Faroeste candango

Inimigo do pai de Collor foi acusado de mandar matar adversários políticos

Alvo de tiros disparados por pai de Collor fez fama em Alagoas com carreira política marcada por ameaças e até acusações de assassinatos de adversários

Por Renato Alves | Levy Guimarães
Publicado em 03 de dezembro de 2023 | 09:30
 
 
De família tradicional na política, Silvestre Péricles ocupou vários cargos públicos, em carreira marcada por polêmicas e violência Foto: Divulgação/Tribunal de Contas da União

Silvestre Péricles nunca mostrou provas das irregularidades que imputou ao arquirrival Arnon de Mello na disputa pelo poder em Alagoas, que culminaria nos tiros disparados dentro do Senado pelo pai do hoje senador Fernando Collor de Mello e que resultaram na morte de José Kairala, outro parlamentar

Por outro lado, Silvestre sempre fez questão de deixar claro o quanto devia ser temido. “Quando faço ou mando fazer, não deixo vestígios. Os meus inimigos não me atemorizam. Quem pensar, sequer, em levantar a mão contra mim, está assinando sumariamente a própria sentença de morte. Sou rápido no gatilho”, declarou em entrevista à revista O Cruzeiro, em 1950, quando era governador de Alagoas.

Ao dizer isso ao repórter e fotógrafo da então mais influente revista do país, Silvestre abriu o paletó e exibiu um revólver calibre .38, cano longo, e um cinturão de balas. “Faço o bicho virar peneira. Não tenho capangas. Ando sozinho, vou a qualquer parte, mas não se atrevam a mexer o dedinho. Eles gostam dessa coisa boa que é a vida”, acrescentou.

Correligionários de Arnon e Silvestre trocaram tiros no centro de cidade alagoana 

A equipe de O Cruzeiro estava em Alagoas por causa da escalada de violência na política local, em meio à campanha eleitoral de 1950, prevendo que a acirrada disputa entre o governador Silvestre Péricles e Arnon de Melo não terminaria bem. O estado vivia sob o medo, impulsionado pelo episódio que ficou conhecido como Chacina de Mata Grande, com quatro mortos, sendo três jovens – uma menina de 17 anos e dois irmãos.

A cidade alagoana foi cenário de um tiroteio em 2 de outubro de 1950, véspera da votação, entre os dois grupos políticos que disputavam a prefeitura local e o governo do estado. Além dos mortos, houve muitos feridos, incluindo o senador Ismar Góis Monteiro. Baleado nas nádegas, ele estava na cidade para fazer campanha para o candidato rival do seu irmão Silvestre Péricles. O então governador foi acusado de ordenar a matança de adversários. A eleição em Mata Grande aconteceu sob proteção de tropas do Exército.

Silvestre, que nunca respondeu processo pelas mortes em Mata Grande, também havia sido acusado de mandar matar João Cardoso Paes, pai do deputado Oséas Cardoso, do grupo político de Arnon de Mello. João foi assassinado dentro do hotel de sua propriedade, em Maceió, em 17 de fevereiro de 1950. Oséas dizia que Silvestre e Campos Teixeira – o candidato derrotado por Anon – eram os responsáveis pela morte do pai dele.

No início da tarde de 30 de maio de 1951, em frente à Assembleia Legislativa de Alagoas, Oséas Cardoso se aproximou por trás de Campos Teixeira, bateu no seu ombro e disse: “Vira pra cá, cabra da peste, que você vai morrer.” Em seguida, segurando o revólver com as duas mãos, deu cinco tiros em Campos Teixeira, que ainda tentou reagir jogando a capa, que estava em seu braço, contra a arma. Oséas livrou-se da capa e continuou a atirar até ver seu adversário cair.

O atirador ainda tentou fugir, mas foi perseguido e contido pelo deputado estadual José Lucena, testemunha do crime. Ao ser perguntado sobre o motivo dos disparos, Oséas mostrou o retrato do pai no necrotério e respondeu: “Pai é pai.” Levado ainda com vida a um hospital, Campos Teixeira morreu horas após ser baleado. Já seu algoz ficou impune.

Em 5 de junho de 1950, a Assembleia Legislativa de Alagoas decidiu, por maioria, que o deputado fosse solto imediatamente e ainda negou autorização para que ele fosse processado. Ao término da sessão, uma comissão de deputados foi à Penitenciária de Maceió para comunicar o resultado da votação. Em seguida, Oséas deixou a prisão.

O assassino confesso foi reeleito para mais dois mandatos de deputado estadual, eleito deputado federal em 1962 e reeleito em 1966. Concorreu novamente a uma cadeira na Câmara dos Deputados em 1982, ficando na primeira suplência e assumindo o mandato em julho de 1986, permanecendo até o fim da legislatura. Morreu em 31 de maio de 2009, aos 95 anos, em Brasília, onde morava em uma mansão batizada de Pajuçara. Tinha um escritório no centro da capital, sendo representante da cooperativa dos usineiros de Alagoas e sempre levando em sua companhia seu revólver  calibre .38.

Já Silvestre Péricles, que havia sido magistrado no Tribunal de Justiça Militar, delegado de polícia em Maceió e Ministro da Guerra durante a ditadura de Getúlio Vargas, chegava a exibir duas armas de fogo pelos corredores do Senado – uma na cintura e outra em uma das mãos –, além de um punhal, segundo servidores e senadores, em depoimentos no processo sobre o episódio que teve o inocente José Kairala como vítima

Nascido em São Luís do Quitunde em 30 de março de 1896, Silvestre morreu aos 76 anos, no Rio de Janeiro, em 16 de novembro de 1972. 

Devido ao valor histórico, o processo número 967, de 1963, que tem 776 páginas e trata do crime no Senado, foi destinado à “guarda permanente” do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Ele serviu para consulta da equipe de O TEMPO em Brasília.