Os Saberes do Rosário: Reinados, Congados e Congadas serão declarados nesta terça-feira (17) Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A manifestação popular já tinha sido declarada Patrimônio Cultural Imaterial do Estado, em agosto do ano passado, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) de forma distinta.
Devido à complexidade do tema, o Iepha reconheceu Caminhos, Expressões e Celebrações do Rosário em Minas Gerais, para abarcar todas as terminologias empregadas em diversas regiões do Estado. Em algumas localidades, essas comunidades não se identificam nem como congadeiros, nem como rezadeiros, mas como tamborzeiros, como é o caso de Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha
De acordo com o Iepha-MG, há mais de 1.200 guardas de congados e reinados cadastradas no órgão e espalhadas por todo o Estado.
Como surgiu os congados e reinados
Congados e reinados remontam às antigas festas religiosas africanas, quando os súditos faziam cortejos ao rei congo. O tráfico negreiro trouxe a tradição para o Brasil, que acabou sofrendo a influência do catolicismo.
O sincretismo religioso foi a forma encontrada pelos escravizados de sobreviver à nova realidade e de preservar sua fé. Começou então a devoção a santos negros, como Nossa Senhora do Rosário, são Benedito e santa Efigênia. Igrejas foram construídas nesse período – as de Nossa Senhora do Rosário, especialmente, se tornaram espaços de devoção e memória para os congados e reinados. Mas cada região de Minas desenvolveu suas particularidades.
Nos congados e reinados, as celebrações são estruturadas por grupo de devotos, integrantes de ternos, com os participantes assumindo os papéis de capitães, dançantes, bandeireiros, tocadores e reis e rainhas do cong
Os ternos, por sua vez, se dividem em congos, moçambiques, marujadas, catupés, caboclinhos, vilão e cavaleiros de são Jorge, os chamados “Sete Irmãos do Rosário”, tendo como pai de todos o candombe, tocando os tambores.
De geração a geração
Adriano Maximiano faz parte da quinta geração da família paterna de congadeiros. Ele herdou do avô a incumbência de ser capitão de coroa em Ilicínea, cidade do Sul de Minas. Em 2021, ele propôs à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult-MG) o reconhecimento dos terreiros como patrimônio cultural, algo ainda em curso, e em 2022 a criação do Programa Afromineiridades. Um ano depois, foi convidado para ser diretor de Proteção e Memória do Iepha-MG.
O programa propõe a salvaguarda de práticas e manifestações culturais de matriz africana no Estado, com processos de registros de congados e reinados, quilombos em contextos urbanos (a ser concluído em 2027), terreiros e samba.
“Minas Gerais é o primeiro Estado do país a realizar esse cadastramento e criar um programa que visa à proteção para cada grupo, reconhecendo essas manifestações culturais do povo como legítimas”, afirma Maximiano. O programa já resultou em dois editais de Afromineiridades para que os recursos públicos cheguem aos mestres e mestras da cultura popular e aos grupos e expressões tradicionais.
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Encontro em Ilicínea e Heliodora
Aline Cristina Silva dos Santos Andrade é uma dessas beneficiadas pelo edital da Lei Paulo Gustavo. Ela é presidente da Associação do Congo e Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito de Ilicínea. A irmandade tem mais de 300 integrantes que realizam, há mais de 140 anos, a Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. O evento acontece todo ano na segunda semana de outubro, .
“Sou de família tradicional de congado e, desde os meus 13 anos, estou mais presente na irmandade, sendo a primeira mulher a assumir a presidência da associação”, conta. Para preservar a tradição, ela aproveitou o edital para propor o Encontro de Afromineiridades do Sul de Minas em Ilicínea.
O evento aconteceu de 19 a 25 de maio, iniciando a semana com oficinas de tranças afro, arte em ferro e percussão, além de palestras, e seguindo no final de semana com apresentações de congados, folias de reis, terreiro, capoeira, grupo quilombola, hip-hop e samba..
“O encontro surgiu para valorizar a nossa tradição e mostrar à sociedade nossa cultura e religiosidade. Existe preconceito com o congado por falta de conhecimento. Tem gente que demoniza o terreiro sem saber o que é”, explica Aline Andrade (foto acima, entre André, da oficina Arte em Ferro, e o babalorixá Oloirê Costa, crédito: Arquivo Pessoal).
E foi uma atitude de preconceito que impediu que a irmandade utilizasse de uma das escolas municipais para a realização das palestras, no entanto, isso não atrapalhou o evento, já que eles foram prontamente acolhidos pela Casa de Cultura Tomaz Moscardini.
Em Ilicínea, a festa leva milhares de pessoas às ruas para acompanhar o cortejo. “Reconhecer o congado e reinado como patrimônio cultural do Estado foi algo muito importante para nós, congadeiros e reinadeiros, e agora ter esse reconhecimento como patrimônio cultural imaterial nacional é consolidar as políticas públicas; é o reconhecimento do governo de uma tradição ainda viva e resistente no país”, destaca Aline.
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No dia 22 de junho será a vez de Heliodora, no Sul de Minas, promover seu Encontro de Congadas, que coincide com a realização da Festa de São Benedito. Cerca de 24 guardas do Sul de Minas devem participar e se apresentar no evento, que terá quermesse, barraquinhas e shows.
Para saber mais sobre congados e reinados, acesse o site do Iepha-MG.