Entrevista

Cruzeiros: na nova temporada, 100% dos tripulantes e passageiros serão testados

Depois de ser duramente impactado pela pandemia do novo coronavírus, setor se prepara para a retomada; mesmo com vacina, exame será exigido para embarque

Por Paulo Campos
Publicado em 26 de janeiro de 2021 | 03:00
 
 
 
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O mercado de cruzeiros marítimos é algo relativamente novo no Brasil, isso porque, até 1995, a navegação de cabotagem era proibida para navios de bandeira estrangeira. O auge foi entre 2003 e 2011, quando a oferta de navios no litoral brasileiro passou de seis para 20, acompanhando uma tendência de crescimento da economia e, consequentemente, do turismo. 

A democratização dos cruzeiros veio por meio da oferta de diferentes faixas de preços para diversas opções de roteiros e duração de viagem. A partir da temporada 2010/2011, a demanda começou a cair ano a ano.

Nos últimos anos, o setor cresceu, em média, de 6% a 7%.

Esse crescimento foi interrompido em março, em plena temporada 2019/2020, quando a pandemia do coronavírus instalou-se no mundo, fechando portos, aeroportos e fronteiras terrestres. 

Até então, o segmento movimentava no mundo US$ 154 bilhões e gerava 1,8 milhão de empregos. No Brasil, os números são modestos na temporada 2019/2020 – cerca de R$ 2,24 bilhões injetados na economia e mais de 33.745 mil empregos gerados.

Em dezembro, ainda por conta da aceleração de propagação da Covid-19, a temporada 2020/2021 foi cancelada. A expectativa da vacina é um alento para a temporada 2021/2022, que já foi confirmada.Nesta semana, os protocolos de segurança dos cruzeiros foram divulgados entre os parceiros das armadoras – operadoras e agências de viagens. Entre as principais medidas está a testagem antes do embarque de 100% dos passageiros e tripulantes. O avanço da vacinação em vários países, associado à expectativa de recuperação econômica mundial, tem levado as companhias marítimas a planejar novos embarques. 

No dia 14 de janeiro, uma reunião entre a Clia Brasil – braço da Clia Global, entidade que representa oficialmente 90% das companhias marítimas do mundo – e a Embratur já alinhava a retomada do setor no Brasil.

Nesta entrevista, Marco Ferraz, presidente da Clia Brasil, comenta as expectativas para a temporada 2021/2022 e fala dos protocolos sanitários e da possibilidade de vacinação, da necessidade de reconquistar a confiança dos cruzeiristas e das novidades para os próximos anos, com a inclusão de escalas-teste em Penha, em Santa Catarina, e na Ilha do Mel, no Paraná.

Antes da pandemia, o setor de cruzeiros vinha se recuperando lentamente no Brasil. Havia até interesse  do governo federal em aumentar de sete para 40 o número de navios na costa. Como você avalia os prejuízos provocados pela Covid?                   

O setor de cruzeiros vinha em crescimento forte e sustentável, em torno de 5% a 6% em 2019. Chegamos a ter 30 milhões de cruzeiristas e um investimento em novos navios. Os associados têm uma  frota de 270 navios e outros 115 estão encomendados até 2027. Isso representa um aumento de 45% no número de leitos. Mas ninguém previa uma pandemia dessa magnitude. No dia 13 de março, os cruzeiros foram a primeira indústria do turismo a parar voluntariamente. Só em março 2 milhões de cruzeiristas navegariam na costa brasileira. Mas os portos fecharam, os aeroportos também. Os destinos não queriam mais receber os turistas. A Clia Brasil conseguiu repatriar todos os tripulantes, ficando no porto apenas o mínimo necessário para a manutenção dos navios. Só não esperávamos que a pandemia durasse tanto tempo. Na Itália, os navios da MSC e Costa Cruzeiros já voltaram a navegar nesse final de semana. Com a possibilidade de retomar as viagens, chegamos a um protocolo-padrão. Isso não significa, no entanto, que não poderemos nos adaptar às necessidades locais, no caso do Brasil, à regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Qual é o volume do prejuízo desde o início da pandemia do novo coronavírus no Brasil e no mundo?

São perdas de US$ 77 bilhões e 518 mil empregos no mundo. E só operamos um quarto do período. No Brasil, 39,5 mil empregos não foram gerados, e US$ 2,62 bilhões não foram distribuídos. Nossa comunidade  não é composta apenas por navios, mas operadores, agências e fornecedores, portanto toda a cadeia do turismo foi fortemente impactada.

A temporada 2020/2021 foi cancelada em dezembro. Até porque a única armadora que confirmou dois navios na costa foi a MSC. O que, de fato, causou o cancelamento dessa temporada?

