Você conhece Albertina? E Januária, Leopoldina, Mariana, Moema ou Natércia? O que esses nomes têm em comum é que todos são topônimos que prestam homenagem a mulheres, famosas e até anônimas, que viveram em Minas Gerais. São 11 cidades apenas em um universo de 853 municípios, menos de 2% do total. Se acrescentarmos a esses nomes os de cidades batizadas com títulos de santas, chegaremos a 41 municípios com essa característica.
isso se explica pelo fato de que a sociedade do Brasil Colônia era extremamente machista e misógina. Portanto, não é surpresa que muitas cidades carreguem nomes masculinos. “Surpreendente é o fato de que Minas Gerais tenha cidades com nomes femininos. A maioria das cidades foi criada nos séculos XVIII e XIX, um período de machismo enraizado, misoginia e desvalorização da mulher”, explica Adriana Romeiro, professora de história do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Naquela época, a mulher não podia ocupar espaço público, estava confinada a posições subalternas e relegada a cuidar dos filhos e da casa. O marido era o provedor da família. À mulher sempre foi destinado um papel secundário dentro do sistema patriarcal. Esposas e mães eram cerceadas de seus direitos jurídicos e estariam confinadas ao espaço privado do seu senhor (pai e/ou marido).
Entre as classes altas prevaleceu o modelo de casamento tradicional e de disciplina sexual, devido a questões morais e de manutenção da propriedade e da nobreza. Já nas classes baixas havia algum espaço de maior liberdade, tanto no formato das famílias quanto no comportamento sexual das mulheres, no entanto um lugar marginal, inferior, já que o contrato matrimonial era um eficiente instrumento de hierarquização, importante na afirmação do status do homem, mas, principalmente, o da mulher.
Das cidades que se originaram de nomes femininos, boa parte delas prestava uma homenagem à nobreza. O nome da cidade de Cristina (foto acima, crédito: Prefeitura de Cristina / Divulgação), no Sul de Minas, é uma homenagem à imperatriz Tereza Cristina, esposa de dom Pedro II. Por essa razão, em 1º de dezembro de 1868, a Vila Christina (que se denominava Espírito Santo dos Cumquibus) recebeu a visita da princesa Isabel e seu esposo, o conde d’Eu para conhecer a terra que recebera o nome de sua mãe. Leopoldina, na Zona da Mata, por sua vez, recebeu esse nome em homenagem à princesa Leopoldina de Bragança e Bourbon, filha de dom Pedro II.
A primeira capital de Minas, Mariana, foi batizada em homenagem à rainha Maria Ana de Áustria, esposa de dom João V de Portugal. O nome foi dado em 1745, quando a vila foi elevada à categoria de cidade. O nome Januária (foto acima, crédito: Prefeitura de Januária / Divulgação) tem três versões aceitas pelos moradores: o nome do município é uma alusão ao bandeirante e fazendeiro Januário Cardoso de Almeida; uma homenagem à princesa Januária, irmã de dom Pedro II; e, ainda, à escrava Januária, que, fugindo do cativeiro, teria se instalado no Porto do Salgado (atual município), estabelecendo uma estalagem, onde os barqueiros e tropeiros do povoado se encontravam.
Já as heroínas da Inconfidência Mineira se encontram representadas por Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira. Em 1923, o distrito de Santa Isabel passou a se denominar Heliodora (foto acima, crédito: Renato Ogino / Divulgação), em homenagem à personagem da Conjuração Mineira. A também poeta Bárbara Heliodora conheceu Alvarenga Peixoto, uma das figuras mais importantes do movimento inconfidente, ao completar 20 anos. Os dois se envolveram e foram morar juntos sem se casar, o que escandalizou a sociedade da época. Além disso, o casal só oficializou a união na Igreja Católica quando a filha já tinha 3 anos, o que não era normal para o século XVIII.
Dois nomes curiosamente tiveram referências literárias. Uma das possíveis origens do nome Moema seria uma homenagem à filha do secretário do Interior Mario de Matos – as outras seriam no tupi antigo “mo’ema”, que significaria “mentira”, o mais improvável, uma alusão ao personagem do poema “Caramuru”, de Santa Rita Durão, ou à personagem indígena criada pelo escritor José de Alencar em seu romance “Iracema”, que personificava a beleza e a pureza.
Entre os topônimos mais curiosos estão Albertina, Dona Euzébia e Glaucilândia. Albertina, no Sul de Minas, é uma homenagem a uma jovem de extrema beleza que morava na zona rural. A moça era tão conhecida que, quando alguém ia à região, dizia “vou para Albertina”. Dona Euzébia (foto abaixo, crédito: instagram / Reprodução), na Zona da Mata, recebeu o nome em homenagem a Dona Euzébia de Souza Lima, uma fazendeira da região que doou terras para a construção da estação ferroviária e da igreja de Nossa Senhora das Dores.
Glaucilândia, no Norte de Minas, virou distrito em 1962 e se desmembrou de Juramento em 1995. A origem do nome é uma homenagem à esposa de um agente ferroviário, Dona Gláucia, por iniciativa da própria população. Outra versão seria a junção das palavras “Glauc” (nome de um cipó forte) e “lândia” (referência à planície apropriada à construção de casas aglomeradas).
O nome do município de Maria da Fé também tem duas possíveis origens: a primeira homenagearia uma mulher empreendedora e enérgica que dirigia uma fazenda e seus negócios. A outra seria a de uma jovem bonita, vinda com uma das bandeiras que cruzaram aquelas paragens e que teria se casado com o cacique Jiquitibá, por ter ele concordado em desvendar o segredo das minas de ouro da região para exploradores. Como esposa do cacique, ela teria concordado em erigir um cruzeiro de madeira, símbolo de sua fé, convertendo a tribo à religião cristã.
Das origens dos nomes femininos, a mais enigmática é Natércia. Distrito criado com a denominação de Santa Catarina em 1822/1891 e subordinado a Santa Rita do Sapucaí, foi elevado à categoria de município em 1923. Em 1953, foi renomeado como Natércia, um anagrama de Caterina, baseando-se nos versos de Luís de Camões, um dos maiores nomes da literatura portuguesa.