Não se trata apenas de preparar um prato, colocá-lo no cardápio e esperar que os clientes o escolham como a opção para comer. As receitas do Comida di Buteco têm história. Participando pela primeira vez do concurso, donos de bares buscaram por uma preparação que envolvesse não somente um sabor marcante e agradável, como também sentimento.
Houve quem tenha prestado homenagem à avó ou à mãe, feito um tributo às criadoras centenárias de uma iguaria típica de Minas ou mesmo valorizado os ingredientes daqui, especialmente nesta edição, com tema livre, em que os participantes puderam explorar a própria criatividade.
À frente do Bar e Restaurante Bom Sabor, Adriéli Santos Costa lembra-se bem do pedido da mãe no último aniversário dela: “o purê de farinha de milho da minha avó”. Pouco tempo depois, a mãe faleceu, na mesma época em que Adriéli recebeu o convite da organização para participar do concurso.
“No primeiro momento, meu esposo me questionou se iríamos mesmo entrar. Afinal de contas, fazia poucos dias que minha mãe tinha falecido. De imediato respondi a ele: ‘vamos sim’. Minha válvula de escape foi criarmos um prato em um momento muito crítico da vida”, recorda.
Ela e o marido, Samuel de Souza Órfão, chegaram à conclusão que o prato não poderia ser outro a não ser um que homenageasse a mãe e a avó de Adriéli. Juntos, eles criaram o Frango Atolado, que, além da ave marinada com especiarias, leva também purê de farinha de milho, couve e pimenta-biquinho. Tudo isso acompanhado de minipães. “A utilização da farinha de milho é uma homenagem a minha avó, que hoje está com 104 anos”, conta.
Segundo Adriéli, a avó foi “torradeira de farinha de milho e sempre alimentava os doze filhos com o purê de farinha, a base do nosso prato.” A proprietária do restaurante ainda expressou na receita as lembranças de sua cidade-natal. “O prato traz um pouco da nossa vivência em Paraguaçu, cidade do interior do Sul de Minas, onde nascemos e fomos criados. Nosso Frango Atolado é um prato emoção”, elabora.
Quem também não deixa escapar a emoção ao falar da estreia no Comida di Buteco é o Alexandre Moreira de Azevedo, proprietário do Alexandre's Bar. Vindo do interior de Minas, da cidade de Veredinha, no Vale do Jequitinhonha, ele chegou em BH para trabalhar quando tinha 18 anos. “Por coincidência, meu primeiro emprego foi de garçom”, recorda. Mas ele queria mais. “Gostava mesmo era da cozinha.”
Sempre que tinha oportunidade, ia para a beira do fogão do restaurante em que trabalhava. Ele fez isso até 2004, quando decidiu abrir o próprio negócio. “Estou completando 20 anos de Alexandre's Bar, fazendo o que eu realmente gosto: cozinhar.” Não é à toa que ele sente “muita satisfação” ao apresentar seu prato no concurso, o Braseado Imperial do Chef, feito com acém, baroa imperial e espaguete de chuchu. “É uma combinação saborosa que traz uma sensação nostálgica e, ao mesmo tempo, afetiva”, diz.
É de se imaginar que o proprietário do bar Bendita Baderna, Renato Brandão Soares, tenha se recordado de seus tempos de menino para criar o prato Velha Infância (barquete de angu recheada com mamão verde e carne suína de lata, coberto com queijo canastra). Ele conta que o prato é a sua referência de alimentação quando vivia em Curvelo, na Região Central do Estado. “A carne de lata era a forma de conservá-lá, já que casas que não tinham geladeiras”, rememora.
Soares também quis levar o mamão verde cozido para o prato, já que “poucas pessoas nas grandes capitais o conhecem.” Ele deseja, portanto, que seus clientes, ao comerem as barquetes, sejam levados “a imaginar a beira de fogão de lenha, saboreando uma comidinha de vó.” “Eu quis homenagear também minha falecida vó Joana e suas mãos de fada na cozinha de roça”, indica.
Homenagem à gastronomia mineira
Quando começou a pensar no prato que escolheria para estrear no Comida di Buteco, logo veio à mente do proprietário do Avalanche Espeteria, Wesley Luan da Silva Moura, os pastéis de angu feitos pela mãe. “São muito top, mas também são muito simples. Então, decidi colocar de acompanhamento torresmos de barriga e fiz um molhinho de goiabada com pimenta-biquinho, que combina muito com o torresmo”, conta.
Para nomear o prato, ele fez uma série de pesquisas. “Descobri que o prato foi criado em Itabirito por duas pessoas”, conta. Daí, nasceu o Maria Conga e Filó, receita que leva o nome das criadoras da iguaria. Elas foram duas mulheres escravizadas, que foram obrigadas a trabalhar em uma fazenda da cidade no século XIX. Como a base de alimentação dos escravos era o milho, Maria Conga e Filó criaram o pastel com o ingrediente recheado com sobras de carne. O modo de fazer o pastel, inclusive, foi reconhecido como patrimônio imaterial do município.
Proprietário do Bar do Bem, Philippe Fernandes Guimarães Nascimento pensou em “valorizar alguns ingredientes que são típicos de Minas Gerais” ao criar o Bem Mineiro (bolinho de torresmo recheado de queijo canastra acompanhado de geleia de pimenta com cachaça). “Este é um petisco raiz para honrar minas e seus botecos”, conta, destacando que está sentindo um misto de sensações por participar pela primeira vez do concurso.
“Tem hora que tenho medo de fracassar, mas também tenho alegria em ver a casa sempre cheia de gente feliz. Também tenho alguns momentos preocupação, no sentido de ‘o bar está dando o melhor para nossos clientes?’ Mas sempre tenho alegria e gratidão por toda a equipe do Comida di Buteco por acreditar em nosso potencial e nos dar essa oportunidade que com certeza vai virar o jogo para nós!”, arremata.