Na temporada, teríamos uma oferta de 620 mil leitos e cerca de 500 mil cruzeiristas na costa brasileira. Essa temporada não aconteceu por conta da situação da Covid-19 no Brasil, a Anvisa não autorizou o início das operações. A temporada foi postergada por duas vezes, de novembro para dezembro e depois para janeiro. Conforme foram avançando os dias, não teríamos mais tempo de iniciar a operação.


Como está hoje a situação dos cruzeiristas que compraram pacotes de cruzeiros para esse período?

De acordo com a Medida Provisória 948/2020, transformada na Lei 14.046/2020, todos os cruzeiristas podem remarcar as viagens sem multa, utilizar os créditos por um ano ou ter o reembolso em 12 meses. Posso afirmar, sem erro, que a maioria está preferindo remarcar as viagens.

Quando começa a temporada 2021/2022, e quantos navios são esperados no litoral brasileiro?

O primeiro navio a embarcar será em 31 de outubro, e a temporada se estenderá até 19 de abril de 2022. Temos sete navios confirmados – cinco da MSC e dois da Costa Cruzeiros –, 12 roteiros e 14 destinos, com 552 escalas em três portos – o de Santos, com 66 escalas, o do Rio de Janeiro, com 59 escalas, e o de Salvador, com 53 escalas. O total de 566.280 leitos é um número positivo para a temporada. Estamos esperando o retorno empolgado dos cruzeiristas. Temos bastante procura de pessoas físicas, mas também de grupos e casamentos.

Depois que vários navios colocaram passageiros em quarentena, alguns com surtos de Covid-19 a bordo, o setor ficou em frangalhos e acendeu a desconfiança nos cruzeiristas. Aconteceu isso com um navio Diamond Princess, no Japão, com a empresa norueguesa Hurtigruten e com um navio de carga da China que atracou no porto de Santos e um navio de passageiros em Recife. Isso não gerou medo nas pessoas?

O surto de Covid-19 no navio ancorado no Japão era um movimento que a gente não esperava, a quarentena a bordo trouxe um estrago grande, mas também uma aprendizagem. Foi um estigma, naquele momento pouco se sabia do vírus. Não acho que chegada da vacina seja a solução, a segurança está nos protocolos. No retorno dos cruzeiros, tivemos ainda alguns casos, mas os protocolos já estavam avançados, e havia um plano de contingência. Os protocolos não são 100%, por esse motivo se tem um plano de contingência – uma área de isolamento no navio com UTI, respirador, serviço de telemedicina, médico e equipe treinados. Quando ancorar em um porto, o passageiro com suspeita de Covid-19 será encaminhado imediatamente para um hospital local. É o que foi feito nos cruzeiros na Europa, estamos preparados para tudo.

Na última semana, os protocolos de segurança dos cruzeiros foram divulgados entre os parceiros do turismo. Em resumo, quais são os principais procedimentos?

Os protocolos preveem testagem em 100% dos cruzeiristas e tripulantes. Antes do embarque, o tripulante faz um teste na casa dele, depois outro teste na chegada ao Brasil, é colocado em quarentena e faz um terceiro teste no navio, só depois começa a trabalhar. Todos os passageiros também passam por testes semanais: faz teste de antígeno no porto, depois teste PCR, e, se der positivo, não embarca. Dentro do navio, a ocupação foi reduzida a 60%, com mais distanciamento entre as pessoas, uso obrigatório de máscaras e higienização das mãos. Os dispensers com álcool em gel estão nos navios há mais de uma década, antes mesmo da Covid-19. Os navios também são dotados filtros de ar fresco. No entretenimento, os shows terão o distanciamento necessário entre as pessoas. Uma questão importante é o monitoramento, com câmeras e pulseiras que passam informações da movimentação dos cruzeiristas no navio. Vamos supor que eu tenha algum sintoma da Covid-19, o sistema alerta com quem eu estive a menos de um metro. Nenhuma outra indústria tem tanto controle como a de cruzeiros. Com a vacina, os protocolos também passarão por uma evolução. Temos equipes de médicos e especialistas que estarão avaliando sempre esses protocolos. Desde o 11 de Setembro, as questões de segurança se intensificaram até hoje.

O navio de cruzeiro é um destino em si, mas muita gente embarca pela possibilidade de conhecer vários destinos em uma única viagem. Como ficam as excursões terrestres?

