O Fluminense sabe que, no Mundial de Clubes, o peso da camisa nem sempre vence. A vitória por 4 a 2 sobre o Ulsan ficou para trás, e o próximo desafio, contra o Mamelodi Sundowns, da África do Sul, reacende fantasmas que atormentam o futebol brasileiro desde a criação do torneio. Afinal, o Mundial guarda na memória tropeços dolorosos — e inesquecíveis — diante de clubes africanos.

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O torcedor não esquece. Em 2010, o Internacional, então campeão da Libertadores, caiu de forma traumática na semifinal para o Mazembe, da República Democrática do Congo, por 2 a 0. A cena do goleiro Kidiaba, sentado no gramado e quicando no chão em sua comemoração peculiar, virou símbolo de um dos maiores vexames da história colorada. Três anos depois, foi a vez do Atlético-MG, de Ronaldinho Gaúcho, ser derrotado por 3 a 1 pelo Raja Casablanca, do Marrocos, também na semifinal.

Mamelodi Sundowns (Foto: Michael Reaves / Getty Images North America / Getty Images via AFP)

A diferença é que, mais de uma década depois, uma eventual derrota para o Mamelodi Sundowns não carregaria o mesmo peso de vexame que existia no passado. O futebol africano deixou, há algum tempo, de ser surpresa. A evolução técnica, tática e estrutural é evidente, reflexo direto de um processo de internacionalização, desenvolvimento de centros de treinamento, investimento em categorias de base e exportação de talentos.

Essa evolução no continente também se reflete na distribuição dos títulos. Nos últimos anos, clubes de diferentes países passaram a conquistar a Liga dos Campeões da África. Camarões soma cinco títulos; Gana, quatro; Nigéria, três; Costa do Marfim e República Democrática do Congo, dois cada; o mesmo número de Argélia. Zâmbia, Tunísia, Sudão, Senegal, Etiópia, Marrocos, África do Sul e Congo aparecem com uma conquista cada.

O próprio Mundial de Clubes já vinha dando sinais. Em 2020, o Palmeiras, campeão da Libertadores, perdeu nos pênaltis para o Al-Ahly, do Egito, na disputa pelo terceiro lugar. E a ascensão de clubes como o próprio Mamelodi Sundowns, que domina o futebol sul-africano e se fortaleceu na Liga dos Campeões da África, é mais um exemplo claro desse crescimento.

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A Copa do Mundo de 2022 foi um retrato fiel dessa transformação. O Marrocos fez história ao terminar em quarto lugar, eliminando gigantes como Espanha e Portugal, e quebrando barreiras que pareciam intransponíveis para seleções africanas. No mesmo Mundial, Senegal, mesmo desfalcado de Sadio Mané, avançou às oitavas de final em um grupo com Holanda, Equador e Catar. E o Brasil, mesmo com um time alternativo, amargou uma derrota para Camarões, outro representante do continente.

Aliou Cissé, então técnico de Senegal na Copa do Mundo de 2022, chegou a dizer que todo esse trabalho na evolução dos jogadores, dos treinadores e da estrutura faz com que o continente africano seja, no século XXI, uma das casas do futebol.

Antes, Camarões foi medalha de ouro nas Olimpíadas de Sydney, em 2000, e vice-campeão da Copa das Confederações de 2003. Senegal surpreendeu o mundo na Copa de 2002 ao vencer a França na estreia e chegar às quartas de final. Gana, campeã mundial sub-17 em 1991 e 1995, também alcançou as quartas na Copa de 2010, caindo para o Uruguai em um jogo marcado na história.

Salah é um dos favoritos para Bola de Ouro (Foto: Paul Ellis/AFP)

Jogadores históricos

O continente africano sempre foi um celeiro de craques. Hoje, alguns dos maiores nomes do futebol mundial vêm de lá. Mohamed Salah, estrela do Liverpool; Sadio Mané, que brilhou no mesmo clube e segue como referência internacional; Riyad Mahrez, campeão da Champions pelo Manchester City; e Achraf Hakimi, peça fundamental do PSG. Antes de todos eles, George Weah foi eleito o melhor jogador do mundo em 1995 — até hoje, o único africano a conquistar esse feito, que pode ganhar um novo nome; Salah, um dos favoritos neste ano. Todos são frutos desse novo cenário, que combina talento natural com desenvolvimento profissional.

Assim como em qualquer parte do mundo, o futebol entrou definitivamente na era da globalização. E aquela velha máxima de que “não existe mais bobo no futebol” nunca fez tanto sentido como agora. O Fluminense sabe disso — e encara o Mamelodi ciente de que, no Mundial, quem subestima, volta mais cedo para casa.