Aniversário

Bicentenário de Napoleão gera polêmica na França

Museus abrem duas exposições sobre o monarca, que é considerado estadista e herói para alguns e sexista e racista para outros

Por Paulo Campos
Publicado em 13 de abril de 2021 | 06:00
 
 
 
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O bicentenário de Napoleão Bonaparte (1821-2021) é apenas um dos eventos que a França comemora em 2021. O país – que ainda contabiliza 34.882 novas infecções pelo coronavírus em média por dia e entrou no terceiro lockdown no dia 3 de abril – se prepara para novas exposições na reabertura de seus museus, a inauguração de novos hotéis e projetos de revitalização da Champs Elysées, uma das avenidas mais sofisticadas e famosas do mundo, e de despoluição do rio Sena, já se antecipando aos Jogos Olímpicos de 2024.

Mas nada será mais marcante do que a comemoração do bicentenário de morte de Napoleão Bonaparte. Os festejos têm causado polêmica e até mal-estar entre os intelectuais. Napoleão morreu no dia 5 de maio de 1821, na ilha de Santa Helena, onde ficou exilado. Ele foi o monarca que estabeleceu as bases para a França contemporânea e também foi responsável pela fuga de dom João VI para o Brasil com a família real. Pouca gente se dá conta, mas o Rio de Janeiro foi capital de Portugal por 13 anos. Culpa de quem? Napoleão! 

Duzentos anos após a morte, Napoleão Bonaparte continua a seduzir as novas gerações. Quem quiser se informar um pouco mais sobre a vida do imperador terá essa oportunidade na mostra “Napoléon, N’Est Plus” (ou “Napoleão, Não É Mais”), no Museu das Armas, localizado no Hotel Nacional dos Inválidos, até 19 de setembro. A exposição regressa à vida do monarca durante o seu exílio na ilha de Santa Helena e lança uma nova luz sobre o acontecimento, recorrendo às disciplinas arqueologia, medicina e química. 

Hotel dos Inválidos 
Para o turista, o Hotel Nacional dos Inválidos é um museu obrigatório: guarda os restos mortais de Napoleão, mas tem uma simbologia maior. Em 1674, o rei Luís XV criou o hotel para receber os inválidos de guerra. Soldados que serviram no Exército francês por mais de dez anos podiam se aposentar e, longe do que se poderia pensar, não gastavam seu tempo contando histórias sobre a guerra e jogando cartas, mas sim aproveitando para cultivar e praticar alguns trabalhos de conserto de uniformes ou calçados, entre outras tarefas. 

O Museu Nacional de La Maison Bonaparte (ou Casa Bonaparte) abre, no dia 18 de maio, a exposição “Em Mármore e Bronze: Memória dos Bonaparte na Córsega”. Você pode não ter ouvido falar muito da ilha de Córsega, mas foi em um casarão da capital Ajaccio que nasceu Napoleão. Ele deixou a Córsega ainda criança para se tornar imperador da França e um dos homens mais poderosos e influentes de seu tempo. Hoje, a ilha mediterrânea ensolarada vive de suas praias, bosques e de um ilustre morador de cidadania italiana e alma francesa. 

A italiana ilha de Córsega hoje pratica a “estatuomania” e faz questão de glorificar suas personalidades. Monumentos foram erguidos em Ajaccio, Bastia e Corte para perpetuar a dinastia Bonaparte nos mesmos lugares que viram o surgimento da família. Somente no reinado de Napoleão III, entretanto, uma obra memorial foi montada. Quem patrocinou essas estátuas? Em que condições ocorreram? Com que meios de financiamento? Quais escultores foram usados? A exposição tenta responder a essas e outras perguntas. 

Polêmicas 
Celebrar datas como o bicentenário da morte de Napoleão Bonaparte (1769-1821), os 150 anos da Comuna de Paris (1871) e o 60º aniversário da morte de Louis-Ferdinand Céline (1894-1961) tornaram-se campos minados perigosos no século XXI, precipitando polêmicas e confrontos ideológicos. Revisionistas da história acreditam que é um crime. Principalmente em um ano em que se comemora o nascimento do poeta Charles Baudelaire (1821-1867), dos escritores Gustave Flaubert (1821-1880) e Marcel Proust (1871-1922).

O legado histórico de Napoleão Bonaparte divide muito os intelectuais: alguns o consideram um estadista e herói nacional, outros fazem questão de frisar que era sexista, racista e belicista. Mas o argumento que mais pesa negativamente no currículo do monarca é a restauração da escravidão nas colônias em 1802, já abolida pelo país em 1794. O presidente Emmanuel Macron ainda não disse como a morte de Napoleão será comemorada, mas a ministra da Igualdade de Gênero, Elisabeth Moreno, não se mostra muito favorável. 

Impossível ignorar a data 
Para a guia Aureliana Paula Garreau, não se pode ignorar a data. “Napoleão conseguiu organizar a França depois da bagunça causada pela Revolução Francesa. Ele foi um grande diplomata e estrategista. Deixou grandes monumentos, como o Arco do Triunfo e as largas avenidas, criou o código napoleônico, hoje utilizado pela jurisprudência brasileira, e elaborou o conceito do sistema de água e esgoto de Paris”, cita Aureliana, embora considere que os franceses não se importem muito hoje com Napoleão. 

“Pena que um homem tão brilhante e estrategista deixou-se ficar cego pela sua imagem”, opina a guia. O ego desmedido fez surgir seu lado mais obscuro: “Ao colocar a imagem antes dos interesses da França, Napoleão foi longe demais. Ele era um homem prático e zero em empatia, que só queria destruir a Inglaterra”, define Aureliana. Entre os pontos negativos enumerados pela guia estão o já citado retorno da escravidão e a ausência de humanidade.  

Roteiro por Paris 
Um roteiro de Napoleão em Paris inclui, além do Arco do Triunfo, o túmulo no Les Invalides, toda a parte egípcia do Museu do Louvre, criada depois de suas incursões militares ao Egito, a Place Vendôme com sua estátua, o Château de Madeleine e o Museu Légion d’Honneur, ambos criados pelo monarca, e a Catedral de Notre-Dame, onde foi coroado imperador da França. Uma dica para conhecer Napoleão além da história é assistir ao grandioso e belíssimo filme “Napoleão”, de Abel Gance, filmado em 1927. 

Serviço

Museu das Armas: No Hotel Nacional dos Inválidos (Les Invalides). "Napoleón, N'est Plus". Até 19/9.  € 14 (adultos), € 11 (meia-entrada) e gratuito para menores de 18 anos. https://www.musee-armee.fr/accueil.html
Museu Nacional de La Maison Bonaparte. Exposição "Em Mármore e Bronze: Memória dos Bonaparte na Córsega". De 18/5 a 11/7/2021. € 7 (adultos) e € 5 (jovens de 18 a 25 anos não residentes na UE) e gratuito para menores 26 anos residentes na UE e pessoas com deficiência e seus acompanhantes). https://musees-nationaux-malmaison.fr/musee-maisonbonaparte
Guia em Paris para famílias com crianças: Aureliana Paula Garreau, contato: aureliana@parciparla.com.br ou  www.parciparla.com.br

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