As reclamações dos frequentadores do Mineirão sobre as dificuldades que estão ocorrendo para deixaram a região após eventos no local crescem a cada dia. O Tempo Sports reuniu relatos de pessoas que ficaram 'presas' no trânsitoouviu os responsáveis envolvidos e conversou com especialistas que estão propondo soluções que podem ajudar a resolver esse problema.

André Veloso, pesquisador de mobilidade urbana da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apresenta uma solução que pode ser viável para a solução do problema.

"O principal problema que está causando este trânsito é a quantidade elevada de carros e motos, de pessoas indo ao local com transporte individual. Para resolver, em primeiro lugar, é preciso uma análise e um planejamento. É preciso saber quantas pessoas estão indo de carro e de transporte coletivo. E é preciso tomar medidas para que as pessoas decidam, por conta própria, não ir de carro, mas de transporte coletivo", disse.

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Segundo o pesquisador, a primeira coisa a ser feita é aumentar o número de linhas especiais e de veículos que dão acesso ao estádio no dia de um grande evento.

“Mas, além disso, eles têm que criar linhas especiais em locais com estacionamento dissuasório. Você pega grandes estações de ônibus e cria linhas a partir delas. Faz uma campanha para que a pessoa vá de carro até esta estação e vá de ônibus até o evento", disse.

André  citou algumas ações que podem ser tomadas. "Em um evento com 30 ou 40 mil carros, não tem operação especial que dê conta. É necessário ainda faixas exclusivas de ida e volta, de ônibus e de veículos individuais. Como foi feito na Copa do Mundo”, relembrou, dando alguns modelos.

“Por exemplo: toda a avenida Abraão Caram ter um sentido antes do evento e outro depois do evento é uma medida que tem que ser feita, mas de maneira ordenada. Já que as pessoas ainda vão de carro, já que o transporte coletivo se tornou este martírio, é preciso fazer campanhas para que as pessoas optem por isso", avaliou. 

"Se é feito de maneira ordenada e rápida, não tem motivo para as pessoas tentarem chegar até a porta ou à esquina do Mineirão. Enquanto tiver 80% ou 90% das pessoas indo de carro ao Mineirão, não tem operação que aguente", finalizou.

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Especialista sugere inversão de sentido do trânsito 

O consultor em trânsito Silvestre de Andrade aponta outras possíveis soluções. "A solução seria basicamente o operacional. Ele acontece em determinados dias e horários específicos, não é uma situação permanente. Já tivemos, há muitos anos, a chamada 'Operação Mineirão', quando, com jogos de grande volume de público pagante, se fazia toda uma operação que se invertia mão da Antônio Carlos e da Catalão, de tal forma que tivesse mais facilidade de acesso na hora de chegar e sair”, comentou.

De acordo com Silvestre, existem soluções operacionais, como esta, de inversão de mão, criação de corredores, proibição de estacionamento em determinados locais, que podem e devem ser implantadas nessas situações de maior movimento.

“Além disso, o Move deveria desempenhar um papel fundamental. As linhas deveriam ser reforçadas, e fazer uma campanha mostrando que é melhor chegar de transporte público do que de transporte individual, e aumentar a oferta do serviço neste dia", pontua Silvestre.

"A chegada vai acontecendo ao longo do tempo, mas a saída é concentrada. Todas são ações operacionais, mas são ações possíveis e devem ser implantadas para facilitar o acesso a um implemento tão importante quanto o Mineirão, que é da cidade toda e que tem uma importância muito grande, principalmente considerando estes grandes eventos", concluiu.

Deficiência no transporte público

Sergio Myssior, arquiteto e urbanista, professor convidado da Fundação Dom Cabral para a área de Cidades Inteligentes e Mobilidade Sustentável, diretor do Grupo MYR e comentarista do Conexões Urbanas, também propôs soluções que podem ajudar no melhor do fluxo do trânsito e citou a utilização dos ônibus na cidade.

"O ônibus se destaca na matriz do transporte público coletivo, sendo responsável por 86% dos deslocamentos em transporte público. Pelo menos 40% da população utiliza o ônibus. Todavia, o sistema vem perdendo passageiros. Entre 2012 a 2019, o transporte metropolitano da RMBH perdeu mais de 20 milhões de passageiros. E, na pandemia, o impacto foi mais grave", relembra Myssior.

"O resultado é que as pessoas estão realizando as viagens predominantemente por meio de carros e motos (47% das viagens), em detrimento do transporte coletivo (30% das viagens), segundo a Pesquisa Matriz OD de passageiros 2019 da RMBH", adiantou.

Reforço na quantidade dos ônibus

Para ele, a solução passa mesmo pelo uso do transporte público. "Belo Horizonte é a segunda Região Metropolitana com maior número de automóveis por habitante, com 0,51 veículos/hab (IPEA, 2020). Um ônibus consegue transportar por hora de 5 a 20 vezes mais passageiros em uma faixa de rolamento. Se for um BRT, como é o caso do BRT Move da Antônio Carlos, por exemplo, a eficiência é ainda maior", explicou.

"Para grandes eventos esportivos e culturais, as principais cidades do mundo investem na priorização do transporte coletivo. Pois o número de pessoas se deslocando para um mesmo destino em um curto espaço de tempo sobrecarrega a infraestrutura viária de qualquer cidade", disse.

Jogos da Copa de 2014 como modelo

O arquiteto e urbanista lembra os artifícios usados na Copa do Mundo realizada no Brasil, em 2014, e sugere que o projeto poderia ser novamente implementado em grandes eventos para um possível fim do gargalo que resulta na obstrução do trânsito.

"Belo Horizonte implantou, durante a Copa, um Plano de Mobilidade com o envolvimento municipal e metropolitano para que as pessoas pudessem se deslocar com eficiência, segurança e conforto. Este aprendizado precisa ser replicado, visando a melhoria da experiência do usuário/torcedor, inclusive de forma a compatibilizar com as outras atividades e demandas da população, pois os eventos não podem significar o comprometimento de outras atividades", frisou.

Mobilidade ruim passa por falta de planejamento

Para acabar com a retenção observada ao final de todos os grandes eventos no Mineirão, as autoridades, para ele, deveriam adotar um planejamento.

“Um plano de mobilidade que tenha como propósito a melhoria da experiência do usuário e a redução dos impactos na circulação da cidade será capaz de reduzir o número de carros e motos, de forma que a maioria do público possa se deslocar no sistema de transporte coletivo. Com isso, a mesma infraestrutura de circulação será capaz de "transportar" mais pessoas em curto espaço de tempo, com maior eficiência”, explicou.

Segundo ele, uma possível solução para a volta dos torcedores após os jogos ou shows passa por um amplo planejamento.

“Pode até mesmo oferecer sistemas de integração modal. Você pode ter estações de embarque especialmente desenvolvidas para um dia de jogo. Faixas exclusivas para o transporte coletivo, além do corredor Antônio Carlos. Bilhetes integrados para o ingresso, transporte e até para o estacionamento de carros/motos em shoppings com integração com o transporte coletivo”, frisou.