Menos de um ano após o reconhecimento dos Congados e Reinados como patrimônio cultural de Minas Gerais, uma reunião define, na terça-feira (17), se estes grupos tradicionais também serão considerados um patrimônio do Brasil. O encontro do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que decidirá sobre a concessão do título federal aos chamados Saberes do Rosário – que incluem Reinados, Congados e Congadas - está marcado para as 14h e será transmitido no YouTube do instituto

Segundo a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult), o momento histórico é fruto de um "extenso processo de pesquisa e instrução técnica", que foi conduzido por quase 20 anos e envolveu pesquisadores, agentes públicos, institutos de patrimônio e, é claro, algumas das comunidades que receberão o título. 

“O Rosário é onde a cultura, a fé e a arte do povo negro de Minas e do Brasil se unem em uma sabedoria ancestral. O reconhecimento nacional desses saberes como patrimônio do Brasil é o reconhecimento de uma história de resistência, beleza e humanidade. Minas é terra-mãe desse patrimônio vivo, e os Congados são sua alma”, disse o secretário Leônidas Oliveira. 

Isabel Casimira das Dores Gasparino, que é a Rainha Conga de Minas Gerais, foi uma das representantes dos grupos tradicionais que participou da produção do dossiê do Iphan. Segundo ela, o reconhecimento é importante para garantir que esse bem cultural seja repassado para as futuras gerações. 

“Esse reconhecimento não é só para nós, é para os nossos antepassados e para os nossos filhos. A coroa que carregamos é de dignidade, e o Rosário é nosso modo de viver, de rezar, de ensinar. É hora de o Brasil enxergar que nós sempre estivemos aqui, com nossos tambores, nossas danças e nossa fé”, diz a Rainha Conga. 

Minas tem mais de mil grupos

Somente em Minas Gerais existem mais de 1.100 grupos ativos de congadeiros, moçambiqueiros, catopês, marujos, candombes e guardas diversas. Eles estão presentes em mais de 330 municípios mineiros, o que, segundo a Secult, faz deles "uma das expressões mais profundas da cultura afro-brasileira e da fé popular no Brasil". 

Segundo o Presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), João Paulo Cunha, destaca que o reconhecimento nacional reforça o trabalho de valorização da cultura afro-mineira que já vem sendo promovido pelo Estado.

"Minas tem liderado a valorização das culturas afro mineiras com políticas públicas concretas. O reconhecimento nacional dos Saberes do Rosário se soma ao registro estadual realizado em 2024 e fortalece a identidade, o direito e a memória dos povos afrodescendentes. É um passo fundamental para recontar a história do Brasil com justiça e beleza", pontuou. 

Salve Nossa Senhora do Rosário!

Segundo dados do Dossiê para Registro dos Caminhos, Expressões e Celebrações do Rosário, produzido pelo Iepha durante o processo de reconhecimento como patrimônio estadual, a origem das celebrações está vinculada a uma "narrativa mitopoética" sobre o encontro dos povos negros com Nossa Senhora do Rosário

"Apesar de apresentar variações entre grupos e regiões, a base da narrativa do encontro permanece similar: conta-se que a santa apareceu para um grupo de escravizados nas águas. Ao tentarem eles próprios retirarem Nossa Senhora das águas, foram inicialmente impedidos pelos brancos escravocratas que desejavam eles mesmos, com suas bandas de música e pompa, resgatar a santa e levá-la a uma de suas grandiosas igrejas. Entretanto, a santa resisu a todas as tentavas dos senhores, e sempre que era buscada e colocada num grandioso e rebuscado altar, retornava para o mesmo local onde havia aparecido para os devotos negros. Assim, após a resistência de Nossa Senhora dos Rosário à captura branca, os escravizados convencem os senhores a deixá-los retirá-la eles mesmos. Só assim, ao som dos tambores dos ancestrais negros é que Nossa Senhora do Rosário atendeu permanentemente ao chamado, acompanhou seus devotos negros e negras e aceitou ficar em uma pequena capela construída por esse povo", conta o documento produzido.

A partir daí, todos os anos, de geração em geração, as pessoas escravizadas, libertas e seus descendentes prestam louvores e agradecem à proteção da santa por meio das Festas do Rosário. Ainda segundo o Dossiê, as pesquisas históricas apontam que as celebrações são uma das manifestações religiosas e culturais populares mais antigas de Minas Gerais, já que algumas delas têm documentações que remetem ao início do século XVIII. 

"Dentre essas fontes poderíamos citar o missionário Antonil, que em 1711 menciona as festas de devoção à Nossa Senhora do Rosário e São Benedito realizadas por pessoas escravizadas na capitania mineira. Um documento chamado 'Triunfo Eucarístico' do ano de 1733, que relata a participação de devotos da Irmandade do Rosário dos Pretos em uma festividade católica da antiga Vila Rica, atual Ouro Preto. Além de 'Congadas de Minas Gerais', onde o congadeiro e historiador Jeremias Brasileiro aponta, em 1763, a existência de 'escravos no congado de São Francisco das Chagas do Campo Grande, atual Rio Paranaíba em Minas Gerais'", completa o documento estadual.