Animal nosso, gasto nosso

Lei sobre cuidados com pet em caso de separação avança no Congresso

Projeto que prevê guarda compartilhada após fim de relacionamento determina que tutor pode receber auxílio financeiro

Por Anderson Rocha
Publicado em 14 de outubro de 2022 | 03:00
 
 
 
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Visitas em dias definidos e pagamento de pensão, regras comumente relacionadas a filhos de casais que se separam, poderão passar a valer também para animais de estimação caso seja aprovado um projeto de lei que tramita em Brasília (DF). Atualmente, há diversos casos nas varas de família com pessoas que conseguiram obter direitos como a guarda compartilhada de pets após o término de um casamento, como explica o juiz federal Vicente Ataíde Júnior. No entanto, o fato de não haver lei que “padronize” o entendimento sobre o tema traz insegurança jurídica.

A situação pode mudar em breve. Em 11 de outubro, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados deu parecer favorável ao Projeto de Lei (PL) 62/2019, que prevê direitos e deveres para tutores após o fim de um relacionamento estável. 

Entre outras prerrogativas do PL estão a garantia de manutenção de condições adequadas de moradia e de trato do bicho; a definição de dias e horários para visitar o animal (em caso de posse compartilhada); e a responsabilidade pelo custeio de despesas (para posses unilaterais).

Polêmica

As condições sobre venda do animal ou de filhotes também constam no projeto de lei, mas o texto poderá ser modificado, prevê Val da Consolação, advogada, ativista animal e pós-graduada em direito animal, porque a comercialização é malvista.

“O texto passou por alterações, como é de praxe, mas essa inclusão não nos agrada. Animal não é coisa, né? A gente não coloca preço em vida”, disse.

Antes arquivado, o texto foi reapresentado pelo deputado federal Fred Costa (Patriota-MG), em 2019. Se não houver recurso, a matéria segue para o Senado e, por fim, para sanção presidencial.

Caso concreto

Fernando (nome fictício) enfrentou situações como a prevista no PL, porque era casado quando adotou uma cadela e, após o término, ficou com o pet. “Eu cuidava mais dela, eu era realmente o dono. Então, não houve problema quando nos separamos. Porém, em casais em que ambos são donos, a lei deve ajudar muito, sim, inclusive com a guarda compartilhada”, disse. 

Jurisprudência

No Brasil, há alguns casos de aprovação por juízes de guarda compartilhada de pets, como explica a advogada Val da Consolação, ativista. No entanto, como ainda não há lei sobre o tema, é preciso “procurar um advogado ou a Defensoria Pública e entrar com uma ação”, disse.

Uso do animal pra torturar ex-parceiro é comum, diz ativista

A coordenadora do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais (MMDA), Adriana Araújo, vê com bons olhos o encaminhamento da lei. “É um despertar cada vez maior da consciência, que atribui direitos aos animais não humanos. Aqueles com quem convivo, os que resgato, são eternas crianças, ou seja, não respondem por si”, disse.

Segundo ela, a legislação poderá ajudar a evitar situações comuns e inaceitáveis de pessoas que, para torturar a ex-mulher, ficam com o bicho e fazem maldades a eles. “Não é raro ocorrer. Ele faz para ver a ex sofrer”, declarou.

Outro ponto levantado pela ativista é o bem ao meio ambiente. “Há avanços em favor dos animais não humanos que, por conseguinte, resultam em favor da nossa espécie e do nosso meio ambiente. Cães e gatos em descontrole, abandonados, podem entrar em áreas de preservação, levando doenças que antes não existiam naquela fauna, acometendo outros animais”, justificou Adriana Araújo.

É muito!
Dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) indicam que há 1,5 bilhão de animais de estimação no mundo.

 

MINIENTREVISTA
Vicente Ataíde Júnior
Juiz federal, professor de direito ambiental da Universidade Federal do Paraná e autor de livros sobre o tema

Qual a importância do projeto de lei que trata da guarda de animais domésticos após a separação dos cuidadores?

É um projeto que trata não de direito ambiental, e sim do direito animal: o pet (animal de estimação, na tradução do termo em inglês) é protagonista e sujeito de determinados direitos fundamentais. É isso que está em jogo.

A lei evitará quais tipos de situações? 

Existem juízes que têm o pensamento mais conservador e que não enxergam o animal de estimação como sujeito de direitos, e sim como um bem, uma coisa. Então, é preciso ter uma lei para que eles não façam interpretações diferentes.

O que significa “ser sujeito de direitos”?
Os animais merecem consideração e respeito. Eles não podem ser tratados como coisas. Hoje, utilizamos o termo família multiespécie, que é aquela formada não somente por seres humanos, mas também por membros de outras espécies, como cães, gatos, coelhos etc.

Como o senhor avalia o tópico do Projeto de Lei que trata sobre a venda do animal após a separação?
Não se pode conceber que um filho ou que um membro da família possa ser objeto de alienação (venda), de testamento. A partir do momento que se aplicam institutos da regulação humana, não se pode aplicar institutos do direito de propriedade. Então, nos parece que, especialmente em relação a pets, a alienação deve ser afastada.

 

 

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