaboração dos meus alunos para encaixar os horários com ele. Eles entendem. É o técnico do Brasil", continuou Roberto Piantino.

Além das aulas com Piantino, Ancelotti também tem usado aplicativos de celular para aprender mais rápido o português, na medida que tem a aprovação do professor. "Quem quer aprender uma nova língua precisa estar o tempo todo conectado com o idioma. Um dia o 'mister' me perguntou o que era pão de queijo e eu expliquei. Ele deve ter visto essa palavra no Duolingo — e eu acho ótimo isso. Sozinho, o aplicativo não vai te deixar fluente, mas ele ajuda muito no processo".

Além do famoso treinador italiano, Roberto tem dado aulas para outros profissionais ligados ao esporte. Até então, o mais conhecido era Arthur, do Bayer Leverkusen: o lateral-direito começou a estudar alemão em 2023, antes de ir para a Europa, e assim que conseguiu ser fluente, trocou os estudos para o inglês.

"O Arthur é um fenômeno linguístico. Em três meses, ele já conseguia se comunicar em alemão. Nas concentrações, ele fazia aula no corredor para não incomodar os colegas de quarto. Foram cinco meses com quatro a cinco aulas por semana", completou Roberto Piantino.

Glossário da bola de Ancelotti

As aulas de português para Ancelotti são específicas para quem trabalha com futebol e quer aprender a se comunicar no meio. O glossário do treinador da seleção conta com ensinamentos de posições, formação tática, materiais esportivos e palavras chaves do jogo.

"Ele quer aprender as palavras que são usadas no futebol e no Brasil. Um dia fui explicar para ele o que significa frango, que é uma falha clamorosa do goleiro, e ele deu risada. Não sei qual a origem da palavra, mas imagino que seja por ser difícil de pegar frango. Ele gosta dessas expressões", disse Piantino, que adota uma linguagem mais moderna com o treinador, como meio-campista defensivo e extremos em vez de volantes e pontas.

Por ter conhecimento de italiano, inglês, espanhol e francês, Ancelotti gosta de fazer relações do português com as outras línguas que ele domina. Quando as expressões são bem diferentes, ele pergunta e pede maiores explicações.

"Quando ele não sabe a palavra certa, ele usa o espanhol por ser uma língua próxima ao português. Mas tem muitas coisas diferentes. Ele achou curioso chuteira. Em espanhol é bota, é bem diferente. Por eu gostar muito de futebol, eu consigo passar as palavras mais importantes e que serão utilizadas por ele no dia a dia com a seleção", revela Roberto Piantino.

Amizade com jornalista deu uma forcinha

Piantino começou a ter mais relações com o futebol profissional a partir da amizade com o jornalista Mauro Beting. Um dos novos contatos foi com Fábio Seixas, atual diretor de comunicações da CBF, que recebeu o currículo do professor de línguas e apresentou a Carlo Ancelotti. O italiano gostou do que viu e o chamou no dia seguinte após a vitória da seleção sobre o Paraguai por 1 a 0.

Formado em Comércio Exterior, Piantino desistiu de seguir na área e começou a dar aulas em escolas de inglês em 2007. Parou em 2014, quando começou a trabalhar de forma particular. Com a pandemia, não pôde mais ensinar de forma presencial e teve de se reinventar. Foi quando começou a ter mais contato com o meio esportivo.

"Perdi 100% da minha renda na pandemia porque eu dava aula presencialmente para os alunos. Mas isso me abriu portas. Comecei a dar aulas para jornalistas, treinadores, observadores e dirigentes. Também fui contratado pelo Akritas Chlorakas, clube do Chipre, para ensinar inglês aos atletas e agora vivo o momento mais especial da minha carreira. Não desmerecendo nenhum aluno, mas dar aula para o Ancelotti é inigualável", disse Roberto Piantino.

Ancelotti quebra desinteresse de gringos

Ancelotti foge de um perfil que tem sido tratado como comum no Brasil: o do desinteresse pelo português. Treinadores como Jorge Sampaoli, Edgardo Bauza e Ramón Diaz passaram anos no país e não fizeram nenhum esforço para aprender a falar o idioma local.

A negação de idioma também acontece no lado brasileiro, com a maioria dos treinadores restrita ao português e com um mercado internacional cada vez mais fechado. Um dos poucos que destoa nesse cenário é Sylvinho, técnico da Albânia e fluente em inglês, espanhol e italiano. Com um trabalho que não durou um semestre no Lyon em 2019, ele foi o último técnico do país a trabalhar em uma das cinco ligas mais ricas do mundo nos últimos dez anos.

"O mister tem uma fala no livro dele que eu gosto muito que é: 'nunca se deve deixar de aprender'. Eu acho essa frase muito poderosa por ela ser de quem é e pelo tamanho que ele tem.

Mesmo assim, ele segue interessado em aprender. Nós temos tantos técnicos brasileiros que reclamam de não ter mercado no exterior, mas eles nunca se preocuparam em aprender um idioma novo", finaliza Roberto Piantino.

O legado de Ancelotti por aprender novos idiomas foi bem compreendido pelo filho Davide Ancelotti. Logo na apresentação como novo técnico do Botafogo em julho, ele conseguiu se comunicar em português e ganhou elogios do professor do pai.

"Não é comum alguém aprender tão rápido assim. Eu falei para o Ancelotti que o filho dele é um fenômeno. Bom pai que ele é, ele concordou e ficou orgulhoso".

A primeira prova de Carlo Ancelotti após as aulas de português será nesta segunda-feira, às 15h30, com a convocação da seleção brasileira para os jogos contra Chile, dia 4 no Maracanã, e Bolívia, dia 9, fora de casa, em El Alto. O Brasil é o terceiro colocado das Eliminatórias e já garantiu vaga na Copa do Mundo de 2026.

(THIAGO RABELO/FOLHAPRESS)