Emprego

Profissionais em extinção: escassez de mão de obra afeta mercado

Em Minas, 76% dos empresários têm dificuldade para contratar

Por Jonatas Pacheco
Publicado em 26 de abril de 2024 | 05:00
 
 
 
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“Meu pai era marceneiro e comecei a trabalhar com ele. Quando meu pai morreu, eu e meu irmão seguimos adiante com o legado. Passei por tudo que é área (na construção civil) e atualmente sou mestre de obras. Assim que meus filhos foram crescendo, eu os trouxe para esse mundo também.” A história da família de Gésio Silvânio, de 47 anos, se encaixa na de muitos brasileiros que herdaram dos pais a profissão.
 
Mas esse ciclo vem se rompendo, segundo dados e análises de especialistas. A falta de mão de obra em áreas mais braçais e essenciais tem apresentado um novo cenário: a de filhos que até aprendem a função dos pais, mas não se adaptam e buscam atuação menos pesada fisicamente e mais intelectual e virtual. 
 
“Esse modelo de trabalho pós-pandemia, com home office e flexibilização da jornada, tem agradado. As pessoas mais jovens optam por ter uma menor carga, um menor esforço”, diz a diretora de gestão de atendimento ao trabalhador da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais, Ângela Souza. A partir desse fenômeno, constata-se um contrassenso: há vagas de trabalho em algumas carreiras – especialmente as que não exigem formação superior –, em um cenário de alta taxa de desemprego no país.
 
Segundo o último balanço do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em janeiro, havia 8,5 milhões de pessoas desocupadas no Brasil em 2023. Em compensação, o Sistema Nacional de Emprego (Sine) tem atualmente 13,4 mil vagas de trabalho em aberto só no Estado mineiro.
 
Pesquisa realizada pelo ManPowerGroup, multinacional de seleção e recrutamento de profissionais, mostra que o índice de escassez de talentos em Minas é de 76% e, no Brasil, 80% – percentual que corresponde à quantidade de empregadores que não conseguem preencher o quadro de pessoal. Nesse contexto, a área de bens e serviços (pedreiro, servente, carpinteiro, auxiliar de cozinha, faxineira etc) é a mais problemática, com 82% dos empresários com dificuldade.
 
Na construção civil, um levantamento feito pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção de São Paulo (Sintracon-SP), no fim de 2023, apontou que faltam 30 mil profissionais para atender o mercado imobiliário, um verdadeiro ‘apagão’ de mão de obra, como aponta Renato Michel, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG).
 
“Tivemos um boom do setor imobiliário na pandemia. As pessoas entenderam que ter um bom imóvel é qualidade de vida. O número de obras aumentou muito, mas não conseguimos acompanhar. Está difícil contratar”, disse.
 
Agora, a família de Gésio acompanha essa nova tendência: o filho mais novo dele, Jhonatan Rodrigues, de 26 anos, era ajudante do pai, fez faculdade de engenharia civil e hoje trabalha na mesma construtora que ele, em BH, na supervisão de obras. O filho do meio, Jheferson Rodrigues, de 27, se tornou carpinteiro.
 
"Comecei com meu pai quando eu tinha 19 anos. Gosto muito da área, mas o trabalho era muito braçal, envolvia muito esforço físico. Por isso decidi cursar Engenharia Civil. Me mantive na construção civil, mas com outra função", explicou Jhonatan Rodrigues.
 
Já o mais velho, Jonnatan Pinto, de 29, deixou a profissão de pedreiro para ter mais flexibilidade. “Tenho uma filha que necessita de cuidados especiais, e eu precisava levá-la ao médico com frequência. A empresa não entendeu minha situação e fui demitido. Atualmente, sou motorista de aplicativo”, disse.
 
Jonnatan é motorista de aplicativo
 
Serviço mais leve
 
Para atrair mais profissionais, um das estratégias da construção civil é desfazer a ideia de que o canteiro de obras é um local de trabalho pesado. Segundo o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Renato Michel, há tecnologias hoje que substituem o trabalho braçal, como máquinas utilizadas para fabricar concreto.
 

‘Efeito preguiça’ do Bolsa Família: verdade ou mito?

 
Quem nunca ouviu falar do “efeito preguiça” do Bolsa Família, que estaria fazendo as pessoas deixarem de trabalhar? Entretanto, segundo a nova Síntese de Indicadores Sociais (SIS/IBGE), referente a 2022 e divulgada em dezembro do ano passado, mais de 60% da renda nos domicílios mais pobres vem do trabalho, e apenas 20,5%, de programas sociais.
 
Conselheiro da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Minas Gerais (Abrasel-MG), Adélcio Castro diz que muitos candidatos às vagas de emprego disponíveis nesse tipo de estabelecimento não querem ser contratados via CLT para não perder o valor do benefício social.
 
"Todas as casas querem trabalhar da maneira correta. Conforme vai avançando a entrevista, a gente pergunta sobre a recusa da carteira, aí o candidato diz que está recebendo benefícios do governo, que ganham um valor fixo todo mês, que isso o impede de aceitar o contrato de trabalho. Cada dia mais comum de ouvir esse tipo de justificativa", comentou.
 
A analista técnica de políticas sociais e economista Iara Viana diz que o Bolsa Família (que paga, em média, R$ 680 por grupo familiar) pode, sim, fazer com que algumas pessoas se acomodem, mas elas não estariam deixando de trabalhar por causa do benefício, e sim por não conseguirem se inserir no mercado de trabalho. “O programa Bolsa Família tem como principal objetivo a redução da pobreza, dar o mínimo de dignidade às pessoas. Não é emprego. Para reinserir essas pessoas no mercado, é preciso uma oferta maior de trabalho em locais com poucas oportunidades”, analisa Iara.
 
Pesquisa ouviu 1.050 empregadores em todo Brasil

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