Cultura
Maiores blocos de Carnaval de BH lançam manifesto pedindo 'socorro' à PBH
O texto é assinado pelos grupos Chama o Síndico, Então Brilha, Havayanas Usadas, Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro, Sagrada Profana e Samba Queixinho
Em carta aberta direcionada à prefeitura, divulgada nesta segunda-feira (25), seis dos maiores blocos de Carnaval de Belo Horizonte fazem um pedido de diálogo – e de socorro – ao Executivo. O texto, assinado pelos grupos Chama o Síndico, Então Brilha, Havayanas Usadas, Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro, Sagrada Profana e Samba Queixinho, afirma que há “completa omissão” do poder público e privado.
“Chama a atenção a completa omissão do poder público - e mesmo do setor privado que tem sido largamente beneficiado pelo renascimento da festa em nossa cidade. Seja no âmbito municipal, seja no estadual, nada tem sido feito a respeito de uma subvenção para a sobrevivência dos trabalhadores da cadeia produtiva do carnaval sem os quais não há blocos de rua, blocos caricatos e escolas de samba”, argumenta o texto.
“Mesmos os recursos vindos através da Lei Aldir Blanc foram insuficientes, tanto porque se voltavam ao setor cultural como um todo, como porque, sobre os valores recebidos, recaíram pesados impostos restando quantias tímidas frente aos gastos necessários. Além disso, a falta de especificidade à realidade do carnaval constitui-se outro complicador para acessar os valores”, completa.
No manifesto, os blocos argumentam que, apesar de terem sido grandes catalizadores de arrecadação de impostos e movimentação da economia nos últimos anos, a prefeitura não “retribuiu” o que fizeram pelo cenário econômico de Belo Horizonte.
Dentre os números citados no documento, há um levantamento feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, sobre a folia de 2018 na capital. Os dados mostraram que a festa movimentou R$ 290 milhões, teve impacto de R$ 165 milhões no Produto Interno Bruto (PIB) da cidade, promoveu R$ 12 milhões de arrecadação em impostos indiretos líquidos para o município e gerou mais de 6.500 empregos.
“É injusto que a prefeitura e o governo do estado tenham arrecadado tantos impostos com o renascimento do carnaval de rua, mas no momento de dar um mínimo de suporte àqueles que foram os protagonistas deste fenômeno, nada façam. O mesmo ocorre com grandes empresas produtoras de cerveja que assistiram seu lucro aumentar ano após ano, mas agora sumiram”, segue o manifesto.
O documento não aponta caminhos certos para resolução do problema, mas indica algumas iniciativas Brasil afora, como editais de manutenção dos blocos de Carnaval publicados pelas prefeitura do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Mariana Fonseca, porta-voz do Então, Brilha, maior bloco da capital, que, em 2020, levou mais de 500 mil pessoas para o cortejo, diz que o manifesto é, acima de tudo, “um pedido de socorro” para as “centenas de pessoas” impactadas pela paralisação do setor.
“A situação do (Então,) Brilha é parecida com o setor do Carnaval, e o da cultura. Foi um dos primeiros a ser impactado, e deve ser o último a voltar. A natureza do nosso trabalho é a aglomeração. Não temos mais patrocínio, todos se encerraram, todas as atividades que faríamos para capitalizar o bloco foram inviabilizadas. Nosso caminho é sempre o do diálogo. Isso foi um grito de socorro. Espero que a Belotur abra o diálogo. Não queremos judicializar nada, estamos fazendo um grito de socorro para tentar fazer uma situação conjunta. A situação econômica não é só de Belo Horizonte, mas no mundo. O que desejamos é uma busca de uma solução construída coletivamente”, defende.
Gustavo Caetano, do Samba Queixinho, relata que houve, na última semana, uma conversa com a Belotur sobre a situação dos blocos. Contudo, no encontro, o tom adotado pelo Executivo foi, segundo ele, de que “não há dinheiro” para inciativas do tipo em BH
“Não vamos fazer carnaval, somos contra a aglomeração, e a favor de todas as medidas contra a Covid-19. Alguns blocos foram procurados pela Belotur para começar um diálogo, eu conversei, para falarmos sobre os repasses para ajudar os trabalhadores do carnaval de rua. Essa é a nossa conversa. Abrimos um diálogo com a prefeitura sobre isso, houve um repasse via (lei) Aldir Blanc, mas foi insuficiente para a gente se manter. Essa época seria a que trabalharíamos mais. Tem um ano que não podemos trabalhar”, lamenta.