O navio é uma bolha de segurança, e essa bolha se estende às excursões. Nenhum cruzeirista pode desembarcar sozinho, só em excursões. Nos ônibus ou vans, o monitoramento é o mesmo. Se ele descer em Salvador, por exemplo, a atração tem que estar preparada para recebê-lo. Ele compra um roteiro fechado e precisa segui-lo. Hoje, temos embarcações para cada público – o navio contemporâneo, grande, com muito entretenimento a bordo; o navio premium, menor, com mais serviços e custo de US$ 450 por dia; o navio de luxo, acima de US$ 450 por dia. Este último é pequeno, para menos de 500 cruzeiristas, sem entretenimento a bordo, mas com serviço de hotel cinco estrelas. Esse tipo de navio geralmente vai para lugares que os outros não conseguem ir. Há, também, os cruzeiros fluviais na Amazônia e no Pantanal e os cruzeiros de expedição.

Os cruzeiros continuam a ser um bom custo-benefício para o viajante?

Eu não acompanho a questão comercial, cada companhia tem suas tarifas, mas o custo-benefício é gigantesco: o viajante tem em um mesmo lugar entretenimento, hospedagem e gastronomia. É uma forma de viajar fabulosa, a melhor para se conhecer o mundo. Segundo pesquisa recente da Clia, cera de 82% das pessoas que já fizeram cruzeiros afirmam que pretendem repetir a experiência, são fãs de carteirinha. E com um detalhe: quanto mais cedo o viajante compra o pacote, menos paga. Conheço cruzeirista que compra quatro, cinco roteiros em uma mesma temporada.

A Clia sempre reclamou do custo Brasil para os cruzeiros marítimos. A infraestrutura melhorou nos últimos anos?

A falta de competitividade e o custo da operação, além de outros entraves burocráticos, levam as companhias a operar em outros lugares. A Clia tem trabalhado isso com o governo federal, tanto com o ex-ministro Marcelo Álvaro, que saiu em novembro, quanto com o Gilson Machado, atual ministro.

Estamos também próximos do Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura, e do Diogo Piloni, secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários. O investimento do governo permitiu que navios maiores pudessem ancorar no porto de Itajaí (SC). Queremos também fazer escala-teste em Penha (SC), onde está o parque Beto Carrero World, e na Ilha do Mel, no porto de Paranaguá (PR). É importante o investimento em infraestrutura – píer, batimetria e carta náutica. Queremos no futuro incluir nos roteiros Vitória (ES), Arraial do Cabo (RJ), Morro de São Paulo (BA), Barra Grande (BA) e Porto Seguro (BA). Podemos também operar em Porto de Galinhas, aproveitando o porto de Suape, e Fernando de Noronha, destino mais indicado para navios de luxo. Hoje, 13 ou 14 embarcações internacionais navegam até Manaus (AM). Há, ainda, como operar Santarém e Alter do Chão (PA) e Boca do Valéria (AM).

Um dos assuntos do momento é a preocupação com a questão ambiental, principalmente no Brasil, por conta das queimadas, da poluição das águas e da emissão de gases do efeito estufa. Qual é a colaboração dos cruzeiros nesse sentido?

A questão ambiental é importante, uma de nossas prioridades. Os navios têm tratamento de água e esgoto a bordo e também investimentos em tecnologia para a reciclagem, o tratamento de lixo. Os navios são fiscalizados por instituições mundiais e locais. Também trabalhamos na diminuição da emissão de gases. Estamos com embarcações novas, utilizando gás natural liquefeito, combustível que emite menos poluentes. O Costa Toscana, inaugurado recentemente na Itália, é movido a GNL (Gás Natural Liquefeito), o combustível fóssil mais limpo do mundo. Os cruzeiros são uma indústria que se moderniza muito rápido, que investe em inovação, tecnologia e protocolos.

Percebo que não há muito investimento em campanhas em Minas Gerais para atrair cruzeiristas. Por quê?

Uma pesquisa da Clia mostrou que 56% dos cruzeiristas são de São Paulo, 16% do Rio de Janeiro, 6% de Minas e 22% do resto do Brasil. Acho que os mineiros poderiam aproveitar mais os navios saindo do Rio de Janeiro, há um potencial muito grande em Minas. O aeroporto de Santos Dumont fica próximo ao VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que passa em frente à área portuária. É muito fácil embarcar nos navios.

O que a Clia Brasil espera do novo ministro do Turismo, Gilson Machado, e da nova Embratur?

É um ministro com muita energia, um incentivador dos navios de cruzeiros, e vai nos ajudar a melhorar nossa competitividade, atraindo investimentos e promovendo nosso país. O presidente da Embratur, Carlos Brito, também se mostrou comprometido com nosso setor e vai nos ajudar na atração de navios internacionais.

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