A falta de profissionais em determinadas carreiras tem muito a ver com uma mudança de perfil dos trabalhadores mais jovens, causada por um acesso maior a informação e também um leque de oportunidades no mundo digital. 
 
“Essa geração mais jovem, tanto a Y (nascidos entre 1982 e 1994) quanto a Z (nascidos entre 1995 e 2010), já está mais inserida na tecnologia e na internet. São pessoas que perceberam um número maior de possibilidades no mundo digital e preferem trabalhos menos braçais”, disse a especialista em carreiras e recolocação profissional Luana Torres.
 
Uma das áreas que enfrentam grande dificuldade para preencher o quadro de funcionários é a de bares e restaurantes. Basta ver pelas placas de “procuram-se garçom e auxiliar de cozinha” espalhadas por esses locais em BH. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, todo o setor enfrenta escassez em Minas Gerais. Em uma escala de grau de dificuldade para contratação de profissionais em 2023, na qual 0 é extremamente fácil e 5 é extremamente difícil, o cargo de gerente recebeu uma nota de 4.40 em pesquisa com donos de estabelecimentos. A nota para cozinheiro foi de 4.10, e garçom, 3.66.
 
Conrado Salazar, de 41 anos, é gestor de bar em dois restaurantes de BH e conta que está desde janeiro de 2023 com dificuldade para encontrar funcionários. “Aquele garçom de carreira, que ficava trabalhando durante anos no mesmo lugar e era conhecido de todos os clientes, não existe mais. As pessoas enxergam essa profissão como transição, para juntar o dinheiro da faculdade, por exemplo, além de haver muita mão de obra pouco qualificada. Acho que é questão de tempo para a profissão ser extinta”, comentou ele.
 
Para Salazar, existe uma falta de renovação de profissionais, já que as pessoas mais jovens têm procurado outras áreas para trabalhar, principalmente pelo número de opções que passaram a existir no mundo digital. 
 
“Trabalhar em bar e restaurante é muito desgastante fisicamente, isso acaba afastando algumas pessoas. Essa geração mais nova é atraída por esse mundo novo que se apresenta na internet, mas nem todo mundo vai conseguir ser bem-sucedido no meio digital”, analisou.
 

Profissional prefere ser MEI e ‘se virar’

 
Outro motivo que tem levado à escassez de profissionais em determinadas áreas é a resistência de muitos trabalhadores em aderir a modelos de trabalho presenciais, com horário rígido para bater ponto todo dia, entre outras regras comuns ao regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criado em 1943 e atualizado em 2017, com a reforma trabalhista. O público mais jovem estaria preferindo trabalhar de forma autônoma ou no formato PJ (Pessoa Jurídica), sem criar vínculo empregatício com empresas, segundo a especialista em carreiras e recolocação profissional Luana Torres. Tanto que a quantidade de Microempreendedores Individuais (MEIs) cresceu 349% nos últimos dez anos.
 
Em 2023, segundo o Ministério da Economia, foram abertos 2.887.788 novos MEIs, totalizando 11.682.765 ativos. Esse número representa 56,2% de todos os negócios ativos no Brasil. Em 2013, os MEIs eram cerca de 30% no país (3.341.407 ativos). “Apesar de perder os benefícios por lei, é uma geração que coloca na balança a flexibilidade de horário, fazer trabalhos para mais de um empregador e possibilidade do home office. Buscam um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional”, refletiu Luana Torres.
 

Dois lados: quem precisa do serviço e quem o recusa

 
Mãe de duas filhas, uma de 2 anos e outra de 6, Verônica Malaco, de 39 anos, está procurando uma diarista e uma babá para cuidar da casa e das meninas. Depois de sete anos, a profissional que trabalhava na casa dela pediu demissão em outubro do ano passado.
 
“Desde então já tentamos com quatro pessoas, mas sempre tem algum empecilho. Parece que ter criança espanta, mesmo eu pagando um salário compatível com o mercado de trabalho”, disse Verônica.
 
A empresária também acredita que a geração mais nova não quer um emprego que exija muito esforço físico. “São pouco qualificadas. Não têm experiência, nunca trabalharam na área e não têm paciência com crianças”, refletiu.
 
Erika Mathias, de 25 anos, é um exemplo de profissional que começou a vida na faxina, ao lado da mãe diarista, mas hoje trabalha com telemarketing e estuda enfermagem. “É um trabalho que requer muito esforço e tem pouco retorno. Vi minha mãe abdicar da saúde por 26 anos. Hoje ela não trabalha mais por conta de problemas de saúde. Estou tentando algo melhor para a gente”, disse a jovem, que diz ter muito orgulho da mãe Jaceíra.