“Para mim, coloradagem é isso! O jogo começa muito antes e termina muito depois”. A frase talvez resuma o que é ser torcedor. Não aquele que chega na hora do jogo, assiste e vai embora. Mas os que vivem seu time do coração, no caso, o Internacional, com paixão. E a todos os momentos. E é assim que é Anderson Valença, 29 anos. Morador do bairro Humaitá e seguidor do Colorado nas boas e nas ruins, ele é conhecido nas arquibancadas do Beira-Rio como Discípulo de Rao.
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Antes de falar do nosso personagem, vale um pouco de História, para entender o apelido. E quem nos conta é o próprio Anderson:
– Discípulo de Rao é uma homenagem ao maior colorado de todos os tempos, que a gente considera. E por isso as pessoas comparam, mas não sou nem 1% do que ele foi. Quem dera...
E quem é esse colorado? Trata-se de Vicente Rao, que tem discípulos até hoje. Com a palavra, Anderson, mais uma vez:
– Rao foi Rei Momo de Porto Alegre, o que permaneceu mais tempo, era muito ligado ao Carnaval. Na época, o convencional era os torcedores irem ao estádio de terno e gravata, bater palma quando tinha gol. Ele começou a misturar o Carnaval com futebol, trazia foguete, serpentina, essas coisas.

E foi assim que, Rao criou, na metade da década de 1940, a primeira torcida organizada do Rio Grande do Sul. Rao chamou atenção de Anderson durante uma oficina realizada pela Guarda Popular, uma das organizadas do Inter. Outros detalhes sobre o colorado histórico chamaram a atenção de Anderson.
– Ele era um cara antirracista, antiviolência, fazia ações sociais, tudo que batia com a gente que queria fundar um movimento. A gente não tinha nome ainda e resolvemos batizar de Discípulos de Rao – explica o "discípulo mor".
Mas o que fazem os Discípulos?
– É só um movimento de ação social. A gente faz ações o ano inteiro, volta às aulas, Dia da Mulher, Páscoa, Natal... Coleta doações e distribuiu na nossa comunidade. Fazemos ações pontuais também, como no inverno para ajudar a população de rua, doar tinta para quem não tem condições de pintar sua casa.
Colorado desde criancinha
Voltando à coloradagem do nosso personagem, Anderson é autônomo, sempre atrás de trabalho. Mesmo assim, é sócio e não perde nenhum jogo no Beira-Rio. Como faz para estar em todas as partidas?
– Da forma autônoma como trabalho, sempre guardo uma graninha para pagar a mensalidade e o ingresso. Dando prioridade sempre para o Inter. Depois a gente vê as outras contas.
O primeiro jogo de Anderson no Beira-Rio foi em 2000. Foi um Inter e Vasco, pela Copa João Havelange, recorda:
– Aquele time do Vasco viria a ser campeão brasileiro daquele ano. E o Inter ganhou por 2 a 0. Dois gols do meu primeiro ídolo, o Rodrigão. Eu tinha cinco para seis anos.
Beira-Rio é o segundo endereço de Anderson
Desde essa época, começou a frequentar as arquibancadas. Ora com os pais. Ora com os tios – uma das tias é Líria Lúcia, primeira goleira do time feminino do Inter. A família colorada mora no Humaitá, bairro onde hoje fica a casa do maior rival colorado. Isso não incomoda Anderson.
– Eles que vieram depois. Eu nasci no Humaitá. É a minha casa. Eles vieram só em 2013 – diz.
Aos dez anos, o Discípulo de Rao foi ao primeiro jogo sozinho. Precoce?
– Fugi da minha mãe e vim sozinho para o jogo. Quase matei ela do coração. Mas ela entendeu minha paixão. Com 14 15 anos comecei a vir sozinho ou com amigos. Venho sempre.
E aqui, Anderson explica o que é “coloradagem”, da frase que abre o texto. Ele nos detalha o ritual de um domingo qualquer jogo às 16h:
– Às 9h gosto de estar por aqui, para fazer o pré-jogo no Marinha [parque que fica ao lado do Beira-Rio], comer um churrasco. É todo um ritual até acontecer o jogo. Para mim, coloradagem é isso. Não consigo chegar e entrar na hora. O jogo começa muito antes e termina muito depois, para tirar as faixas...
Dois momentos que não saem da cabeça
Questionado sobre o jogo e o título mais memoráveis, Anderson não titubeia. Primeiro, a partida:
– Vou te falar de uma virada... Foi Inter e Paraná na Copa do Brasil de 2008. O Inter tinha perdido a ida por 2 a 0. Aqui, tomou mais um. Estava liquidado, 3 a 0. O Beira-Rio lotado. O Inter tomou gol com três minutos, com dez, o Índio e o lateral Jonas se chocaram e o lateral teve que sair. Na vaga dele entrou o Andrezinho. A partir daí, o jogo mudou. O Inter empatou 1 a 1, 2 a 1, 3 a 1, mas ainda estava fora. Até que o Inter fez 4 a 1 e 5 a 1. Foi memorável...
E o título:
– Foi a Libertadores 2010. Eu não tinha nem ingresso... Tinha muito mais gente fora do que no estádio. Subi a rampa para tentar alguma coisa. Quando cheguei lá em cima, falei para a moça da roleta: “Bah, moça, tenho 15 anos...” Ela pediu documento, e eu nem identidade tinha. Mostrei meu cartão de ônibus... E ela só disse, “Vai guri, passa”... E eu passei por baixo da roleta. Nunca vou me esquecer.
Foi mais uma coloradagem. E é isso ser torcedor, ser apaixonado por um time. E ainda por cima usar o nome do clube para ajudar os outros. O resto é torcida nutella.
