Uma parceria entre Cruzeiro e Bem Protege foi anunciada em 23 de fevereiro do ano passado. No acordo firmado entre as partes, ficou acordado que a empresa especializada em proteção veicular pagaria R$ 840 mil, divididos em 12 parcelas mensais de R$ 70 mil, para estampar sua marca na gola da camisa estrelada. Além de manter em seu uniforme o logotipo, o clube deveria cumprir outras obrigações contratuais, todas elas com o objetivo de divulgar o nome da patrocinadora em determinado número de eventos, jogos e ações, além de ceder espaço publicitário da Toca da Raposa I.
O grupo afirma ter cumprido sua parte no trato e acusa a Raposa do contrário. Após tentar solucionar o desacerto de forma amigável, a Bem Protege decidiu acionar o clube do Barro Preto na Justiça. No último 30 de dezembro, entrou com ação na 20ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, na qual exige a rescisão unilateral do contrato e a cobrança de R$ 2.450.800,00, incluindo multas, não pagamento das cinco parcelas que restam e indenização por dano moral.
Nas alegações apresentadas à Justiça, a Bem Protege assegura ter quitado sete parcelas mensais, totalizando R$ 490 mil, até outubro do ano passado. Quando o caos estrelado atingiu níveis irreversíveis, a empresa entrou em contato para rescindir, de forma amigável, o vínculo que se encerraria em 31 de dezembro de 2019.
No entendimento da direção do grupo, além de o Cruzeiro não estar cumprindo sua parte no trato, a exposição negativa na mídia, com dirigentes sendo alvo de investigações das polícias civil e federal, e denúncias de prática de crimes de falsificação de documento, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro estariam afetando a imagem da empresa.
Houve uma tentativa informal de se romper o contrato amigavelmente, considerando-se a proximidade entre os diretores de ambas as partes. Como as conversas não evoluíram nesse sentido, em 10 de dezembro, a Bem Protege documentou a intenção de rompimento, em e-mail enviado a Rene Salviano, diretor comercial da Raposa e responsável por alinhavar a parceira. Na mensagem, ressalta a patrocinadora, ficou em aberto a possibilidade de um destrato amigável, abrindo mão de eventuais penalidades previstas.
Dois dias depois, o e-mail foi respondido por Herbert Junior, citado como funcionário do departamento jurídico cruzeirense, alegando que não houve descumprimento contratual, bem como reiterando que o objetivo principal havia sido cumprido: estampar a marca na gola da camisa do Cruzeiro.
Insatisfeita com o retorno dado pelo clube, a patrocinadora fez uma notificação extrajudicial no mesmo dia, comunicando sobre a rescisão antecipada do vínculo. Como não houve resposta, optou por judicializar o impasse.
ACUSAÇÕES DA EMPRESA
À Justiça, a Bem Protege acusa o Cruzeiro de ter descumprido nove itens contratuais, na íntegra ou parcialmente (veja abaixo). Neste caso, conforme consta na cláusula 6.1 do contrato assinado pelo ex-presidente Wagner Pires de Sá, em 14 de fevereiro de 2019, está prevista a rescisão do acordo, bem como o pagamento de multa. Nos cálculos apresentados na ação, este valor seria de R$ 405.800,00.
O montante mais significativo, porém, refere-se ao pedido de indenização por danos morais, calculado em R$ 2 milhões. No entendimento da patrocinadora, as investigações e as denúncias de eventuais ilícitos e suspeitas de corrupção envolvendo os ex-dirigentes cruzeirenses comprometeram a imagem do grupo.
Ao anexar ao processo matéria jornalística publicada sobre o assunto, a Bem Protege argumenta:
“Na citada reportagem vê-se, claramente, que não só a imagem do clube, mas como também de todos os patrocinadores, que estampam sua marca no uniforme do time, estão associadas a atos ilícitos. Há, portanto, vinculação entre os atos ilícitos e a reputação dos patrocinadores, em evidente macula à honra destes”
O ponto mencionado na petição inicial está contemplado na cláusula 6.3 do contrato, que prevê a rescisão e eventual cobrança por perdas e danos. Fato que, na interpretação dos advogados que representam o grupo na ação, sustentaria o pedido milionário de indenização por danos morais.
O que dizem as partes
A ação distribuída pela Bem Protege na 20ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte é assinada por dois advogados. Um deles é Wilson da Silveira Júnior. Mesmo com o SuperFC tendo tido acesso à petição inicial, ele negou que a empresa tenha entrado na Justiça contra o Cruzeiro.
Informou, ainda, que se encontra viajando e que o assunto deverá ser tratado na próxima semana, em reunião com os diretores da empresa. Contudo, sem revelar detalhes, admitiu que o Cruzeiro teria “descumprido várias cláusulas”.
“A Bem Protege não entrou na Justiça e esse valor (R$ 2.450.800,00) não procede. Pode ser apenas uma estimativa. Por sigilo profissional não posso falar mais nada. Mas não entramos na Justiça. Vamos decidir isso no próximo dia 15”, informou.
Rene Salviano foi o diretor do Cruzeiro responsável por conduzir as negociações que culminaram com a assinatura do contrato de patrocínio. Ele foi procurado no início da manhã desta sexta-feira, mas disse que não poderia responder naquele momento, porque estaria em reunião.
*Rene Salviano solicitou que as perguntas fossem enviadas por e-mail, mas até a publicação dessa reportagem ele não havia respondido. Assim que ele apresentar seu posicionamento, será publicado neste espaço
Veja as cláusulas que teriam sido descumpridas pelo Cruzeiro, segundo a Bem Protege
Descumpridas integralmente:
- efetuar duas publicações mensais sobre da marca no stories do Instagram do Cruzeiro;
- ceder os mascotes oficiais para participação em quatro eventos;
- realizar duas visitas VIPs na Toca da Raposa II, em data a ser definida conforme disponibilidade, limitando-se a 20 pessoas por visita;
- Inserir a marca da patrocinadora nos uniformes das equipes de futebol dos campeonatos internos (clubes sociais);
- ceder espaço físico na Toca da Raposa I para instalação de duas placas estáticas para publicidade, em local de visibilidade do público e dos meios jornalísticos e TV.
Descumpridas parcialmente:
- enviar um e-mail marketing por mês, durante a vigência do contrato, para o mailing do Sócio 5 Estrelas;
- realizar um tour por semestre no Mineirão, em data a ser definida, conforme disponibilidade, limitando-se a 10 pessoas por visita;
- veicular a empresa como "marca patrocinadora" em eventos sociais do clube;
- realizar três ações de campo em jogos em que o Cruzeiro seja o mandante, respeitando as regras da competição.
O QUE COBRA A BEM PROTEGE
- Multas previstas em contrato: R$ 100.800,00
- Inexigibilidade das obrigações assumidas pela patrocinadora: R$ 350 mil (5 parcelas restantes de R$ 70 mil)
- Indenização por dano moral: R$ 2 milhões
TOTAL: R$ 2.405.800,00 (dois milhões, quatrocentos e cinco mil e oitocentos reais)