“O que nos foi passado é que estão entendendo de que forma podem nos ajudar, mas a conversa inicial foi de que não tem dinheiro para ajudar. Mas o Carnaval gera muita renda, muita visibilidade, aquece a economia da cidade, trás muito turista. Estamos precisando de um auxílio, e está bem insuficiente”, completa Caetano.
Matheus Brant, músico e fundador Me beija que Sou Pagodeiro, por outro lado, argumenta que o setor não precisa de diálogo, mas de “ações concretas” para sobreviver. “O manifesto não pede nem diálogo, pedimos ação prática. Diálogo existe, diálogo sem ação. Embora não tenha havido uma reunião formal, o trocar de ideias existe. Não tem é o concreto. E, muito menos, ação efetiva. Ao que parece, essas instâncias estão embasadas nos repasses da Aldir Blanc, mas não é verdade (que foi suficiente)”, alega.
Brant informa que o bloco Me Beija que Sou Pagodeiro recebeu, pela lei federal, R$ 6 mil para se manter, em uma única parcela. Só no núcleo principal do grupo, são 15 pessoas que dependem da folia para sobreviver. A cadeia produtiva que o bloco movimenta no período do Carnaval, diz o músico, é de cerca de 50 pessoas. Com o dinheiro repassado, foi possível, apenas, garantir um contador e parte de investimentos em mídia social.
“Nesse período, dos desfiles, cortejos, a cadeia produtiva que trabalharia seriam 50 pessoas. São essas que receberiam esses valores, e não vão receber nada. O que estamos pedindo é um edital de manutenção, para manter as contas, comer, viver. É insuficiente (o que foi feito)”, clama.
Prefeitura diz que tem mantido diálogo
Em nota, a prefeitura de Belo Horizonte afirmou que “segue focada nas ações de combate à pandemia” e que, por meio da Belotur, “tem mantido o diálogo constante com toda a cadeia produtiva do Caranval” da cidade.
“A Prefeitura de Belo Horizonte informa ainda, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e da Fundação Municipal de Cultura, que, através da implementação dos benefícios da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, foram contemplados profissionais e grupos ligados ao Carnaval de Belo Horizonte, que foram beneficiados com o total de R$ 657 mil, ainda em 2020. Desse valor, foram repassados R$ 147 mil a 23 proponentes do setor aprovados no inciso II da Lei, que diz respeito ao repasse do subsídio emergencial para a manutenção de espaços culturais, micro e pequenas empresas, cooperativas, instituições e organizações comunitárias que atuam no setor cultural”, diz o texto encaminhado à reportagem.
O Executivo argumenta, ainda, que “outros R$ 510 mil reais foram destinados a 12 proponentes por meio do Edital de Premiação da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, correspondente à implementação do inciso III da Lei, que previa justamente a realização de editais, chamadas públicas ou prêmios para repasse dos recursos”.
“Entre os beneficiados pela Lei Aldir Blanc em Belo Horizonte, estão blocos e escolas de samba tradicionais, das diversas regiões da cidade, incluindo o Bloco Caricato Os Inocentes de Santa Tereza, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz de Venda Nova, a Fanfarra Feminina Sagrada Profana, o Bloco Afro Angola Janga e o Então Brilha, entre muitos outros”, completa a nota.
Leia o manifesto na íntegra:
“Roncou, roncou
Roncou de raiva a cuíca
Roncou de fome
(...)
A fome não dá pra interromper”
Depois de ter fundado uma das maiores escolas de samba do país e ter sido gravado pelos maiores nomes da música da época, ele desapareceu da cena artística até ser reconhecido por um importante jornalista lavando carros na garagem de um prédio. O encontro mudou a vida do sambista e da música brasileira.
É a história do Cartola, mas parece ser a de tantos artistas do carnaval da nossa cidade que, para manterem-se vivos nesta pandemia, abandonaram suas profissões para trabalhar em subempregos como uber e entregadores de aplicativo. Isso quando não mudaram completamente de vida indo morar na roça.
