Nesta quarta-feira (4/12), a candidatura dos modos de fazer do Queijo Minas Artesanal a Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade será avaliado por um comitê da Unesco. A reunião acontece às 16h30 em Assunção, capital do Paraguai. José Ricardo Ozolio - presidente da Associação Mineira do Queijo Artesanal (Amiqueijo) e também presidente da Associação dos Produtores Artesanais de Queijo do Serro (Apaqs) - foi um dos que trabalharam arduamente para essa campanha. Nesta entrevista ao portal O Tempo, ele comenta sobre o possível título, conta os “segredos” do queijo produzido artesanalmente em dez regiões do Estado, fala sobre os entraves ainda existentes na legislação brasileira e ensina a você, consumidor, como comprar um bom queijo, sem cair em armadilhas. “Com o registro na Unesco, vamos ficar mais conhecidos e ter muito mais mercado”, destaca.

O que é a Amiqueijo e qual é a sua função?
A Amiqueijo é uma associação mineira que representa todos os produtores de queijo artesanal de Minas. Ela é composta hoje por 15 associações caracterizadas por região, cada uma formada por municípios que produzem um queijo muito parecido. A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG) faz um estudo de caracterização e nomeia a região como produtora de um tipo de queijo. No nosso caso, hoje, é o QMA, o Queijo Minas Artesanal, um queijo de leite cru, mas há também o queijo artesanal de Minas. Hoje nós temos dez regiões caracterizadas.  E a região que ainda está em estudo é a Serra Geral, no Norte de Minas.

As regiões produtoras de QMA:

  • Serro
  • Canastra
  • Triângulo Mineiro
  • Cerrado Mineiro
  • Serra do Salitre
  • Araxá
  • Serras do Ibitipoca
  • Entre Serras da Piedade ao Caraça
  • Campo das Vertentes

Quais características tornam semelhantes esses queijos produzidos nessas dez regiões? 
Eles são todos feitos da mesma forma, por isso já temos como patrimônio brasileiro os modos de fazer o Queijo Minas Artesanal. Cada região tem uma ligeira diferença no modo de fazer, mas o princípio básico, o jeito de fazer, é praticamente o mesmo. 

O que influencia a produção desse tipo específico de queijo?
As questões geográficas implicam sabores diferentes, vegetação diferente, altitude, umidade, temperatura, topografia do terreno, microbiologia do local, os fungos e bactérias lacto mais predominantes; tudo isso interfere no sabor final do queijo. E também pequenas nuances nos modos de fazer o queijo. É uma dádiva trazida pelos portugueses, e a gente ainda não sabe com muita certeza de que região de Portugal veio o modo de fazer o nosso queijo. Alguns dizem que veio da ilha de São Jorge, dos Açores, cujo queijo se assemelha muito, mas com pequenas diferenças. 

  •  “Nosso segredo é essa cultura. O que estamos prezando é como fazer, que é passado de geração a geração e que já vem há mais de 300 anos”. 

Você é um pequeno produtor do Serro, que foi a primeira região certificada em Minas.
O modo de fazer o queijo da região do Serro (foto acima, crédito: Prefeitura do Serro / Divulgação) foi reconhecido em 2002 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) como único patrimônio imaterial de Minas. Em 2008, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu os modos de fazer o Queijo Minas Artesanal como patrimônio imaterial do Brasil.  

A atriz Débora Falabella disse que o queijo de que ela mais gosta em Minas é o do Serro. Quais são as características desse queijo do Serro que o fazem tão especial?
O queijo da região do Serro foi um dos primeiros a serem comercializados no Brasil afora. Temos uma região que fez um trabalho muito bom de divulgação, que é a da Canastra. 

  • “O queijo do Serro (foto abaixo, crédito: Amiqueijo / Divulgação) se diferencia dos demais por sua ligeira picância, sua massa amanteigada, cremosa e seu aroma frutado. Ele é um sabor realmente diferente, o que eu chamo de ‘terroir’”. 

