No último mês, uma apresentadora que trajava apenas um maiô preto tomou conta das redes sociais. Em vídeos curtos, que simulavam cortes de um programa de variedades, Marisa Maiô entrevistava especialistas, conversava com repórteres e falava com convidados. A personagem, uma criação feita com inteligência artificial, é apenas um dos exemplos de conteúdos criados com as ferramentas que passaram a viralizar nas plataformas digitais. Embora Marisa tenha seu criador conhecido — o roteirista e artista independente Raony Phillips —, sua produção ainda levanta debates cruciais: a quem pertencem Marisa Maiô e outras tantas criações feitas com inteligência artificial? 

Antes de entrar no debate dos direitos autorais dessas obras, é preciso entender como elas são produzidas. Conteúdos como Marisa Maiô são desenvolvidos com o que é chamado de inteligência artificial generativa. Esse tipo de IA, conforme o Google, utiliza um modelo de ML (machine learning) “para aprender os padrões e as relações em um conjunto de dados de conteúdo criado por humanos”. É, então, a partir do que é aprendido, que as elas  geram um novo conteúdo.

Ainda, segundo o Google, a maneira mais comum de treinar um modelo generativo de IA é utilizando o aprendizado supervisionado. Desta forma, o modelo recebe um conjunto de conteúdo criado por humanos e rótulos correspondentes. “Em seguida, ele aprende a gerar conteúdo semelhante ao criado por humanos e rotulado com os mesmos rótulos”. 

De forma simplificada, as inteligências artificiais generativas têm acesso a uma base de dados e conteúdos, aprendem com eles e, a partir desse aprendizado e baseado nele, geram um conteúdo novo. Portanto, não há criação de inteligência artificial sem que haja, previamente, um conteúdo criado por humanos que a alimente. 

E é justamente aí que começa o debate sobre os direitos autorais: se as IAs criam conteúdos novos a partir de dados já existentes, de quem é a propriedade intelectual desse conteúdo? No Brasil, ainda não há uma resposta definitiva para essa pergunta. Isso porque no país não há uma lei que regulamente o uso das inteligências artificiais - embora um projeto esteja em discussão. 

Contudo, conforme a legislação vigente, existem mecanismos para proteger tanto o que é criado por meio das IAs quanto aquilo que pode ter sido apropriado por elas. Neste último caso, o responsável pela violação é o criador do conteúdo, e não a empresa de IA. 

“Quando eu tenho a criação de uma imagem ou de um vídeo de alguém ou de algum objeto que não existe, que foi realmente 100% criado pela IA, temos essa discussão ainda de quem seria o dono desses direitos autorais. Porque foi a IA quem criou. E nós não temos uma lei específica sobre isso. Com a legislação que temos hoje, é como se o direito autoral não pertencesse a ninguém”, explica a advogada Daniella Avellar, presidente da Comissão de Direito Digital da OAB-MG. 

Ela pontua, porém, que quando a origem do conteúdo é uma imagem de alguém ou um objeto já existente, o entendimento atual sobre os direitos autorais permanece válido. “Se eu utilizo, por exemplo, um quadro que você fez, ou até a sua imagem pessoal e faço ali um vídeo sobre ela ou uma deturpação de contexto, você tem todos os direitos da personalidade envolvidos, tanto na questão da sua honra, da sua imagem, do seu nome, quanto na questão do seu direito autoral”, afirma Daniella. 

Ela explica ainda que, segundo a legislação vigente, é possível que uma pessoa crie algum conteúdo com uma inteligência artificial e o registre, tornando-se, portanto, detentor dos direitos daquela criação. “Eu posso criar uma marca de roupa, pedir para IA fazer a logo e registrá-la no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) como minha justamente porque não temos uma legislação sobre isso, então tem essa brecha”, sublinha, ressaltando, porém, que como o registro é um processo público, qualquer pessoa que é contra ele pode se manifestar.