Vistas grossas?

Mar de dinheiro do futebol árabe compensa 'o risco' para os craques?

Com oferta de salários astronômicos, mas liga ainda em desenvolvimento, até que ponto ir para a Arábia pode ser um risco na carreira de atletas consagrados?

Por Frederico Teixeira
Publicado em 30 de junho de 2023 | 06:05
 
 
 
normal

Envolvido em questões sociais e ativo até mesmo em eventos organizados pela ONU, Cristiano Ronaldo foi muito criticado ao aceitar a proposta para se transferir para o Al Nassr. Afinal, como um dos atletas mais bem pagos do mundo, com maior número de seguidores nas redes sociais e dono de fortuna multimilionária aceitou 'se vender' para servir inclusive de garoto propaganda para um país em que as mulheres não têm os mesmos direitos e a população LGBTQUIA+ também é perseguida?

A crítica se repete agora também em relação ao francês Benzema, contratado pelo Al Itthihad. Mas, afinal, como fica a 'imagem' dos atletas nesse caso? Vale a pena 'correr o risco'?

"Uma questão é a visão dos jogadores para ir para Arábia. Quando aceitam ir, têm muito a pensar sobre. CR7, Benzema, têm muito a pensar, até pelo que já construíram na carreira até agora. Mas para jogadores que não têm apelo midiático, aí é pela grana mesmo. Quem não construiu (na carreira), não tem como negar. Até teria que se preocupar, mas nunca se preocupou, não é agora que vai", analisa Vinícius Lordello, especialista em gestão de crise e imagem no futebol.

O especialista acredita que o caso do investimento no futebol árabe é "também Sportswashging, mas não só isso".

"Tem um desejo, uma vaidade de ser forte. De assumir protagonismo na área. Na minha visão, neste caso o desejo de demonstrar poder é mais forte do que a tentativa de reposicionamento de imagem em função das críticas ao desrespeito dos Direitos Humanos. Se estivesse acontecendo em um país que estivesse se reorganizando... mas não estão preocupados com isso", acrescenta.

Para ilustrar sua fala, ele cita o caso de Messi, que esteve próximo de se transferir para a Arábia, pouco depois de se sagrar campeão mundial pela Argentina, mas acabou optando por ir disputar a MLS, nos Estados Unidos. "Messi não deixou de ir pra Arábia por essas questões. Se fosse por isso, não teria fechado para ser garoto propaganda (é embaixador do turismo da Arábia Saudita)".

Lordello entende que o risco que jogadores correm é de que a 'aventura' seja efêmera.

"Se (os árabes) estivessem pensando a longo prazo, não seria só o Cristino Ronaldo e o Benzema. Se fosse assim, iriam usar muito desse dinheiro para estruturar a Liga. Distribuíriam esse dinheiro. Ao invés de ter 10 jogadores nota 10, poderia ter 20 nota 5, aumentando o nível da liga como um todo. O Japão, por exemplo, quando levou o Zico, também reorganizou sua Liga. Aproveitou a chegada do Zico, aliado a forte trabalho de reestruturação para chegar onde chegou. Resta saber se Arábia saudita vai fazer um movimento neste sentido", questiona.

Engajamento

Glenda Perdigão, especialista em questões relativas a direito de imagem de atletas, tem visão semelhante a respeito do 'fenômeno árabe'. Ela ressalta que o investimento que vem sendo realizado no esporte do país faz parte de um projeto muito maior.

"A Arábia Saudita vem fazendo um movimento muito interessante, ainda que lento, de abertura para o 'mundo moderno', a começar pela abertura e investimento no turismo, que era algo impensado há poucos anos. Hoje, o governo saudita tem um projeto de médio/longo prazo que tem o esporte como um dos principais pilares, e nada melhor que nomes já consagrados no mundo todo pra atrair atenção, aumentar competitividade da liga e criar desejo para o produto. É uma movimentação que vejo com ótimos olhos, que indica um futuro otimista para a Arábia Saudita", destaca.

Glenda acrescenta que a presença de jogadores de 'nome' pode ser vista como fator essencial dentro desse projeto dos cartolas árabes. "Tudo vai funcionando como uma perfeita engrenagem: a comunidade local, que já tem o futebol como esporte favorito, se engaja no projeto vitorioso, se sente parte de algo maior, a identidade se fortalece e o apoio é parte natural do processo. Com o tempo, esse apoio vai ganhando escala e impactando diretamente fãs do futebol de outros países'. 

E a especialista afirma ter expecativa positiva para o futuro da Liga Árabe. "Estou convicta de que essa movimentação que a Arábia Saudita está fazendo não é em vão. Não acredito mesmo que o que estão fazendo é uma tentativa de esconder coisas ruins com o esporte. Eles não precisam disso. Era só ficar em silêncio e manter como estava. Eu acredito mesmo que é uma movimentação muito interessante que o país está fazendo para a modernização. É lógico que é um país historicamente conturbado neste aspecto de Direitos Humanos, mas é um indicativo muito forte de que eles estão abertos à mudança. Eu tendo a ser otimista", finalizou.  

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!