Que é parecido com o terroir do café, do vinho.
Exatamente, o queijo é o “primo pobre” do café e do vinho, porque somos pequenos produtores. O café tem mais potência comercial, é uma comodity vendida no mundo inteiro. Nós, até bem pouco tempo, mal podíamos vender o queijo fora da cidade da gente. A partir de 2019, foi sancionada a Lei José Silva, implementada há pouco tempo, que exige do queijo um certificado sanitário pelo IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária) para ser vendido para o Brasil. Ele recebe o Selo Arte. 

Quais as barreiras sanitárias que ainda impedem a comercialização desse queijo?
O Queijo Minas Artesanal quase deixou de existir em 2000. Houve uma contestação muito grande por parte da Promotoria em Belo Horizonte. Nós nos organizamos em associações e começamos a fazer estudos. O que ocorre com o tempo de maturação? As pessoas usam o termo “meia cura”. O QMA é vivo, as bactérias lácteas estão vivas dentro dele, e, como têm capacidade autoimune, elas vão retirando toda a possibilidade de bactérias patogênicas se manifestarem no queijo. Chamamos de “meia cura” aquele tempo que já passou de eliminar as bactérias. Há casos raros de acontecer. E os estudos indicam que algumas regiões têm tempos menores ou maiores de maturação. O queijo do Serro está totalmente sadio a partir de 17 dias, e o da Canastra, 14 dias. O queijo fica descansando, e a gente o vira diariamente. A região que não estudos, a maturação é de 22 dias, um tempo mínimo para ser comercializado. Quanto mais tempo fica maturando, mais sabor ele vai ter. 

O que pode melhorar em termos de legislação?
O nosso grande problema é que somos pequenos produtores, então advém disso uma série de dificuldades, principalmente financeiras. Quando passamos a ter um trabalho mais constante e extensivo, começamos a conquistar alguns direitos legais e a legislação passou a nos favorecer. Hoje, já temos vários avanços nesse sentido. O que precisamos realmente é de uma legislação que seja voltada para o Queijo Minas Artesanal, e o que temos hoje é voltado para a indústria de laticínios. 

  • “Queremos que a legislação olhe de forma exclusiva para que esse produtor possa trabalhar com qualidade, com todos os cuidados sanitários, dos quais não abrimos mão”.

Onde conseguimos encontrar esses QMAs das dez regiões em Belo Horizonte? 
Hoje, esse Queijo Minas Artesanal pode ser encontrado em empórios especializados e em padarias como um produto mais fresco. No Mercado Central tem uma quantidade imensa desses queijos, inclusive com algumas falhas, como o queijo canastra de Araxá, que não existe. 


Como o consumidor pode se precaver para não comprar Queijo Minas Artesanal errado?
O da Canastra (foto acima / crédito: Divulgação) tem indicação de procedência e um signo fixado ao queijo, diferente do Serro, que é um selo na embalagem, que garante procedência e rastreabilidade. A pessoa pode visualizar pelo QR code a fazenda em que foi produzido, as características. É muito importante deixar claro que o Queijo Minas Artesanal da Canastra, porque muitas informações tendem à má-fé ou inocência. 

Amanhã, temos uma reunião do Comitê da Unesco em Assunção, no Paraguai, para avaliar a candidatura dos modos de fazer o Queijo Minas Artesanal como patrimônio cultural e imaterial da humanidade, e vai ser o primeiro patrimônio alimentar do Brasil. O que impacta para vocês, produtores, ter um título como esse? 
Para nós, é laurear um trabalho que fazemos há muitos anos. A gente tem tudo para ter esse reconhecimento e, com isso, ter também notoriedade e divulgação. Com o registro na Unesco, vamos ficar mais conhecidos e ter mais mercado. E, em um segundo momento, pode agregar valor ao produto. 

  • “Com o título, conseguimos vender melhor e mais, melhorar nossas condições na fazenda e dar mais condições aos filhos dos fazendeiros para que eles possam perenizar a produção e continuar essa nossa característica de passar para os filhos aquilo que a gente faz".

