Houve períodos em que prevaleciam ditados populares como “negócio no fio de bigode” ou “confio em todos até que me provem o contrário”. Bons e antigos tempos, saudosismo à parte. Se quisermos entender um pouco o que anda acontecendo com a falência da confiança mútua, do acreditar, teremos que observar quanto o momento, o meio ambiente, além dos aspectos individuais, colaboram para esse estresse a mais a que somos submetidos, pois vigiar pessoas, checar tudo ao nosso redor, ficar de sentinela o tempo todo é mais que desgastante, é doentio.
Quais as ameaças que enfrentamos realmente no dia a dia? Digo isso por causa de uma pesquisa que saiu recentemente indicando que 90% da população teme ser vítima da violência a cada dia, outras mais de 80% de perder a vida por causa dessa violência urbana e mais de dois terços sentem-se desamparados pelas autoridades. O simples andar de ônibus, parar num sinal à noite, sair da garagem a qualquer hora do dia, ou até estar em casa e sofrer assalto invade o nosso imaginário cotidianamente. Isso não é viver, é sobreviver, como se estivéssemos em plena guerra civil, na Síria ou no Iraque por exemplo.
Entendamos alguns aspectos importantes desse fenômeno. Primeiro devemos resgatar duas palavras desse tiroteio mental: comunidade e comunhão. É certo que em pequenas comunidades, onde as pessoas se conhecem e têm uma comunhão de interesses, a sensação de segurança, apoio, solidariedade é infinitamente maior que em grandes centros urbanos, individualistas e competitivos, onde a indiferença com o sofrimento alheio é praticamente uma lei. Lemos, ouvimos, vemos, entre indiferentes e passivos, uma coletânea de tragédias, que, infelizmente, são selecionadas pelas mídias, já que “desgraça e tragédia dão ibope”. A dor dos outros é normal até que aconteça conosco.
Cidades menores, grupos de fé ou instituições que congregam ações sociais e o bem tendem a gerar uma consciência coletiva e fraternidade que nos acolhem e dão segurança. Mas o que me diz do seu vizinho do quarto andar? Às vezes nem o nome sabemos. Na base de cada um por si e Deus por todos, nos recolhemos a nossas prisões domiciliares ou solitárias de quartos com janela para telas de eletrônicos. Confiança é uma construção diária, baseada na lealdade, na intimidade, no diálogo às vezes difícil, no reconhecimento dos erros, na gostosa sensação de se estar acompanhado nos momentos de difícil travessia.
Perdida a confiança, resgatá-la é um processo doloroso nem sempre possível, tal qual colar a xícara de porcelana chinesa que quebrou ao cair, deixa cicatrizes e marcas. Mas algo pode ser pior que a perda de confiança, mesmo porque, muitas vezes, não há nem motivo para desconfiar, nem fato para tal. A mente humana sob estresse excessivo ou insônias crônicas, mas, principalmente, intoxicada de bebidas alcoólicas e drogas, em especial a maconha, pode desenvolver paranoias, ou sensação de estar sendo perseguido por pessoas, colegas de trabalho e familiares.
Ou, ainda, a paranoia de estar sendo traído no namoro ou casamento. E, para completar, a paranoia de estar sendo passado para trás, roubado ou sabotado. O fenômeno paranoico é patológico, exige tratamento e, constantemente, termina em tragédia. Afinal, é um delírio, uma deformação da realidade, uma fantasia que é vivenciada como real, pois a pessoa cria uma rede de pensamentos distorcidos em que ele é sempre a vítima e começa a associar fatos para chegar à conclusão de que está sendo traída ou perseguida.
Um exemplo de um indivíduo em paranoia é quando ele fica observando placas de carro e enxerga coincidência com telefones de conhecidos para chegar à conclusão de que a mulher o está traindo. Para ele, tudo coincide, e na sua mente obsessiva tudo se encaixa, e esquece de que somos regidos por dez algarismos que sempre nos remetem a algo. O que sabemos é que, em tempos de guerra, escassez, privação e temor da não sobrevivência, criamos um mundo mental de pensamentos acelerados, negativistas.
Em época de crise, enfatizamos aspectos pessimistas. Se tivermos oito boas notícias e duas ruins, nos agarramos ao pior e vivemos reclamando de tudo. Desligar o botão do medo e da insegurança, enfrentar a realidade, e não o imaginário ruinoso, é uma das saídas. A fé, independentemente da forma que se busca, é outro porto seguro. Ser mais solidários, sorrir frente aos desafios, ter palavras de reforço positivo, buscar ambientes sadios e que estejam em busca do melhor é igualmente saudável. E, se a paranoia se instala, procure a ajuda de especialistas, pois o “inferno é uma mente sombria e povoada de pensamentos pessimistas e preocupações irreais”.
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