Com a inviabilidade de se realizar a festa neste ano somado ao encerramento do Auxílio Emergencial, a coisa se complica ainda mais. Já faz alguns anos que os trabalhadores do carnaval contam com a renda gerada em Janeiro e Fevereiro. Não se trata de receita extraordinária, mas sim de dinheiro que entrava na previsibilidade orçamentária das famílias para o ano inteiro.
Diante desse cenário, chama a atenção a completa omissão do poder público - e mesmo do setor privado que tem sido largamente beneficiado pelo renascimento da festa em nossa cidade.
Seja no âmbito municipal, seja no estadual, nada tem sido feito a respeito de uma subvenção para a sobrevivência dos trabalhadores da cadeia produtiva do carnaval sem os quais não há blocos de rua, blocos caricatos e escolas de samba.
Mesmos os recursos vindos através da Lei Aldir Blanc foram insuficientes, tanto porque se voltavam ao setor cultural como um todo, como porque, sobre os valores recebidos, recaíram pesados impostos restando quantias tímidas frente aos gastos necessários. Além disso, a falta de especificidade à realidade do carnaval constitui-se outro complicador para acessar os valores.
É ilusão achar que esses recursos - diga-se, de origem federal - foram capazes de prestar a necessária manutenção da cadeia produtiva do carnaval aqui pretendida. Quando muito, deram breve alívio às dívidas já acumuladas.
Tanto é assim que a prefeitura do Rio de Janeiro - que também distribui recursos da Lei Aldir Blanc - prometeu lançar edital de manutenção específico para o carnaval.
É injusto que a prefeitura e o governo do estado tenham arrecadado tantos impostos com o renascimento do carnaval de rua, mas no momento de dar um mínimo de suporte àqueles que foram os protagonistas deste fenômeno, nada façam.
O mesmo ocorre com grandes empresas produtoras de cerveja que assistiram seu lucro aumentar ano após ano, mas agora sumiram.
Conforme levantamento feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, o carnaval de 2018 gerou para o município de Belo Horizonte:
- Movimentação de R$ 290 milhões;
- Impacto de R$ 165 milhões no PIB;
- R$ 12 milhões em impostos indiretos líquidos;
- Mais de 6.500 empregos
São números que vem numa crescente como mostram dados no Ministério do Turismo via Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC, que dão conta de que o estado de Minas Gerais teria recebido, no carnaval do ano passado, uma injeção em sua economia da ordem de 749,8 milhões de reais com ocupação da rede hoteleira em 80%, estimativa de público de 5 milhões, número de blocos de rua: 453 e ambulantes cadastrados: 14.696 - tudo isso só em BH.
E isso, sem falar no legado de dimensão cultural que envolve não apenas a formação e capacitação de músicos, passando pela criação artística de fantasias, adereços, cenografia etc, mas também alcança um sentido essencial para a vida em sociedade: afirma-se uma identidade das pessoas com a cidade onde vivem num senso de pertencimento cujos benefícios extrapolam em muito os aspectos puramente financeiros.
Mesmo que não fosse por uma razão moral, não é, estrategicamente, producente a médio prazo asfixiar aquelas pessoas que logo em seguida irão proporcionar novamente mais ganhos em impostos e receitas.
Na hora de morder uma beiradinha, todo mundo canta o alalaô ooooo, mas na hora de dividir o quinhão é o Ô abre alas que eu quero passar - batido - que impera.
No mês em que Minas Gerais é eleita pelo Traveller Review Awards 2021 um dos dez destinos turísticos mais acolhedores do mundo, é paradoxal que, precisamente, não cuidemos dos nossos. Para os de fora, tudo, para os de casa, nada.
Podemos nos dar ao luxo de ver o carnaval de rua de bh morrer mais uma vez ?
Vamos repetir os erros históricos e, mais uma vez, deixar de valorizar o que de melhor temos como aconteceu com o Cartola?
A cuíca que, hoje, está roncando de fome, se nada for feito, vai se calar e BH voltará a ser o “túmulo do samba” no carnaval de 2022.
Assinam:
Chama o Síndico
Então Brilha
Havayanas Usadas
Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro
Sagrada Profana
Samba Queixinho
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