Eu acredito muito que esse reconhecimento venha para nos dar condições de mercado, de melhor conhecimento para perenizar nossa atividade e manter toda a cultura e tradição”.

Se um turista chegar à região do Serro, ele consegue conhecer as fazendas queijeiras, existe uma estrutura para isso? 
Temos de forma incipiente, mas tem um trabalho maravilhoso sendo realizado em parceria com o Sebrae e a Secretaria de Cultura e Turismo de Minas Gerais, a Secult. Estão desenhando o projeto da Rota do Queijo, que será lançado na região do Serro, mas que vai ser para toda Minas Gerais. Mas nós já temos a nossa rota em parcerias com as secretarias do Serro de diversas cidades. Nessa região, temos um trabalho feito em 2017 que aponta para 754 produtores artesanais, mas acreditamos que é muito mais. 

  • "Nesse grupo tem um universo pequeno de propriedades certificadas, e elas já estão preparadas para o turismo de experiência, que é uma forma de monetizar o produtor".

 As pessoas contatam pelo Instagram, ligam para as secretarias municipais de cada cidade e marcam direto com os produtores. No Serro tem o Salão do Queijo, um museu, onde tem um escritório da associação.

Serviço (confira as fazendas abertas à visitação em cada região do Estado)

Serro
Associação: Associação de Produtores de Queijo do Serro (Apaqs).
Municípios: Alvorada de Minas, Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim, Materlândia, Paulistas, Rio Vermelho, Sabinópolis, Santo Antonio de Itambé, Serra Azul de Minas e Serro.
Fazendas abertas à visitação: Queijo Dona Iaiá (31-9860-1204), Christiane (38-9848-9647), Adilson (38-9971-1223), Lindomar (33-9984-1280), Queijo Canãa (33-9849-6548), Alyrio (38-9914-3611), Dona Neusa (38-9941-2606), Jorge Brandão (38-9968-066) e Ferreira Campos (38-9914-361).
Agência de receptivo: Tamanduá Ecoturismo (37-8841-6618, @tamandua_eco), Canastra Sempre Viva (11-97323-5895, @canastrasempreviva) e Canastra Running (35-99802-0214, @vinicius_canastrarunning

Canastra
Associação: Associação de Produtores de Queijo Canastra (Aprocan).
Municípios: São Roque de Minas, Vargem Bonita, Medeiros, Tapiraí, Bambuí, Piumhi, São João Batista do Glória e Delfinópolis
Fazendas abertas à visitação: Fazendas Roça Grande Capim Canastra, Zé Mário, Queijo do Onesio, Capão Grande, Quintal do Glória, Porto Canastra, Vale Encantado e Vale da Bateia.
Agência de receptivo: Tamanduá Ecoturismo (37-8841-6618, @tamandua_eco),  Canastra Sempre Viva (11-97323-5895, @canastrasempreviva) e Canastra Running (35-99802-0214, @vinicius_canastraru

Serras de Ibitipoca
Associação: Associação dos Produtores de Queijos Artesanais da Região Serras de Ibitipoca (Apro-SI).
Municípios: Andrelândia, Arantina, Bias Fortes, Bom Jardim de Minas, Lima Duarte, Olaria, Passa Vinte, Pedro Teixeira, Rio Preto, Rosário de Minas, Santa Barbara do Monte Verde, Santa Rita do Ibitipoca, Santa Rita de Jacutinga, Santana do Garambéu, Seritinga e Serranos.
Fazendas abertas à visitação: Queijos da Fazenda Lacerda (Santa Barbara do Monte Verde / @fazenda_lacerda), Fazenda São Mateus com Queijos Paiol Velho (Rosário de Minas / @queijopaiovelho) e s Queijos Primavera (Lima Duarte / @sitioprimaverald).

