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SENTINDO NA PELE

Os vigilantes do imponderável mundo da paixão acalorada

Repórter do Super FC assumiu a função de segurança para mostrar como é lidar com torcedores aficionados no Mineirão

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PUBLICADO EM 04/09/15 - 21h24

O Mineirão antigo não carecia do serviço destes profissionais. Mas, a modernidade, as Copas, o padrão Fifa, as leis e os índices de violência fizeram o Gigante se curvar ao trabalho dos seguranças, que desempenham um papel que antes cabia apenas à polícia. Seja por necessidade, ou para o bem estar do torcedor, eles estão lá para recriminar, abordar, checar, orientar e agir. Chatos? Autoritários? Arrogantes? Eis os ônus.



O papel da vez não seria simples. Lidar com o temperamento de pessoas é algo delicado, imprevisível e requer capacitação. Desta vez, eu teria limitações na função, afinal, não havia passado pelo treinamento técnico exigido pela Polícia Federal. A coisa é e precisa ser séria. Isso, no entanto, não me impediu de vivenciar a conduta.

Tal como outros profissionais, me apresentei para serviço cinco horas antes de a bola rolar. O Mineirão já tinha sido vistoriado, a esplanada nem é aberta em dias de jogos exatamente por questões de segurança. Vai que um desequilibrado deixa algo perigoso escondido.

Com um colete laranja especial – diferente dos amarelos utilizado pelos vigilantes –, fui colocado em um grupo e deslocado para acompanhar a entrada do torcedor na portaria Sul, tradicionalmente bem mais tranquila que a Norte, que costuma registrar invasões em massa e tumultos devido à entrada de última hora.

Portões abertos. Meu papel era fazer a conferência dos ingressos e a primeira triagem, quase na calçada. A ordem: não pode entrar com latas ou garrafas, nem mesmo de água.

FOTO: Moisés Silva
Mineirão Sentindo na Pele
Na chegada do torcedor, fiz a fiscalização para a entrada de bebidas e alimentos

Alimentos também não. “O futebol ficou chato, hein?”, você já pensou. Sim, mas está lá no Estatuto do Torcedor. Pode até ter interesses comerciais nisso, mas tudo é para evitar atos de violência, intoxicação alimentar e outras coisas mais. A consequência disso, claro, é o torcedor protelando, protelando o acesso, até terminar aquela cervejinha (a volta da venda de bebidas alcoólicas ainda não havia sido autorizada por lei).

Não pode entrar também bandeira da organizada (estava punida naquele dia).  Instrumento musical? Mastro de bandeira? Pode, mas tem que encaminhar para a conferência um pouco acima.

Locais e localidades, setores e setorizações

“Portão A?”, “Setor Laranja, é por aqui?”, “Onde é a bilheteria”. Vixe, nessa eu me ferrei. Até conheço bem o Mineirão, mas assim, de supetão, não sei dizer. Tive que aprender rápido: A e B à esquerda, C, D, E e F pela direita.

Passo seguinte: revista de prevenção e segurança. Não sou capacitado, não posso fazer nada. Só observo. “Objeto no bolso, senhor? Coloque no boné”, “Levante a camisa, por favor!”. Tem toda uma técnica, onde apalpar, onde procurar objetos. Vigilantes mulheres revistam mulheres. “Abra a bolsa, por favor”. Nas crianças, no entanto, não se põe a mão. Para tal, era necessária a presença de um conselheiro tutelar.

Pente, escova de cabelo, caneta, buzina, pilhas, nada entra. Me contaram que, uma vez, uma mulher deve que jogar fora um perfume de R$ 600. Um desodorante combinado com um isqueiro vira um lança chamas. Então, ou volta e deixa no carro, ou não entra. Camisa de outro time? Também não. Uma moça, com a camisa verde do Palmeiras, foi barrada.

Diferentemente do período de Copa, o estádio não tem detectores de metais. Seria mais um custo. Não seria melhor gastar em campanhas de boa conduta? Um torcedor que entra com uma bomba escondida no calçado é um torcedor?

Ao longo da esplanada, outros vigilantes ficam posicionados nos portões e nos corredores das catracas, bem como nos acessos do estacionamento. Dalí para o estádio, a conferência dos ingressos cabe à federação e ao clube mandante. Não presenciei tumultos.

Trabalho e diversão: expectadores a serviço

Logo que o jogo começa, a minha equipe é deslocada para a vigilância dentro do Mineirão. Fiquei na divisão da torcida visitante, em meio a uma imensidão de cadeiras vazias, a parte feia de um estádio todo tomado de preto e branco. Para que isso tudo? A determinação é da Polícia Militar.

FOTO: Moisés Silva
Mineirão na pele
É possível trabalhar e ver o jogo, mas se der uma confusão, você precisa intervir

Do mais alto degrau das arquibancadas, vi a bola estufar as redes. Era trabalho, mas que culpa tenho se ganhei uma visão tão privilegiada? Ah, se a situação era pacata, nada mal ver o jogo na boa. Depois, fui deslocado para reforçar a divisão, bem próximo do vidro, ao lado dos torcedores.

Outro gol, mais outro. Aí a situação esquentou. Como leões famintos, os torcedores subiram na proteção para provocar a torcida do oponente, disposta bem do lado. Marinheiro de primeira viagem, me assustei, fiquei sem reação, enquanto os colegas já apaziguavam os ânimos. Só conseguir soltar um “desce, por favor”.

Para o segundo tempo, a intenção era vivenciar o papel dos seguranças no gramado, aqueles que ficam de jarrinha de costas para o campo de jogo. Meu líder se deslocou para outra função e não consegui o acesso à área da partida.

FOTO: Moisés Silva
Mineirão Sentindo na pele
Função de segurança não é fácil não: tem que ficar de contas para o campo

Ah, mas, eu não aguentaria de curiosidade. Sei que eu daria aquela espiadinha, quebrando uma das regras básicas. No mínimo, eu ficaria contando torcedor por torcedor para passar o tempo. Além do mais, de colete laranja, eu chamaria mais atenção do que todos os que estavam no gramado. E virar o centro das atenções é tudo que um segurança não pode fazer.

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