Cerrado Mineiro
Associação: Associação dos Produtores de Queijo do Cerrado (Aprocer).
Municípios: Abadia dos Dourados, Arapuá, Carmo do Paranaíba, Coromandel, Cruzeiro da Fortaleza, Guimarânia, Lagamar, Lagoa Formosa, Matutina, Patos de Minas, Patrocínio, Presidente Olegário, Rio Paranaíba, Santa Rosa da Serra, São Gonçalo do Abaeté, São Gotardo, Serra do Salitre, Tiros e Varjão de Minas.
Fazendas abertas à visitação: Queijaria Casquinha (Cruzeiro da Fortaleza / 34-9961-2860) e Eudes Braga (Carmo do Paranaíba/34-98420-4937).

Serras da Piedade e do Caraça
Associação: Associação dos Produtores de Queijo Minas. Artesanal da Região de Entre Serras da Piedade e do Caraça
Municípios: Caeté, Barão de Cocais, Santa Bárbara e Catas Altas.
Fazendas abertas à visitação: Informações sobre fazendas no site circuitodoouro.tur.br

Diamantina
Associação: Associação de produtores de queijo da região de Diamantina (Aprodia).
Municípios: Diamantina, Gouveia, Datas, Couto de Magalhães de Minas, São Gonçalo do Rio preto, Felício dos Santos, Senador Modestino Gonçalves, Presidente Kubitschek e Monjolos.
Fazendas abertas à visitação: Queijo Braúnas (Ewerton / 38-98828-3760), Queijo João de Barro ( Cristiano / 38-99810-1368) e Queijo Datas Guzerá (Richard / 31 99879-9098).

Araxá
Associação: Associação Regional dos Produtores de Queijo. Minas Artesanal Araxá (Amquara).
Municípios: Araxá, Perdizes, Sacramento, Tapira, Pedrinópolis, Santa Juliana, Campos Altos, Pratinha, Uberaba, Conquista e Ibiá.
Fazendas abertas à visitação: Fazendas Taquaral (34-9898-9568) e Queijaria Três Irmãos (34-9814-7857).

Triângulo Mineiro
Associação: Associação do Queijo Minas Artesanal do Triângulo Mineiro (Aqmatri).
Municípios: Araguari, Cascalho Rico, Estrela do Sul, Indianópolis, Monte Alegre de Minas, Monte Carmelo, Nova Ponte, Romaria, Tupaciguara e Uberlândia.
Fazendas abertas à visitação: Fazenda Retiro Velho (Araguari, Queijaria Oliveira, 34-99641-0108, @queijooliveira), Fazenda Rio das Pedras (Uberlândia, Queijaria Gomes, 34-99866-8575 e @queijariagomes) e Fazenda Terra Aprazível (Uberlândia, Queijaria Ouro das Geraes, @terraaprazivel, agendamento no receptivo SB Turismo e Cultura, 34-99126-4233).

Serra do Salitre
Associação: Não tem associação.
Município: Serra do Salitre.
Fazendas abertas à visitação: Fazenda Pavão (João José de Melo/ 34-9961-2284), Fazenda Chicão  (Vanderlino dos Reis Moreira / 34-9985-6006), Fazenda Catulés (Geraldo Moreira da Silva, “Moisés”/ 34-9913-3600) e Fazenda Alto da Serra (José Baltazar / 34-9907-1912).

Campo das Vertentes
Associação: Associação dos Produtores de Queijos Artesanais de Minas do Campo das Vertentes (Aqmav).
Municípios: Barbacena, Barroso, Conceição da Barra de Minas, Coronel Xavier Chaves, Carrancas, Entre Rios de Minas, Ibertioga, Lagoa Dourada, Madre de Deus de Minas, Nazareno, Prados, Piedade do Rio Grande, Resende Costa, Ritápolis, Santa Cruz de Minas, São João Del Rei, São Tiago e Tiradentes.
Fazendas abertas à visitação: fazendas Maracujá (Barbacena), Pimenta (Resende Costa), Coqueiro e Jacuba (Coronel Xavier Chaves), Saudade (Ibertioga), Fortaleza (Ritápolis) e Seu Jorge (Prados) e Sítio São Sebastião (São João del-Rei).
Agência de receptivo: Francesca (32) 99931-8505.

(*) Todas as visitações exigem agendamento prévio nas fazendas e receptivos.